33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 219
- Início
- 33: Depois de Salvarem um Mundo
- Capítulo 219 - Quinquagésima Quarta Página do Diário
Quinquagésima Quarta Página do Diário
A escadaria do Templo da Floresta entraria facilmente na minha lista de coisas mais incríveis que já vi desde que cheguei nesse mundo.
Uma sequência de degraus perfeitamente construídos com o mesmo tamanho, parecendo terem brotado naturalmente do caule da árvore que circundava o templo.
A árvore, por falar nisso, era de longe a maior que já vi em toda a minha vida. Doía o pescoço de tanto que olhei para cima tentando ter uma dimensão do seu tamanho.
E escavado em seu tronco gigantesco e lenhoso, um templo que homenageava a natureza e coexistia em plena harmonia com os elementos da floresta. Tal qual os elfos das histórias que meu pai costumava ler para mim.
Quando chegamos ao topo da escadaria, avistei a entrada sem portas, como um oco gigante e semicircular, permitindo a entrada e saída de centenas de pessoas.
Andei ao lado de Udoo, com cuidado para não fazer nada que ele não fizesse. Brogo e Jairo vinham logo atrás, com movimentos tão robóticos fazendo parecer que esqueceram como andar.
Então eu vi algo familiar: uma semente tão grande quanto um ovo de avestruz, ou talvez maior. Era marrom e coberta de escamas que pareciam de madeira. Vendo assim de longe, lembrava uma noz gigante.
Por um segundo imaginei um esquilo pré-histórico causando a deriva continental com aquilo.
Eu lembrava muito bem daquela coisa, de quando fui ao Reino de Prata em missão secreta para invadir a festa de dois anos da chegada dos heróis e criar uma distração para Surii roubá-la.
Aquela era a Semente da Mãe Terra, dito ser um artefato criado pela própria deusa da floresta e que continha poderes capazes de afetar toda a flora de uma determinada região.
O que explicava o motivo de estar sobre um altar decorado em ouro e rubis dentro do Templo da Floresta. E ainda ser guardada por Eduardo, o herói que possuía poderes sobre as plantas. Aquele cara deveria ser invencível naquele lugar.
Ainda bem que eu não fui lá para brigar.
Eduardo ficou surpreso ao me ver, mas não de uma forma ruim. Mesmo que não fôssemos amigos, não tínhamos motivos para sermos inimigos. Acho que essa relação de neutralidade foi o que o fez vir me cumprimentar.
— Bem-vindo ao Templo da Floresta, André. — Eduardo me ofereceu um aperto de mão, que eu retribuí.
— Obrigado, — Sorri com sinceridade — mesmo que faça sentido te encontrar aqui, ainda é uma surpresa.
— Não tem um bom histórico de encontros com heróis, não é?
— A maioria dos que encontrei tentou me matar.
— Não tem porque se preocupar com isso aqui, desde que não faça nada estúpido. — Ele sussurrou como se contasse um segredo — Mas o povo da floresta é pacífico, aqui a escravidão é proibida há meio século e não há mandado de busca para você.
— Coisa rara de ouvir fora do Reino do Leste.
Eduardo riu com sinceridade. Depois convidou a mim, Brogo e Jairo para assistir a cerimônia que haveria. Udoo já conhecia o funcionamento, então seguiu uma fila de pessoas em direção a uma espécie de bacia cheia de água. Enquanto nós três seguimos o herói vegetal para uma espécie de camarote.
Lá dentro estava uma jovem com um longo vestido verde-claro decorado em ouro e pedras preciosas entalhadas para imitar folhas e flores, como se a garota fosse uma árvore ambulante.
Deu para perceber que era do sexo feminino pela voz, mas o corpo inteiro esrava coberto, inclusive o rosto, onde pendia uma véu translúcido que minimamente permitia ver o contorno da face.
— Esta é Van-Nee, — Eduardo apresentou a jovem — ela é a sacerdotisa do templo.
— É um prazer recebê-los, caros vizinhos de reino. — Van-Nee fez uma leve reverência — Em nome do Reino do Sul, eu lhes dou as boas vindas!
Agradeci e apresentei a mim e meus amigos, aproveitando a ocasião para elogiar a beleza daquele lugar e ressaltar o quanto fiquei surpreso pela forma como eles conviviam em paz com a natureza.
Como era nosso primeiro momento e aquela era uma ocasião religiosa, mesmo que não seguisse nenhuma religião, optei por não trazer nenhum assunto político. Desde que causasse uma impressão boa o suficiente, teríamos uma outra oportunidade.
Quando Van-Nee pediu licença e se retirou para dar início à cerimônia, Eduardo nos levou ao átrio de onde assistimos todo o ritual. Foi bem complexo de entender, mas as cores e as músicas foram lindas.
Ao final, aproveitei para tentar obter informações de Eduardo. Começando por Van-Nee, e sobre a árvore gigante que estávamos dentro, além da semente gigante que era adorada e idolatrada por centenas de pessoas que pareciam esperar um milagre vindo daquela coisa.
— A Semente da Mãe Terra é a coisa mais sagrada desse povo, e somos gratos ao Leste por ter nos devolvido. — Eduardo sorriu — Mas somos um povo pacífico, como já falei, então os métodos que você usou para obtê-la foram bem desonrados, então meio que uma coisa anula a outra.
— Não ligo se não gostam do meu jeito de fazer as coisas, o importante é ter feito a coisa certa. — retruquei.
— Long-Hua também diria isso.
— Quem?
— Long-Hua, um dos três governantes do Sul, junto com Zang-Nee e Ange-Lin ele governa. Representantes do Deserto, da Floresta e do Mar.
— Ah sim! Já ouvi falar nisso, quando o reino foi unificado, em vez de escolher um rei, cada um dos três povos escolheu um governante e estes decidem tudo em acordo. — Eu havia estudado isso, mas não lembrava os nomes dos governantes.
— Isso mesmo. Os três se tornam irmãos de juramento. Dedicam então suas vidas ao reino. Zang-Nee, inclusive, é o pai de Van-Nee, por isso ela é a sacerdotisa, assim os três não terão linhagem futura para querer usurpar o Trono de Madeira.
— É bem diferente dos outros reinos mesmo! — Exclamei com sinceridade.
— Inclusive, — Eduardo olhou para a escadaria — um deles está vindo ali.
Vi um homem alto e musculoso, sua pele era escura como se tivesse passado anos da sua vida sob o sol. A túnica que vestia combinava as cores pálidas da areia com o azul do mar e o verde-marrom da floresta. Em sua cabeça havia um turbante, como eu só tinha visto em filmes infantis sobre gênios azuis. Mas a expressão calma e gentil mostrava que ele não estava impressionado com a beleza do lugar.
Foi aí que lembrei de onde conhecia o nome de Long-Hua. Ele estava na festa de dois anos dos heróis, quando roubei a semente. Era aquele mesmo homem que estava fazendo um discurso sobre a importância da manutenção da paz.
Por uma fração de segundo ele me lembrou Haroldo, meu pai. E por outra fração de segundo, tive a impressão que ele havia me encarado.
Não era possível.
Eu não podia ter tanto azar assim.
Ou podia?