33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 231

Quinquagésima Sexta Página do Diário

Sempre achei que tinha a habilidade de atrair problemas, mesmo quando eu estava trabalhando para evitá-los. E agora a confirmação das minhas suspeitas estava bem na minha frente, com nome e sobrenome.

Leonardo era uma espécie de liderança entre os heróis, e já havíamos tido a nossa cota de problemas. Não éramos o que se pode chamar de amigos, apesar de eu não o considerar necessariamente um inimigo.

— Preciso falar com você! — Leonardo me puxou pelo braço enquanto murmurava de canto de boca — Deixe parecer que estamos tendo uma discussão, mas preciso de um favor.

— Um favor? — Me surpreendi, mas considerei a importância de manter a minha guarda alta — Primeiro você diz que não sou bem-vindo aqui e depois vem me pedir favor!

— Eu estou pedindo o favor, mas não é por mim! — Ele explicou, gesticulando como se me ameaçasse — Tem uma pessoa que está correndo muito risco, e não posso tirar “ela” daqui em segurança…

— Ela?

— A sacerdotisa…

— Vânia, se não me engano…

— Van-Nee, — Leonardo me corrigiu, — ela está grávida. E não sei se você está a par, mas é totalmente proibido que as sacerdotisas da floresta se relacionem amorosamente.

— E o filho é seu? — Não me impedi de arquear uma sobrancelha.

— Sim. E o pai dela é um dos três Governantes do Sul…

— Você está morto! — Até senti um pouco de pena por ele — Pelo que sei dos três caras que governam o Sul, Zang-Nee não é o melhor para se bater um papo.

— Não me importo em morrer, se isso for para salvar Van-Nee e nosso bebê! — Leonardo disse com firmeza.

Senti um pouco de empatia por ele, só um pouco. O suficiente para decidir que ajudaria a pobre grávida, mas não queria Leonardo me seguindo. E eu ainda tinha uma reunião com Long-Hua e Zang-Nee em poucos minutos.

Um passo em falso e todo o trabalho para articular um pacto de não agressão entre o Leste e o Sul seria levado de água abaixo. Até suspeitei da possibilidade de ser uma armadilha dos heróis, mas para articularem algo tão bem elaborado precisaria de Felipe, e ele estava decidido a evitar a guerra comigo e Zita.

Eu confiava no cara de dreads deads nosso passeio pelas ruínas do Reino de Pedra. Ele foi de muita utilidade, e se meu pai confiava nele, eu não teria motivos para desconfiar, só me restando acreditar nas palavras de Leonardo.

— Em dois dias volto pro Leste, posso levar a sacerdotisa comigo e mantê-la em segurança. — Falei, me afastando de Leonardo. Em seguida me virei e falei em tom alto — Mas essa conversa não acabou aqui!

O sorriso rápido no rosto dele indicava que eu havia dado a resposta que ele precisava. E a minha cara fechada, mais do que uma encenação de briga com Leonardo, mostrava o meu humor no momento.

Eu não conseguia deixar uma pessoa sofrer por culpa de outra, mas agora estava por um fio de pôr tudo a perder. Segui para a reunião com os líderes do Reino do Sul, onde discutimos os termos de um acordo bilateral de não agressão e isolamento político.

Long-Hua falava bem, era muito articulado com termos e mostrou ter um vasto conhecimento geopolítico do continente inteiro. Enquanto Zang-Nee falou de posicionamentos estratégicos e exercícios militares.

Para mim, foi uma aula de estratégia e governança. E como Udoo, o meu irmão explorador, ficou em silêncio, restou a mim gastar toda a saliva que havia para ser gasta e tentar convencer os dois homens das intenções do Leste.

