33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 209
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- Capítulo 209 - Quadragésima Nona Página do Diário
Quadragésima Nona Página do Diário
Senti o impacto do meu braço decepado quando acertou em cheio a cara feia de Yobaa. Tive certeza que mesmo estando separado do meu corpo, ainda tinha alguma ligação com minhas terminações nervosas, e isso se devia ao Rancor.
Era a única explicação.
Então avancei outra vez. Aproveitei a nova brecha que consegui na defesa de Yobaa e ataquei com tudo que tinha. Deixei o Rancor fluir pelo meu corpo, me preenchendo e ao mesmo tempo cobrindo meu corpo.
Inconscientemente, fiz com que fios de névoa buscassem meu braço direito, que agora estava caído no chão, e trouxessem até mim. Como se o poder do Rancor conhecesse onde deveria ficar cada parte minha, o braço foi colocado no lugar e coberto com um conjunto de manopla a espaldeira, fechando meu braço com uma armadura do punho ao ombro.
Ter meu braço de volta ao lugar me trouxe de volta o equilíbrio. Por mais que eu não conseguisse controlá-lo como antes, poderia ainda mover a armadura em torno dele e assim garantir que meus movimentos sairiam como o planejado.
Isso ajudou demais.
Senti como se meu corpo estivesse mais leve, meus movimentos mais fluidos, e o tempo passasse mais devagar. Acertei um soco em cheio no peitoral de aço da armadura de Yobaa e me esquivei com facilidade dos ataques da espada de cavalaria.
Eu podia sentir sua fúria enquanto tentava em vão me matar.
Eu conseguia ver cada detalhe de tudo que acontecia. Era como se algo dentro do meu cérebro tivesse destravado, despertado. Me senti como um espectador da minha própria luta. Mesmo assim, meu corpo não conseguia acompanhar a nova velocidade que a minha mente atingiu.
Meu poder também não conseguia mais acompanhar a velocidade com que nos movíamos, e cada vez que eu tentava criar uma arma, precisava interromper o processo para evitar ser decapitado pela espada de cavalaria que Yobaa usava.
Mover uma espada longa como aquela não era fácil, somente alguém com muita força e treino para conseguir. E com a minha nova velocidade cerebral, consegui achar um breve momento entre os movimentos velozes do meu adversário e desarmá-lo.
A luta prosseguiu com socos e chutes de ambas as partes, que conseguíamos esquivar algumas vezes, e em outras o impacto atingia o alvo. Como Yobaa era bem maior e mais forte fisicamente do que eu, me vi em total desvantagem.
Para minha total alegria de viver, Shiduu havia retirado nossos irmãos do local e retornou para me ajudar. Com a velocidade dela e suas habilidades de ataque, poderíamos juntos parar a loucura de Yobaa.
Percebi que Miraa permanecia na sua poltrona, ao lado do trono. Me perguntei o porquê de ela ficar parada enquanto seus filhos tentavam se matar bem diante dela. E essa era com certeza a coisa mais irritante dela. Miraa sempre parecia saber algo que nós não sabíamos, sempre havia uma lição secreta para ela nos ensinar.
E se ela soubesse?
No exato momento em que me questionei sobre isso, um impacto metálico soou acima da minha cabeça. Eu perdi segundos valiosos demais pensando, e nesse intervalo, Yobaa conseguiu derrubar Shiduu e recuperar a espada.
Se não fosse por Renee eu teria morrido partido ao meio. Seria uma morte rápida, mas eu não estava com muita vontade de morrer naquele dia, então agradeci a Renee e parti para cima de Yobaa com a intenção de deitar ele na porrada.
Nossos punhos se encontraram em pleno ar e o som de ossos quebrando pode ser ouvido. A dormência dominou meu braço esquerdo, mas levou algum tempo até que a dor chegasse. Odeio sentir dor!
Pela forma como o braço de Yobaa pendia, percebi que ele também havia sofrido um dano equivalente. Shiduu e Renee se posicionaram em torno de mim, fazendo oposição a ele, que estava entre nós e o trono de pedra.
— Por que caralhos de armadura você está fazendo isso? — Perguntei, quase sem voz.
