33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 217
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Quinquagésima Segunda Página do Diário
Partimos ao amanhecer. Quatro pessoas em uma carroça puxada por dois cavalos, e suprimentos o suficiente para duas semanas de viagem.
Jairo guiava a carroça segurando as rédeas dos animais e garantindo que eles mantivessem o trajeto, enquanto Brogo agia como sua copiloto, atenta aos arredores. Udoo e eu ficamos na parte de trás, esperando o momento de revezar.
Nosso destino era o Reino do Sul, encravado entre o deserto, a floresta e o oceano. Um dos lugares mais difíceis de acessar em todo aquele continente.
Se o Leste contava com a Grande Falha o separando do resto dos reinos ao oeste, uma cadeia de montanhas ao norte e o deserto rochoso ao sul, o Reino do sul possuía uma Floresta Sagrada e um Deserto Gelado o separando do continente e um mar contornando o restante.
Sem contar que os povos do sul foram os primeiros a dominar as técnicas de navegação e pesca. Além do Reino do Sul, somente o Reino de Cristal possuía uma força militar marítima, ambas para protegerem seus respectivos reinos de piratas.
E sim, haviam piratas. Fiquei surpreso quando Udoo contou, mas ele também explicou que eram em partes, criminosos da própria marinha ou ex-pescadores que buscavam no crime uma forma de viver diferente dos demais.
Acho que eu conseguia entender um pouco do ponto de vista deles. A maioria das pessoas só queriam ser livres para fazer o que quisessem.
No fundo, cada ser humano buscava ser livre. Mas a liberdade é apenas um conceito, não existe realmente. Na verdade, a única liberdade é o pensamento, no resto, somos escravos dos nossos desejos e das expectativas das pessoas a quem julgamos importantes.
E como eu estava preso a um destino amaldiçoado, faria o possível para amenizar a dor de outras pessoas. Lutaria contra a profecia que falava dos heróis.
Eu traria a revolução para esse mundo, mas agora usando a cabeça. Precisava encontrar meu pai, Haroldo, para convencê-lo a lutar do meu lado. Isso se ele lembrasse de mim como seu filho.
Também convenceria esse tal Long-Hua a se aliar ao Leste. E para isso usaria as ferramentas que fossem necessárias, começando pelo nome de Miraa.
Para isso, precisava saber o máximo sobre ele. Entendi então o motivo de Udoo estar ali, ele possuía conhecimento sobre tudo e todos, seria a pessoa perfeita para me ensinar o que eu precisava saber
Comecei perguntando sobre a estrutura de poder do Reino do Sul, suas principais lideranças e sistema socioeconômico. Meses atrás eu nem sabia que essas coisas eram importantes, agora, depois de muito estudar, reconhecia que eram fundamentais para a política e relações públicas.
Pelo que Udoo explicou, os povos da floresta, do deserto e do mar escolhiam um representante cada, e os três escolhidos formavam uma espécie de poder partilhado, onde as decisões eram em comum acordo.
Realmente uma forma de governo diferente das demais. O poder do Sul não era hereditário, assim como no Leste, os governantes eram escolhidos entre os mais preparados. Mas não havia um rei, e sim uma junta governativa.
Em relação à economia, o Sul era um dos reinos mais fechados ao comércio externo, sendo praticamente autossuficiente. As poucas relações de comércio exterior eram realizadas pelo povo do deserto, que levava produtos do oceano até o Leste e o Reino de Prata por rotas que só eles conheciam em meio às dunas e o vento frio.
Então chegou a nossa vez de guiar a carroça. Udoo pegou as rédeas e eu fiquei de olho nos arredores. Por mais que ainda estivéssemos no território do Leste, manter o cuidado era importante. Achei melhor não incomodar Udoo com mais perguntas enquanto ele dirigia.
Repassei mentalmente as informações que havia recebido, só para garantir que não esqueceria. Enquanto isso, Brogo parecia dormir e Jairo assobiava uma canção folclórica animada.
E pensar que aqueles dois haviam passado por tanta coisa. Ambos foram escravizados, e quando receberam a liberdade, escolheram lutar ao meu lado pela causa de outros injustiçados.
No fundo eu tinha a sensação de que estava pedindo demais a eles. Por mais que eles houvessem se oferecido de bom grado. Eu havia encontrado Brogo no calabouço de um maníaco metido com tráfico humano e salvado Jairo de ser queimado vivo, mesmo assim não sentia que eles me devessem absolutamente nada.
Tudo que fiz foi por puro egoísmo e desejo próprio de mudar o mundo seguindo a minha própria maneira de pensar e agir. E se eu não era favorável à escravidão, lutaria contra com todas as minhas forças.
Da mesma forma como daria meu melhor para proteger o Reino do Leste na guerra que se aproximava. E para isso eu estava disposto a fazer alianças, enfrentar burocracia política, viagens intermináveis e, se preciso, entrar em batalha contra quem quer que fosse.
Não deixaria nada de ruim acontecer com o lugar que me acolheu.
Garantindo que os arredores estavam seguros, olhei para a parte de trás da carroça. Brogo agora estava acordada, e Jairo era quem parecia cochilar um pouco. Aquele era um dos poucos momentos onde a garota misteriosa se permitia ficar sem máscara.
Apesar de ser a mais velha dos quatro que estavam na carroça, Brogo aparentava ser apenas uma garotinha de 8 anos, inclusive agia como tal. Aparentemente ela podia controlar o envelhecimento do seu corpo e achava que um corpo menor era mais ágil.
A máscara de madeira que deixava apenas os olhos descobertos era uma forma de esconder sua aparência. E junto com a capa longa e o capuz, não sobrava muito o que ver nela. Sua arma era o chicote negro, que pertenceu ao seu torturador até eu matá-lo.
Jairo, por sua vez, tem uma aparência tão comum que poderia se passar por um camponês tranquilamente, se não fosse pelo par de cimitarras que carregava consigo.
Seus cabelos estavam mais longos do que quando o encontrei pela primeira vez, mas não mais arrumados. Agora chegavam aos ombros e pareciam um ninho de andorinhas do vale.
Parecia se sentir mais à vontade com roupas de aparência desgastada. Usava botas surradas, feitas de sola batida, uma técnica que fazia o couro ficar mais resistente, só que acabava com a estética do produto.
Eu também gostava desse tipo de botas, principalmente pela durabilidade. E não podia falar muito dos cabelos dele…
Percebi que havíamos viajado um dia inteiro. O vento frio sacudia a crina dos cavalos, que aos poucos reduziam o ritmo devido ao cansaço. Estávamos chegando à cidade mais ao sul do Reino do Leste: Orix.
Ali dormimos e trocamos os animais que puxavam a carroça. Pegamos o que havia de informações e partimos em direção à fronteira.