33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 224
Cartas perdidas – parte 4
DE LEONARDO PARA VAN-NEE
Oi, meu amor.
Estou morrendo de saudades de você.
Os dias de guerras estão sendo bem diferentes das canções e do que parecem nas histórias que o povo conta. Não há beleza ou heroísmo em passar dias e noites atacando ou sendo atacados, muitas vezes quase sem mantimentos e vendo companheiros tombarem.
Se tem uma coisa de que me arrependo fortemente é de um dia ter acreditado que ser um herói era igual nas histórias. Não é. Eu matei pessoas, tenho sangue de inimigos nas minhas mãos e à noite pareço ouvir seus choros agonizantes.
O pior de tudo é começar a perceber que a maioria deles nem tem motivo para morrer, apenas foram obrigados a entrar nessa miséria por causa da ganância de pessoas de poder.
Mas não posso desistir agora, se eu parar os nossos inimigos invadirão e matarão muito mais. Foi um erro nosso, mas é tarde para voltar atrás. Hoje entendo que amadurecer é ser capaz de enxergar nossos erros e conviver com eles, e não ser perfeito e incapaz de errar.
Entre noites de batalhas debaixo de chuva e poucas horas de sono em meio ao risco de um ataque que pode ser o último para mim ou qualquer outro, seja dos meus companheiro ou inimigos, rezo a algum deus verdadeiro que te proteja.
Há muito desisti de acreditar nestes falsos deuses que as pessoas desse mundo cultuam. Mesmo que algum deles tenha me escolhido para herdar seus poderes, não é possível que alguém que não consegue resolver seus próprios problemas seja um deus.
Só não me entrego de vez ao niilismo porque no mundo de onde venho existe uma religião onde se cultua um deus que em vez de pedir para morrerem por ele, deu seu único filho para pregar o amor que ele sente pela sua criação.
Consegue imaginar um deus que prega amor, paz e perdão? Um deus que se fez homem e perdoou aqueles que o maltrataram e os chamou de filhos pródigos? Pois cada vez que vejo o cenário do pós-guerra de cada batalha, lembro desse deus e o peço que nos perdoe.
Também espero que você me perdoe.
Eu não queria que aquilo tivesse acontecido com o seu pai. Por mais que ele me odiasse por tomar você como esposa mesmo sendo uma sacerdotisa da Floresta Sagrada, eu nunca o odiei. Queria que ele entendesse a força do nosso amor, não que morresse daquela forma.
Não importa o quanto meus inimigos possam fazer parecer, eu não o matei. Por mais que não sejamos amigos, o André pode confirmar isso. Ele é muita coisa, mas mentiroso é uma coisa que ele jamais seria.
Nesse momento ele é a única pessoa além da fronteira em que posso confiar para te proteger. Não posso mais fazer nada por você, apenas confie no André. Apesar de tudo, ele é uma boa pessoa.
Se eu tivesse uma chance de voltar atrás, queria que ele fosse meu amigo. Quem sabe assim cometesse menos erros e não te colocaria em perigo. O que é mais uma coisinha na minha longa lista de arrependimentos.
Outro arrependimento é de querer ser uma espécie de líder. Achei que bastava querer e dar o meu melhor, no entanto, é doloroso carregar as responsabilidades pelas derrotas dos liderados. Agora entendo porque o Jonas se acovardou e ficou no castelo sob a proteção das muralhas.
Aquele miserável nunca quis ser líder, só aprimorou o poder o suficiente para se proteger quando essa porcaria de guerra começasse. No final são os covardes que sobrevivem, afinal, heróis de guerras são os que se sacrificaram em campo de batalha.
Por isso sinto que algo mudou desde essa guerra começou. Saímos soldados, voltaremos guerreiros. qualquer inocência e noção colorida de um mundo feliz ficará enterrada na lama, coberta com sangue e ossos.
Não conseguirei mais olhar para os outros e sentir que fomos escolhidos para sermos heróis, sabendo que passamos por coisas diferentes e tomamos decisões opostas. Como podem estar na segurança das cidades fortificadas quando pessoas inocentes morrem aos montes?
Não compreendo como conseguem ser fracos e inúteis a ponto de se acovardar, e mesmo assim bater no peito e afirmarem que são heróis. Ou talvez eu esteja errado em sonhar com amor e felicidade.
Não sei como ainda, mas preciso acabar com isso!
Vou dar um final nessa guerra, encerrar as batalhas e conseguir um acordo de paz, nem que eu tenha que me tornar um inimigo público de todos nesse mundo.
Ainda me amaria se todos me odiassem?
Você conseguiria me amar mesmo se eu tivesse que sacrificar tudo para proteger esse mundo de si mesmo? Sabendo que eu escolhi ser o vilão e inimigo de todos para que se unissem?
Não é muito diferente do que o André sempre fez, e pensando bem, parece que o Reino do Leste exerceu esse papel por uns quatro séculos. Talvez seja interessante conversar com algumas pessoas antes de escolher qual caminho eu vou tomar.
Que se lasque essa porcaria de profecia. Agora eu vou decidir o meu destino.
E não importa qual caminho eu tome e quanto tempo passe, eu voltarei para você e nosso bebê. Mal posso esperar para ver seu rostinho. Que ele ou ela venha com saúde e seja tão bonito(a) quanto a mãe.
Do seu esposo e herói, Leonardo.