33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 235
Sexagésima Página do Diário
Eu não vou negar que estava um pouco animado pelo início da guerra. Mesmo sendo uma parada meio hipócrita da minha parte, querer a guerra e tentar evitá-la, sentia que precisava de umas batalhas para enfrentar alguns heróis e provar a mim mesmo o quanto havia ficado forte.
Já tinha lutado com alguns deles, mas agora a situação era outra, eu queria uma batalha de vida ou morte. Não como foi quando lutei contra Anne, onde nos seguramos para evitar ferir os civis, ou quando invadi o acampamento dos heróis para ajudar Zita.
Dessa vez eu necessitava de uma luta sem intromissões ou civis, onde qualquer dano colateral fosse apenas acontecimento de guerra. Não estava nem um pouco preocupado com a minha vida, apenas queria o direito de descer a porrada em alguém.
Depois do que ouvi do meu pai, de que eu poderia ser o vencedor dessa guerra, estava muito animado em partir para a agressão física contra os heróis. Claro que nem todos, por exemplo, Zita, Felipe e Victoria eram pessoas que eu tinha uma proximidade, mesmo eles sendo heróis.
Agora, se Jonas, Kawã ou Wagner passassem na minha frente, eu arriscaria meu braço esquerdo, já que Yobaa tinha cortado o direito. E mesmo eu não sabendo como o Rancor funcionava, consegui colocar ele de volta no lugar. Ainda assim, tinha a sensação de que não tinha regenerado o corte, apenas estava sendo mantido à força no lugar.
E depois da minha luta com Yobaa, aprendi a não subestimar o oponente, não importa quem seja, e jamais baixarei minha guarda outra vez. Aquilo foi uma lição que colocarei em prática na primeira oportunidade: Mate o inimigo antes dele fazer o primeiro movimento.
Eu me deixei levar pela proximidade familiar que tinha com Yobaa, mesmo não sendo o meu irmão preferido. Agora eu estava preparado para lutar, e não importava se fosse um amigo ou conhecido que se voltasse contra mim, sempre fui bom em separar cabeças de torsos.
E fazia um bom tempo que não matava ninguém, estava até com um pouco de saudade de sentir o sangue de inimigos nas minhas mãos. Era tanto tempo que até os pesadelos tinham diminuído.
Em compensação, me parecia que o estresse estava dominando e minha alma, talvez fosse efeito do Rancor corroendo o meu corpo e me instigando ao descontrole, mas que mal teria perder o controle em uma batalha e matar geral?
Considerando sons de gritos e tilintar de metal, estava bem perto de uma batalha. Pelo que tudo indicava, Zang-Nee tinha encontrado a patrulha de fronteira do Reino de Prata.
Mas quando pus meus olhos sobre o que acontecia, o cenário era um pouco diferente do que imaginei. Não se tratava de uma patrulha apenas, e sim de um acampamento de soldados prateados.
Pelo menos uma centena de tendas estavam montadas em uma planície larga e ampla, com boa visão e distância da borda ou de qualquer obstáculo que permitissem um ataque surpresa.
Analisando rapidamente, calculei que deveria haver pelo menos duzentos e cinquenta soldados. Pelo tamanho do pelotão e a estrutura armada, estavam ali para lançar uma investida surpresa no Reino do Sul.
— O senhor sabia disso tudo? — gritei para meu pai.
— Não! Mas desconfiava.
Zang-Nee tinha levado uma dúzia de soldados, não era suficiente para bater de frente com aquele pelotão inimigo. Mesmo assim, eu duvidava que ele fosse recuar.
Então um clarão me cegou, acompanhando ele, um som ensurdecedor. Dois segundos depois, uma onda de choque fez nossos cavalos pararem de correr.
Meus sentidos ficaram atordoados, pulando do cavalo, corri em direção ao acampamento. Meu pai estava ao meu lado, acompanhando a minha velocidade.
— …tente tirar os que ainda estiverem vivos, eu seguro os de prata!
Não entendi o que ele tinha falado no começo da frase, mas compreendi que devia resgatar os soldados do Sul enquanto ele segurava os inimigos.
— O que será que foi aquela explosão? — perguntei.
— Com toda certeza, foi o Leonardo! — ele respondeu — Eu o avisei para não fazer merda…
Nesse ponto nos separamos, eu indo para oeste usaria a poeira que cobria tudo como proteção para me ocultar, ao mesmo tempo que meu pai ia pela direção do vento para chamar atenção.
Seria difícil nos aproximar sem chamar atenção devido à planície, entretanto, agora que estava tudo coberto de poeira, os soldados não tinham visão do que vinha de fora e, possivelmente, não estavam nos esperando.
Se nós que estávamos a mais de um quilômetro sentimos o impacto daquela explosão, os soldados que estavam no exato local deviam estar totalmente desorientados.
