33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 214
Mito da Criação – parte 4
DE HAROLDO E MARIA JULIA
Já se imaginou acordando em um lugar completamente desconhecido? Um mundo sem telefone, energia elétrica ou Internet, onde magia é usada em vez dos avanços tecnológicos que você conhece e a penicilina nunca foi descoberta?
Agora imagine, além de acordar nesse mundo medieval, descobrir que seu melhor amigo é, na verdade, um deus que te trouxe contra a sua vontade, e que toda a sua vida desde que o conheceu foi manipulada para chegar nesse momento.
E mais ainda, sua esposa e seus dois filhos ficaram para trás, e você nem sabe se estão vivos.
Essa era a nova vida de Haroldo.
De início, o mais estranho para ele foi conseguir entender porque todos falavam a mesma língua, como se todos nesse outro mundo falassem português. O que não fazia sentido por se tratar de um outro mundo.
Depois descobriu que na verdade havia uma magia antiga que permitia que línguas diferentes fossem traduzidas para quem estivesse ouvindo.
Realmente, uma magia útil.
Depois teve o lance da magia. Haroldo não estava muito acostumado com um mundo mágico. Mesmo assim, não foi difícil se adaptar.
Ele era um amante de livros de fantasia e jogava RPG de mesa com seus amigos desde o ensino médio, então tinha um conhecimento básico de mundo fantástico.
Não era o suficiente para ser um cheater, mas o impedia de enlouquecer com a informação. O que já era suficiente.
Mas as coisas não paravam de piorar, e Haroldo descobriu que seu melhor amigo/deus da sabedoria foi capturado e preso em um lugar inalcançável para humanos.
E diferente das novels que estava acostumado a ler, ele não recebeu nenhum tipo de poder apelão ou espada mágica que o tornasse invencível.
Isso não o impediu de lutar para sobreviver. E por três anos, Haroldo vagou por aquele continente, fazendo conexões com pessoas e acumulando conhecimento, até chegar no Reino de Pedra.
Onde qualquer outra pessoa poderia ver o mais fraco dos sete reinos, Haroldo enxergou o potencial para sobreviver. Assim, usou seu conhecimento para ajudar a desenvolver certas áreas, como agricultura e comércio.
Vendo que havia uma limitação na topografia para a aptidão agrícola, Haroldo sugeriu que o reino aproveitasse uma parte da planície ao leste do continente, onde havia ocorrido batalhas entre os deuses, e por isso, não era uma região muito fértil.
Utilizando técnicas de produção de adubo à base de rochas moídas e compostagem de esterco animal, ele provou que era possível recuperar a fertilidade de toda aquela região desértica. Que logo se tornou uma referência na produção de alimentos.
Haroldo ficou famoso.
Com o sucesso na fertilidade do leste, a maioria da população se mudou, e não demorou muito para que o pequeno Reino de Pedra, o menor dos sete reinos, se tornasse um dos maiores e mais ricos.
Também não tardaram em mudar a capital do reino, literalmente levando as pedras do castelo e fazendo um novo no meio da planície. Com as que sobraram, amontoaram por cima da fortaleza, criando assim uma espécie de montanha artificial.
Haroldo a chamou de “Montanha Solitária”, uma referência ao seu livro favorito, uma história de aventuras sobre Hobbits, que ele costumava ler para seus filhos.
No meio de toda aquela loucura que era estar em outro mundo, se apegar às boas lembranças da família que ficou para trás era uma forma de não sucumbir.
E a idade começou a chegar.
Haroldo não era o mesmo jovem de quando chegou ao outro mundo. Seu corpo envelheceu, mas ganhou músculos, além das habilidades de luta que ele aprendeu.
Mesmo assim, sabia que a velhice lhe alcançaria um dia. A não ser que ele fizesse como os deuses e roubasse a imortalidade, pelo menos por tempo suficiente para voltar para casa.
E assim ele fez.
O deus da sabedoria tinha lhe revelado os segredos da magia, e até mesmo a imortalidade. Haroldo só precisava encontrar o receptáculo onde a essência da vida estava mantida.
Aos poucos, se aproximou de alguns dos deuses, lhes oferecendo conhecimento de outro mundo e vinho do bom. Até que, em uma conversa qualquer, lhe revelassem que a imortalidade estava guardada em uma torre enterrada no meio do deserto gelado do Reino do Sul.
O próximo passo foi colocar os deuses uns contra os outros mais uma vez, o que não foi difícil. E, enquanto eles brigavam entre si, Haroldo encontrou o local e roubou a imortalidade para si.
Aquele mesmo pecado que os deuses cometeram. Desejar a vida eterna…
Mas não. Haroldo queria apenas tempo para encontrar uma forma de voltar para casa. Nem que encontrasse seus filhos grisalhos, ainda valeria à pena.
O próximo passo era se livrar dos deuses, e para isso ele teve ajuda. Descobrir em uma mesa de bar, dos próprios deuses embriagados, que dois deles estavam em um relacionamento romântico, soava bonito, mas não era.
A maioria era contra o amor entre os deuses do sol e do tempo. Um filho do vazio e um ex-ladrão. Isso manchava seus postos de deuses.
E como não tem nada que uma boa fofoca não faça, Haroldo usou isso para fazer o deus do tempo conseguir algumas das relíquias divinas para si, o que fez os demais agirem e prenderem ele sob uma colina, onde guardava seus tesouros do tempo de ladrão.
Uma magia capaz de prender os deuses. Exatamente o que Haroldo mais precisava. E juntamente com mais alguns barris de vinho, música alta e mercenários do norte, os deuses, quase todos, foram lançados no vazio da existência.
O deus guardião conseguiu escapar por causa da armadura de prata que anulou a maior parte da magia, mesmo assim, seus poderes foram retirados, só lhe sobrando a imortalidade.
Quanto aos que foram presos, as únicas formas deles saírem eram se libertassem todos presos no véu da existência que separa os mundos ou se eles conseguissem passar suas almas para novos corpos, o que não era tão fácil.
E por alguns séculos o mundo teve paz. Ou pelo menos acharam que tinha. Até uma adolescente aparecer do nada, no meio das planícies do Leste, dizendo se chamar Maria Júlia e ser filha de Haroldo.
Naquele dia, Haroldo compreendeu que o tempo passava de forma diferente em cada mundo, e que havia uma grande chance dos deuses usarem isso para trazer pessoas do seu mundo original para roubarem os corpos.
Havia uma falha no tecido do universo, agora seria questão de tempo para que ela expandisse e levasse todo aquele mundo ao colapso.
Haroldo, que até então só queria voltar para casa, decidiu que era o único que poderia salvar todos, para isso escolheu alguns aprendizes, entre eles sua filha, que mudou o nome para Miraa, um anagrama de Maria, e Long-Hua, um jovem promissor do Reino do Sul.
Por mais quarenta anos ele viajou por aquele continente, movendo as engrenagens do mundo de acordo com seu plano, causando conflitos e fazendo alianças entre diferentes povos.
Até que um dia, enquanto estava na Cidade de Prata, o céu escureceu, e um forte brilho podia ser avistado por todos na direção dos prados distantes.
Não demorou muito até que chegasse a notícia de que havia crianças com roupas estranhas caídas no chão naquela direção.
—São os nossos heróis prometidos! — exclamou o Cavaleiro de Prata, o braço direito do rei — A profecia dos deuses se cumpriu, chegaram aqueles que vão nos salvar!