— Por quê? — A expressão de Yobaa era de pura indignação — Por um acaso vocês idiotas não conseguem ouvir o trono? Não conseguem perceber a voz dele? E que ela me chama!
Me dividi entre duas certezas: ou Yobaa estava muito pirado e começou a ouvir objetos inanimados, ou aquele trono realmente não era apenas uma pedra entalhada em forma de assento real.
Qualquer outra pessoa ficaria com apenas a primeira certeza, mas eu havia recebido um poder totalmente estranho de um fóssil falante no fundo de uma falha geográfica que partia um continente ao meio, não era da minha alçada julgar com quem as pessoas falavam em seu tempo livre.
— O trono falou com você? — Shiduu segurou um risinho de deboche.
— Acham que eu estou louco!? — Yobaa levantou o tom da voz — Vocês todos vão ver quando eu sentar ali e obtiver o poder de governar o Reino do Leste! Todos vão se ajoelhar e…
— ENTÃO SENTA! — gritei.
Alguns pares de olhos se viraram para mim.
— Que foi? Se o problema todo é a merda de uma cadeira de pedra, é só sentar lá e veremos se ele está ou não louco.
— Não é bem assim, — disse Shiduu, — o trono é o símbolo de poder do reino…
— Foda-se! — reclamei — Sou de um lugar onde existe democracia, símbolos de poder são piada no meu mundo! Poder é poder, não precisa da merda de um símbolo. É só ele sentar e saberemos se o trono escolheu ou não nosso irmão pirado como governante.
Minha indignação deixou até mesmo Yobaa sem reação.
— Vai lá! Senta! — Apontei para o trono de pedra — Aproveita e coloca essa coroa. Se não acontecer nada, não diremos a ninguém o que aconteceu aqui. Faz a merda que quiser, mas pelo amor de todos os deuses, pare de me culpar pelas cagadas que os outros fizeram!
Então aconteceu uma coisa que eu achei ter deixado no passado: Um apagão onde meu corpo pareceu se mover sozinho. Mais rápido do que eu pude perceber, me vi agarrando o pescoço de Yobaa e praticamente voando junto com ele até o trono.
Arremessei Yobaa com tanta força no assento do trono, que a coroa de pedra caiu e rolou pelo chão. Enquanto segurava seu pescoço com a mão esquerda, arremessei meu braço direito preso a um fio de Rancor para buscar a coroa.
Encarei o rosto de Miraa, Shiduu e Renee, enquanto dizia com uma voz que não parecia em nada com a minha:
— Todos saúdem Yobaa, o escolhido do trono de pedra!
Em seguida pus a coroa em sua cabeça.
Somente após isso, Miraa se levantou e caminhou em nossa direção. Sua expressão, diferente do que eu podia esperar, não era de raiva ou espanto, mas pura tristeza. Havia lágrimas em seus olhos e um tremor em seus lábios. Não parecia nada com a mulher forte que costumávamos chamar de mãe.
— Então é assim que termina? — Sua voz se mantinha firme em meio ao choro triste.
Ela passou por mim e pegou a mão de Yobaa. Quando me virei, percebi que nada estava certo, a começar por eu ter me movido e falado contra a minha vontade, e agora o corpo de Yobaa estava mudando de cor.
— Eu tentei te proteger do desejo do trono, mas o poder dele é mais forte! — Miraa continuou falando com Yobaa, que agora possuía uma expressão congelada no rosto— Nem mesmo seus irmãos foram capazes de impedir…
Yobaa estava se transformando em pedra, não como a do trono, que era escura. Ele estava ficando claro como porcelana, e rachaduras começaram a aparecer por todo seu corpo, até que os membros se soltassem e fossem transformados em pó.
Miraa se manteve em silêncio por muitos minutos, encarando a coroa de pedra sobre a poeira branca do que um dia foi Yobaa, o primeiro de seus filhos. Imaginei a dor que ela estava sentindo naquele momento.
Após o que pareceu uma eternidade, ela se virou para Renee, aparentemente me ignorando, e disse em um tom quase inaudível:
— Traga os outros, temos que terminar a reunião de família!