33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 220
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- Capítulo 220 - Quinquagésima Quinta Página do Diário
Quinquagésima Quinta Página do Diário
A cerimônia religiosa do Templo da Floresta foi uma das coisas mais bonitas que já assisti em toda a minha vida. Já que não existia uma religião oficial no Leste, não havia cerimônias naquele nível de grandiosidade.
O maior evento do Leste era o festival de ano novo, quando fazíamos fogueiras que iluminavam tudo por cinco noites. Era uma espécie de agradecimento ao sol e sua luz, se bem que existe um deus do sol, então podemos dizer que ele é homenageado junto.
Mesmo assim, não tira o mérito da beleza e organização do que vi no Templo da Floresta. O sentimento foi completamente diferente, como uma calmaria que abranda o coração, enquanto o festival do sol era mais alegre e nos enchia de energia para um ano novo.
Duas celebrações diferentes, com significados diferentes e energias diferentes. Algum significado aquilo estava me dando e eu não conseguia identificar com absoluta clareza.
Talvez ver as coisas sob diferentes pontos de vista, ou ver coisas diferentes sob diferentes pontos de vista. Eu sabia que estava perto de alcançar uma nova percepção, mas não conseguia encontrar o caminho.
Ainda teria muito o que pensar antes de dormir.
Como sempre, meus pensamentos foram interrompidos. Dessa vez por uma mão pesada que segurou meu ombro com a força de um caminhão lotado de cimento.
— Então você é filho mais novo de Miraa? — disse uma voz grave, acompanhando a direção da mão.
Aparentemente Long-Hua me reconheceu desde que chegou no templo e fez questão de vir me cumprimentar pessoalmente. Não era o tipo de cortesia que eu valorizava, principalmente vindo de alguém do tamanho dele.
E não falo apenas da posição política que ocupava no Reino do Sul, mas que o cara era literalmente grande e forte. Com um par de braços daqueles, ele poderia me deixar surdo em dois tapas.
— Senhor Long-Hua! — Eduardo cumprimentou o governante com uma reverência — Seja bem-vindo ao Templo da Floresta mais uma vez.
— Muito obrigado, Eduardo. Eu acabei de chegar na cidade, e quando soube que temos visitas vim apressado para cumprimentá-los.
Visitas? Ele estava falando de mim e meus companheiros, com toda certeza. Deveria ter conhecer os problemas que causei em minhas aventuras e veio garantir que não aconteceria o mesmo em suas terras.
Decidi mostrar que não estava ali para causar problemas, até porque o intuito da viagem era um acordo de amizade entre os dois reinos. Inclusive, Long-Hua era justamente a pessoa com quem eu queria falar, mas nunca esperei que ele viesse até mim tão rápido.
Para ser bem sincero, não estava acostumado com as coisas acontecendo a meu favor. Na maioria das vezes as coisas costumavam dar errado, muito errado mesmo.
— Devo dizer que a nossa recepção foi bem melhor aqui do que em qualquer outro lugar que já fui fora do Reino do Leste. — comentei despretensiosamente.
— Acho que você também seria bem recebido no Reino de Cristal. — Long-Hua falou enquanto sentava, sem desviar o olhar da cerimônia que parecia estar chegando ao fim — Segundo informações, uma antiga colega sua, órfã da Cidade de Prata, é integrante da Guarda da Princesa.
— Ametista! — Não havia motivo para fingir que não sabia do que ele falava — Mas chamávamos ela de Lilás nos velhos tempos.
— Pessoas que nascem com olhos e cabelos em tons de cores vívidas são especiais. — Ele deu um sorriso leve — Aposto que essa garota será alguém importante no futuro.
— Mas não é para falar dela que estamos aqui. — Arrisquei mudar de assunto — Acho que você já conhece o teor da nossa visita.
— Bem… imagino duas possibilidades, e confesso que ambas me agradariam, entretanto devo alertá-lo que não posso falar nada sobre Haroldo.
Como assim falar sobre Haroldo? Mais um milhão de peças de quebra-cabeça surgiram em minha mente. Qual a relação entre Haroldo, Long-Hua e Miraa?