O clarão e o estrondo indicavam que algo grande aconteceu, mas não davam a exata dimensão do que eu vi. As tendas estavam em chamas, corpos espalhados e buracos escavados como se atingidos por granadas.
Andei me esgueirando entre os destroços e cadáveres em busca de soldados do Sul que houvessem sobrevivido àquilo, o que parecia muito difícil.
À frente, praticamente ao centro do acampamento, uma luz levemente azulada parecia pulsar. Também havia um chiado quase inaudível, por causa dos lamúrios dos feridos.
Conforme a poeira era carregada pelo vento, reconheci Leonardo no centro daquela luz, de pé com os olhos fechados. Ele segurava uma lança curta e brilhante, que era a fonte do chiado.
Ao redor dele, todo o chão estava queimado, as barracas reduzidas às suas armações metálicas, e os corpos a ossos carbonizados. Seja lá o que ele fez, foi bastante destrutivo.
Tentando me aproximar sem chamar atenção, senti uma mão segurar meu tornozelo. Por reflexo ataquei, parando a lança de Rancor a meio centímetro da garganta de um soldado moribundo.
— Ele… enlouqueceu… — disse o soldado, quase sem forças — Não… dev… eriam … mat… ar… zan.. in…
Mataram quem? Zanin? Não, ele queria dizer Zang-Nee! Ele mataram Zang-Nee e Leonardo perdeu o controle?
Senti a mão ficar sem forças e largar meu tornozelo, ao mesmo tempo procurei pelo governante do Sul, reconhecendo seu corpo não muito longe, sendo revelado pelo vento que limpava a poeira.
Ele morreu de pé, com vários soldados inimigos mortos ao seu redor, cravejado de lanças. Uma forma de morrer que mostrava a forma como viveu, de forma intensa até o fim.
Próximo a ele, os corpos de uma dúzia de soldados do Sul, indicando que lutaram até a morte ao lado do líder. Homens de honra, morreram como heróis de verdade. Lutando em desvantagem e sem desistir.
Corri até Leonardo, se não podia ajudar Zang-Nee e seus soldados, salvaria o herói. Apesar de achar que estava errado, senti que precisava fazer alguma coisa.
Os soldados mais longe da área onde Leonardo estava começaram a se reagrupar. Eu sabia que tinha que tirar ele dali logo. Até conseguiria bater de frente com todos eles de uma vez, no entanto, não garantia fazer isso enquanto protegia Leonardo.
Por mais brilhante que ele estivesse, dando a entender que foi a causa e o motivo daquela explosão, eu conhecia aquela forma de liberação de poder e sabia que ele estava no limite físico.
Me cobrindo com uma armadura de Rancor para me proteger das faíscas elétricas que ainda circundavam o corpo dele, peguei Leonardo e carreguei para longe do local. A esse ponto, a maioria dos sobreviventes já tinham se levantado e reagrupado, os feridos estavam sendo levados para a retaguarda.
Foi quando vi uma figura cintilante se movendo de forma a indicar uma luta no lado oposto. A armadura prateada e a capa azul-celeste indicavam que era um velho conhecido: o Cavaleiro de Prata!
Ele lutava de igual para igual com Haroldo, mostrando que ambos estavam em um nível muito acima do meu ou de qualquer um dos heróis.
Restava a mim apenas o trabalho de evitar que os soldados atrapalhassem meu pai de dar uma surra no enlatado prateado.
E um grupo deles vinham em minha direção, enquanto outros se preparavam para ir ajudar o Cavaleiro de Prata.
Dei um passo à frente, liberando Rancor e criando uma variedade de armas. Os que vinham em minha direção parecerem me reconhecer e pararam, se pondo em posições de ataque.
Arqueiros se posicionavam à distância, mirando suas flechas em minha direção. Isso punha Leonardo e eu na linha de tiro, me deixando em leve desvantagem.
Não bastava estar sozinho contra uns setenta inimigos, estava protegendo um herói inconsciente. Fazia tempo que eu não me colocava em uma situação assim.
Senti a adrenalina subir e um sorriso se formar em meus lábios. Meu corpo ficou leve e minha visão, aguçada. Meu cérebro disparou, tudo pareceu ficar lento e meu corpo voltou a ficar pesado.
Eu sabia que meu corpo e minhaente estavam sincronizados a uma velocidade sobre-humana. Tudo que meus inimigos veriam seria um borrão.
E quando dei o passo, foi libertador.
Parei ao lado de um arqueiro com a cabeça de um lanceiro na mão esquerda. Foi rápido demais até pra mim.
— Um monstro!
Essas foram as únicas palavras que ele conseguiu dizer antes que uma lança atravessasse seu peito.
Assisti seus olhos ficarem sem cor e seu corpo desabar. Aquilo me mostrou o motivo pelo qual eu me sentia tão bem em ver meus inimigos caírem:
Eu sabia que se não fossem eles, seria eu.