33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 207
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- Capítulo 207 - Quadragésima Sétima Página do Diário
Quadragésima Sétima Página do Diário
Minha mania de ficar perdido em pensamentos, isso era uma coisa muito ruim. Eu precisava imediatamente aprender a dividir minha linha de raciocínio, focar nos arredores enquanto vagava em imaginação dentro da minha própria cabeça.
Sempre que meus pensamentos viajavam dessa forma, eu acabava perdendo algo importante do que estava acontecendo. E dessa vez não foi diferente, quando vi, Shiduu estava girando no ar de encontro a uma parede de pedra e caindo inconsciente.
Aquilo me pegou com tamanha surpresa que, pela primeira vez em muitos anos, fiquei sem reação. Meu corpo parecia pesar uma tonelada, minha respiração falhou, e um frio percorreu a minha espinha.
Uma sensação gélida vinha da direção onde antes estava Shiduu, mais especificamente, de Yobaa. Algo nele estava bastante diferente do habitual, não que ele fosse meu irmão preferido, mas uma sombra de morte o envolvia e um sorriso maníaco enfeitava seu rosto.
Devia ser daquela forma que as pessoas se sentiam quando eu deixava meus sentimentos fluírem na forma de Rancor. Percebi o quão apavorante era, uma espécie de mal pela própria existência. Algo assim não deveria existir.
Percebi que não era o único me sentindo assim. Todos meus outros irmãos, e até mesmo nossa mãe estavam petrificados perante aquela aura sombria que pairava ao redor de Yobaa. Não sei se estavam vendo a mesma sombra que eu, mas com toda certeza estavam sentindo.
Como um instinto natural, meu corpo reagiu.
Liberando o Rancor em forma de armadura, pude me mover. Como sempre, meu corpo se moveu antes da minha mente, mas não fui capaz de atacar Yobaa com desejo de matá-lo. De alguma forma, eu achei que era capaz de nocauteá-lo apenas com meus punhos.
Dos inúmeros erros que já cometi, esse foi sem dúvidas um dos que me causou mais dor. Não apenas dor física, mas um remorso que carregarei enquanto viver. Para alguém que sabia como a escuridão influencia alguém, eu subestimei demais o meu adversário.
Yobaa já era um mestre em esgrima quando fui adotado por Miraa, sob efeito da aura de morte, obviamente estaria mais forte. Por estupidez da minha parte, só percebi isso quando senti meu braço direito ser arrancado do meu corpo.
A primeira sensação é de desequilíbrio. Depois vem o choque de perceber que perdeu um membro. Logo após, dor e a hemorragia. Por um segundo a mente para, reavaliando o que acabou de acontecer.
Se mais alguém tivesse atacado naquele instante, poderíamos ter evitado o que veio a seguir, no entanto, exceto eu, todos estavam travados de medo da aura de morte de Yobaa. Não… Miraa não estava, eu tive a impressão de que ela observava tudo como se assistisse a um filme.
E pela forma que nos olhava, era como se soubesse o que ia acontecer.
E o que aconteceu foi o pé de Yobaa acertar meu estômago, me arremessando até perto de Shiduu, que estava começando a recobrar a consciência. Diferente dela, e talvez pela força do Rancor, me mantive consciente. Usei o que tinha de energia para criar algo fechando o ferimento no meu braço.
Tive então uma sensação esquisita. Como se meu pulso direito estivesse sendo esmagado, o que não poderia ser possível. Deveria ser o que chamam de “dor fantasma”, que pessoas que tiveram membros amputados sentiam, ou achavam sentir.
Mas não!
Percebi que Yobaa pisava em cima do meu braço decepado, bem na região do pulso, onde eu tive a sensação de estar doendo. Poderia ser apenas uma coincidência? Não, não poderia. Já vi coisas demais para achar que aquilo era uma mera coincidência causada por uma ilusão do meu psicológico.
Para ter certeza, tentei mexer meus dedos da mão direita, a que não estava mais ligada ao meu corpo. Vi os dedos abrirem e fecharem, o que significava que, de alguma forma, meu braço decepado ainda estava ligado ao meu corpo.
Será que aquilo era alguma habilidade só minha, efeito do Rancor ou eu estava ficando louco? Tinha tudo para ser a terceira opção. Mesmo assim eu preferi testar a sorte, coisa que eu não costumava ter de sobra.
Eu precisava recuperar meu braço decepado, talvez Tibee conseguisse colocar ele de volta no lugar se não começasse a necrosar. Mas não seria fácil com Yobaa pisando em cima dele, e todos meus irmãos pareciam petrificados pelo choque da aura maligna que ele exalava.
Não. Shiduu estava se pondo de pé e limpando o sangue no canto da boca.
— Alguma coisa aconteceu com Yobaa enquanto você estava fora, — Ela disse — e por algum motivo Miraa não pode interferir…
— O quê? — Eu realmente tinha percebido que Miraa estava deixando Yobaa fazer o que quisesse, mas não tinha concluído que algo a impedia.
— Acho que algo aqui dentro deste salão está muito errado! — Shiduu olhou para o trono, ao lado da cadeira onde Miraa estava sentada — Sinto uma energia pesada aqui, e a cada vez que entrei essa energia parece aumentar.
— Energia? Eu nunca senti nada disso…
— Talvez porque seja a mesma que você emana quando entra em estado de Rancor e quer destruir tudo. A minha hipótese é que venha do trono ou da coroa, e isso pode estar ligado ao fato de que nossa mãe nunca se sentou nele e nem pôs a coroa.
Não entendi o que Shiduu queria dizer, mas estava disposto a ajudar ela.
— E qual a ideia? O que vamos fazer? — perguntei.
— Primeiro temos que recuperar seu braço enquanto ainda é possível reimplantar — Ela confirmou a minha hipótese — e depois enchemos nosso irmão de porrada até ele recuperar o bom senso!
Yobaa nunca teve bom senso, então seria difícil recuperar, mas eu não estava disposto a perder tempo discutindo com Shiduu. Considerando que ela tinha muito mais experiência em batalha do que eu, também decidi deixá-la tomar a dianteira.
— Qual o plano? — perguntei — Eu ataco primeiro ou…?
— Não! Eu vou usar um ataque especial que desenvolvi contra Yobaa, mas só vai funcionar uma vez. — Shiduu se posicionou para atacar — Quando ele baixar a guarda, ataque com tudo que tem.
Mesmo que ela não estivesse mais olhando para mim, apenas consegui concordar com a cabeça.
— Eu confio em você, — ela disse, — sei que vai conseguir. Mas lembre, só temos uma chance!