33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 205
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- Capítulo 205 - Quadragésima Quinta Página do Diário
Quadragésima Quinta Página do Diário
Estar de volta ao lar é um dos melhores sentimentos que pode existir. A sensação de estar seguro nos faz relaxar, o cheiro familiar transmite felicidade, as vozes conhecidas acalentam o coração de uma forma tão boa, que por alguns segundos pude esquecer os problemas que agora envolviam a minha família adotiva.
Até as pedras escuras que se juntavam para formar paredes e corredores irregulares, parecia me receber calorosamente. E pensar que poucos dias antes estive no lugar de onde cada uma pedra foi retirada e trazida para a planície do Reino do Leste.
Imaginei o quão trabalhoso deveria ter sido transportar todos aqueles blocos de pedra escura, principalmente considerando o trajeto e o peso de cada uma das pedras. Mas lembrei que, certa vez, Miraa me contou que havia uma tradição secular onde as pessoas traziam pedaços das ruínas do antigo Reino de Pedra e depositavam na montanha Solitária.
Tirei do bolso uma pequena lasca de basalto escuro e encaixei entre dois grandes blocos de pedra imensamente maiores. Não era grande coisa, mas queria fazer parte da antiga tradição do povo que me escolheu.
Ninguém impediu minha entrada ou atrapalhou minha passagem pelos corredores, vi alguns sorrisos aqui e acolá, me cumprimentado após muito tempo sem voltar à Capital do Reino, a maioria eram de pessoas que trabalhavam para garantir a manutenção do lugar. Eu não sabia o nome de quase nenhum deles, mas podia sentir que estavam felizes em me ver.
Certamente que a minha chegada era aguardada ansiosamente, já que ela poderia trazer o fim do conflito interno no reino. A maior prova disso foi quando algo me agarrou por trás e me derrubou.
Preso em um aperto forte, achei que se tratava de um ataque furtivo para me tirar a vida, que não seria surpresa, dada a situação e o meu relaxamento por estar em casa. Mas uma voz familiar me impediu de empalar meu agressor, ou melhor, agressora:
— Irmão! — Era a voz de Surii. Quanto tempo fazia que eu não ouvia aquela voz — Você voltou!!! Estávamos todos preocupados com o seu sumiço repentino.
— É… — Tentei dizer, o que era quase impossível com as minhas costelas sendo esmagadas — Voltei…
— Surii, saia de cima dele. — Ouvi a voz de Shiduu, que se aproximava — Nossa mãe está esperando o Deco para enfim pôr as coisas de volta ao lugar.
Enquanto Shiduu ajudava Surii e eu a nos levantarmos, percebi que Udoo também estava lá, pouco atrás de Shiduu. Ele não era o cara mais conversador dentre nós onze, e com certeza tinha mais conhecimento sobre o continente do que qualquer outro de nós.
Udoo era um aventureiro, seu passatempo e missão era explorar cada canto do reino, incluindo ruínas e pontos históricos atrás de conseguir informações e/ou objetos que contivessem qualquer tipo de relação de importância com qualquer evento do passado.
Isso se refletia em sua pele sempre queimada do sol, suas mãos calejadas e suas roupas que nunca estavam novas. Ou vai ver ele apenas gostava de roupas com aspecto desgastado, não julgo, eu também sempre achei que dava um ar mais sério.
Após estar de pé e cumprimentar formalmente os três, Shiduu nos levou direto ao salão do trono, onde Miraa e Yobaa nos aguardavam. Surii sugeriu passarmos na cozinha primeiro, o que eu concordava e muito, entretanto, Shiduu foi impassível e retrucou com um forte e simples:
— Não!
Ela sempre fora séria e dedicada às ordens de nossa mãe, mas algo parecia estar a incomodando mais do que o normal. Talvez você esteja lendo e pensando “ah, mas você fez a maior merda, Yobaa começou um conflito interno no reino, pessoas estão passando fome… é claro que ela está injuriada”.
Mas não é só isso.
Tenho certeza de que tem algo mais por trás do olhar assassino de Shiduu. Eu já vi ódio naqueles olhos por mais vezes do que consigo lembrar, inclusive por algumas vezes eu era o alvo, mas agora não. Quando chegamos ao salão principal, onde Miraa e Yobaa estavam sentados de frente um para o outro, percebi que o motivo de tanto ódio estava em nosso irmão mais velho.
Apesar de não ser o mais inteligente, tive a sensação de que as coisas estavam acontecendo de forma diferente ao que estava sendo contado. Mesmo que Yobaa estivesse usando a mim como desculpa para começar o conflito, havia mais alguma coisa que não estava saindo das paredes de pedra da montanha.
Os olhares caíram sobre mim no exato momento que aparecia na porta lateral do salão do trono. Miraa possuía um cansaço visível em sua expressão, enquanto Yobaa mantinha uma um olhar frio e carregado de ódio.
Os demais filhos de Miraa, meus irmãos, estavam sentados enfileirados lado a lado de frente para a cadeira onde Miraa estava, ao lado do Trono de Pedra. Lembrei que uma vez ela havia contado que nos últimos quatrocentos anos, apenas o primeiro rei sobre o Leste sentou-se naquele trono. Desde então, ninguém mais ousou se proclamar rei daquelas terras.
A coroa, que junto com o trono simbolizava o poder do reino, estava da mesma forma que todas as vezes, apoiada no assento de pedra escura. Me perguntava como alguém conseguiu esculpir uma coroa em pedra, e mais ainda, deixá-la tão bem polida e aparentemente confortável para quem a tivesse sobre a cabeça.
— Até que enfim chegou! — Yobaa tirou minha atenção do trono e da coroa — Achei que tivesse fugido com medo.
— Fugir não é bem a minha praia, — retruquei, — prefiro ir em direção ao perigo. O que nos traz exatamente aqui!
Mesmo enquanto falava, tentei manter uma expressão tranquila, e continuei andando em direção a Miraa. Minha mãe me recebeu com um abraço aconchegante e disse ao meu ouvido:
— Yobaa não está bem da cabeça, se prepare para qualquer atitude vinda dele.
Eu já imaginava aquilo, Miraa apenas me confirmou.
Ao me liberar do abraço, ela me indicou a cadeira na extremidade oposta da fila de onde Yobaa estava sentado. Fui até lá sem encarar nenhum dos outros, apenas os observando com a minha visão periférica.
Yobaa estava na cadeira mais à direita de Miraa, ocupando seu lugar de primeiro filho. Ao lado dele estava Renee, depois Shiduu, Gouroo, Malii, Tibee, Udoo, Baruu, Kai, Surii, e por último, eu.
— Meus filhos, — disse Miraa, — que bom que todos conseguiram chegar a tempo. Yobaa solicitou essa audiência e seria impensável falar desse assunto sem a presença de todos vocês…
— Qual assunto? — Shiddu inclinou-se para a frente.
— A sucessão do trono… Eu os reuni para escolher qual de vocês vai me suceder como Senhor ou Senhora do Leste.
Finalmente as coisas começaram a fazer sentido. As peças se encaixaram dentro da minha cabeça. Yobaa tinha usado meu nome para causar toda aquela miséria e obrigar nossa mãe a escolher um herdeiro para o trono.
O maldito havia causado tudo isso pela ganância de governar.
Eu não deixaria ele realizar esse sonho. Não depois de fazer mal a todas aquelas pessoas que não tinham nada a ver. Mas não podia perder a cabeça, esse era um assunto burocrático, e eu precisaria usar o cérebro e gastar saliva antes de escolher o caminho da porradaria.