—… e como exposto anteriormente, possuo a garantia de pelo menos dois heróis de que podemos impedir a guerra ou procurar outros meios. Assim, com um pacto de não agressão, o Leste ficará focado em proteger as fronteiras ao oeste e norte, enquanto eu trabalho com os meus contatos e rede informações para desmantelar as operações militares dos reinos inimigos de dentro para fora, minimizando as mortes de civis e reduzindo os impactos em ambos os nossos reinos! — Eu havia finalizado a minha fala, agora era esperar o veredito dos dois homens.

Por alguns momentos eu achei que foi sacanagem de Miraa em me enviar nessa negociação. Eu não era o cara de resolver as coisas com palavras, mas confesso que foi um dos maiores aprendizados que tive.

A oportunidade de ver como dois governantes experientes em ação, a negociação para salvar Van-Nee, e a minha chance de mostrar minhas habilidades de oratória.

Meu medo era de que, ao ajudar Leonardo, atrapalhasse o Leste. Mesmo assim, mantive a postura séria e as palavras dentro do decoro mínimo de uma reunião daquele porte.

Os dois homens pediram um momento em particular para decidirem qual o melhor caminho a ser tomado, o que foi um alívio para mim. Assim que saí da sala de reunião, deixei minhas pernas tremerem à vontade, o que me impedi de fazer na presença deles.

Alguns assistentes entraram na sala com o que parecia ser lanches, desejei ter alguma coisa pra comer. Mesmo assim, preferi ir ao banheiro antes de receber a notícia se eles haviam ou não aceitado a nossa proposta. Eu sempre sentia vontade de ir ao banheiro antes de momentos importantes.

Alguns minutos se passaram e foi chamado de volta à sala de reuniões. Confesso que deu um frio na barriga maior do que quando preciso lutar arriscando a vida. Talvez porque a vida de muita gente estivesse em minhas mãos naquele momento.

Ao adentrar o local, senti a atmosfera mais pesada, bem diferente de meia hora antes, quando parecia que que os dois governantes estavam mais me ensinando do que discutindo o futuro do continente. Agora parecia que eles estavam encarando a minha alma.

Não conseguia sequer imaginar o que eles poderiam ter discutido na minha ausência. Por mais que Long-Hua não aparentasse a forma normal de sua expressão facial, Zang-Nee era o que mais parecia que queria me matar, seja lá por qual motivo fosse.

— Nós discutimos a respeito da proposta do Reino do Leste, e depois de muito ponderar sobre as implicações diretas e indiretas no Reino do Sul, chegamos ao que consideramos a melhor das decisões. — Long-Hua disse, meio forçando um tom amistoso.

— Desculpe, mas não temos tempo para palavras rebuscadas, meu irmão. — Zang Nee interrompeu com um gesto de mão — Resumindo, garoto do Leste, nós aceitamos a proposta de tudo que foi decidido aqui. O cara da burocracia aqui ao meu lado, — ele apontou para Long-Hua, — vai ficar encarregado de redigir o acordo formal e enviar para a sua mãe em breve.

— Adoro boas notícias, — disse Long-Hua, — aposto que você também.

— Agora, se me dão licença, tenho um assunto pessoal a resolver. — Zang-Nee foi em direção à porta, e parando, voltou-se a mim — Espero que não esteja contando com aquele herói loirinho, o Leonardo. Ele é um homem morto!

Imediatamente entendi o que estava acontecendo, não era de mim que eles estavam com raiva e sim de Leo. Na hora do lanche, alguém deveria ter contado a Zang-Nee da gravidez de sua filha, o que despertou seu ódio contra o herói dos raios.

Talvez aquilo até tivesse feito eles concordarem com as minhas demandas devido à pressa. Então Leonardo havia, de certa forma, me ajudado, mas eu não teria mais como ajudá-lo. Uma vez que Zang-Nee havia saído antes de mim, só o que eu podia fazer era rezar.

Ou pelo menos era o que eu achava.

— Você vai ajudar a minha sobrinha? — Perguntou Long-Hua.

— O quê? — A pergunta dele me pegou de surpresa.

— Não se faça de desentendido, eu sei de tudo.