33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 215
Mito da Criação – parte 5
DA ESCOLHA DOS HERÓIS
Os deuses estavam carregados de ódio. O poder que usaram para prender o Guardião do Mundo foi usado contra eles da mesma forma.
Não só isso. Eles foram enganados por um mero mortal de outro mundo. Isso abalou suas dignidades. Em sua arrogância, eles perderam para quem consideravam inferior.
E agora, quem respeitaria deuses que se deixam embriagar e cair em uma armadilha tão simplória e previsível, tal qual um coelho cai em um laço de caçador?
Jafah foi o único deles que teve a sorte de ficar livre, graças à proteção da armadura de prata, mas seus poderes foram privados e utilizados para completar a magia que manteve os demais fora da realidade.
Tudo culpa daquele Haroldo. O humano mais desprezível que já existiu. Porque não conheciam o filho dele, André, que só chegaria naquele mundo, séculos à frente.
Como sempre, subestimando a humanidade, e se achando superiores por terem esquecidos que eram apenas humanos com poderes, os deuses planejaram uma forma de encontrar a liberdade.
Mesmo em exílio, eles conseguiram se comunicar entre si. E Jafah, por mais que não conseguisse falar com eles, podia ouvi-los.
Então tiveram a ideia de passarem suas almas para corpos novos, roubando esses de humanos jovens e com potencial de receberem os poderes dos deuses.
Como o acesso ao seu mundo estava bloqueado, eles usaram uma brecha no tecido da realidade, amarrando dois mundos em uma mesma linha do tempo, o que praticamente os esgotou.
Através da brecha um fio prendia um humano entre duas realidades, e a este usaram de âncora. Buscando cada um dos deuses alguém que possuísse a mesma característica temporal, ou seja, idade, que aquele que serviu de âncora.
Por causa disso, todos os escolhidos estavam na faixa etária de 12 anos, nem um ano a mais ou a menos.
Dentre os possíveis candidatos, cada deus escolheu o que o mais agradou. Como o deus da guerra, que escolheu o que possuía o espírito mais selvagem.
A deusa do espaço escolheu aquela que era mais livre e desapegada, e assim por diante. Até mesmo Jafah escolheu um, mas não que se caracterizasse em relação ao poder, e sim o mais manipulável.
Cada deus deu a seu escolhido uma pequena fração dos seus poderes para que seus corpos fossem se adaptando. E assim que chegassem à idade adulta, roubariam seus corpos.
O objetivo do primeiro dos deuses era, única e exclusivamente, ter um aprendiz manipulado para passar a perna nos demais deuses. Ele sempre se achou especial por ter sido o primeiro, e agora era o único deus entre os humanos, mesmo que precisasse esconder sua existência.
Mas a persona do Cavaleiro de Prata era perfeita para executar seu plano. Assim, Jafah espalhou o boato de uma profecia que falava sobre a chegada dos heróis, e quando esta se mostrou real, sua reputação cresceu e ele se tornou o braço direito do Rei de Prata, com direito a treinar os heróis.
Mas no meio da invocação dos jovens sacrifícios, ditos heróis, alguma coisa deu muito errado e veio uma criança a mais.
Justamente a pessoa que mantinha a âncora entre os mundos, que deveria ter morrido por manter um poder forte para os outros 32 atravessarem o tecido da realidade.
E ali estava o jovem entre os demais. Sem memórias, mas com aquele sorriso que incomodava demais a alma de Jafah, como se ele odiasse o garoto apenas por ele existir.
Talvez fosse porque lembrava a expressão de Haroldo, o maior rival de Jafah ao longo dos seus séculos de vida, ou talvez fosse por ser um sobrevivente.
Mas o garoto foi abandonado até pelos outros herói, deixado com os órfãos da cidade, não poderia atrapalhar de nenhuma forma.
Então, por que Jafah continuava com aquela sensação esquisita? Seria porque no meio da alegria de ver o plano dando certo, ele teria esquecido que Haroldo e a filha passaram entre os mundo, fazendo com que houvesse uma grande possibilidade daquele garoto ser o filho mais novo do humano horrível?
Os séculos de vida deixaram Jafah acomodado? Possivelmente. Mas ele não daria mole uma segunda vez.
O garoto precisava morrer.
Se ainda estava com os órfãos, conforme os guardas da cidade afirmaram, Haroldo não sabia que seu filho estava naquele mundo também.
Mandar matá-lo era fácil e rápido, mas poderia chamar a atenção de Haroldo, o que seria um problema indesejado.
A melhor ideia era pôr um herói para fazer isso. E quem seria melhor que seu escolhido, o bobão que cumpria cegamente suas ordens. Jonas faria de bom grado, e Jafah ainda faria parecer que a ideia foi do herói.
Na teoria, não havia falha nenhuma no plano. Jonas mataria André, Jafah continuaria como tutor dos heróis, no tempo certo os deuses trocariam suas almas de lugar com os heróis e Jafah aproveitaria que estariam fracos para roubar seus poderes assim como fizeram para roubar a imortalidade do Guardião do Mundo.
Só havia um ponto que Jafah deixou passar: Haroldo sabia desde o começo que seu filho havia chegado com os heróis, mas deixou ele com os órfãos para protegê-lo.
Haroldo e Maria Julia, sob o nome de Miraa, estavam no castelo naquela noite e viram o que aconteceu. E a Senhora do Leste seguiu os guardas para resgatar André.
A partir disso, as coisas só desandaram para Jafah. Mas o resto é história…