Haroldo havia treinado Miraa, então isso significa que ela e Long-Hua foram alunos do meu pai? Ok. Mas porque Long-Hua me avisou logo que não falaria de Haroldo? Só se ele estivesse me dando uma dica para investigar mais a fundo.
— Não estou aqui por Haroldo, essa é uma viagem em nome do Reino do Leste e não de cunho pessoal. — Tentei soar o mais natural possível.
— Então já deve desconfiar que nosso encontro aqui não foi coincidência.
— Imaginei que não fosse
— Amanhã, Zang-Nee estará por aqui, — explicou Long-Hua — será uma boa oportunidade para conversarmos. Hoje é uma noite festiva, não é o melhor momento para discutir política e guerra, e sim um momento de paz e felicidade.
— Concordo.
— Então ficamos combinados! — Ele levantou-se e segurou meu ombro mais uma vez — Por hoje, aproveitem a festa, comam, bebam e dancem! Nem só de batalhas vive o guerreiro, era o que dizia meu mestre…
Não consegui disfarçar a curiosidade, minha expressão facial me denunciou, com toda certeza.
— Seu pai me ensinou praticamente tudo o que eu sei! — Ele disse, já saindo do camarote e me deixando pensativo.
Afinal, Long-Hua sabia que Haroldo e eu somos pai e filho. Mas algo o impede de me falar mais a respeito. O próprio Haroldo, meu pai, agiu como se nem me conhecesse quando me salvou do Cavaleiro de Prata.
Obviamente ele fez isso para me proteger, é a única explicação viável. E com a quantidade de inimigos que meu pai deve ter feito nos últimos quatrocentos anos, eu prefiro manter a nossa relação familiar o mais secreta possível.
Com o fim da cerimônia, Eduardo nos guiou de volta ao salão onde nos despedimos e fomos atrás de Udoo. Encontrei meu irmão explorador bebendo e rindo com uns caras que ele deveria nem conhecer.
Cada um de nós recebeu uma caneca que foi enchida e esvaziada uma dúzia de vezes até que eu desistisse de beber e fosse dormir. Só para constar, homens podem beber a partir dos quinze anos, que é a idade que marca a maioridade.
Aquele lance de expectativa de vida curta, lembra?
No outro dia acordei com a sensação de que havia esquecido algumas coisas devido ao álcool. Sem falar da dor da cabeça e a sede que nenhuma quantidade de água conseguia matar.
Fui ao quarto de Brogo, que encontrei dormindo no chão, pelada e na sua forma adulta. Entendi porque ela não gostava de ficar daquele jeito, digo, seria difícil se movimentar com tanto volume frontal, se é que me entendem.
Após acordá-la e ir atrás de Jairo, que já estava se arrumando, apesar da cara de defunto mal embalsamado, encontramos Udoo na saída da estalagem, como se a noite tivesse sido calma e repleta de paz.
Ouvi Brogo xingar baixinho.
Fomos então ao Palácio do Angelim, um prédio escavado em uma árvore menor e mais fina, mesmo assim dava para comparar com um prédio de quinze andares pelo menos.
Ali era a sede do governo local. Aonde o povo da floresta ia para resolver as suas burocracias governamentais. E onde Zang-Nee, pai de Van-Nee estaria nos esperando junto com Long-Hua.
Ao chegar, fomos informados que iríamos ao último andar para a reunião, e para isso teríamos que esperar o elevador. Enquanto ficamos deslumbrados com a riqueza de detalhes esculpidos em madeira viva, reconheci uma pessoa que passava pelo saguão.
Era Van-Nee.
Pela educação e formalidades políticas, já que estávamos em missão diplomática para falar com o pai dela, achei que seria de bom grado cumprimentá-la.
Só não esperava ser barrado por um velho amigo. Leonardo, que estava fazendo a segurança dela, se pôs à minha frente com aqueles olhos azuis elétricos.
— Você não é bem-vindo aqui!
Por que esses problemas sempre me procuram?