33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 236
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- Capítulo 236 - Sexagésima Primeira Página do Diário
Sexagésima Primeira Página do Diário
Lutar arriscando a minha vida era uma forma de provar a mim mesmo que meu coração ainda batia. Cada dose de adrenalina que caia na minha corrente sanguínea era um estímulo a continuar vivendo e lutando.
Cada corte que eu fazia em um inimigo ou os gritos de desespero das minha vítimas eram como notas musicais, e o festival de corpos que ficava para trás era como uma sinfonia de matança que cantava uma nota fúnebre, mas que acalentava a minha alma.
E se me acalmava por dentro, não me importava em parecer uma besta maligna e selvagem por fora. Muito pelo contrário, era delicioso ver o meu reflexo com aquele sorriso maníaco nos olhos das minhas vítimas.
Eu queria ser mau.
Queria ser uma assassino frio e cruel, que se deliciava com o sofrimento dos inimigos e não se importava com suas histórias ou se tinham família. Não tinha culpa de estarmos em lados diferentes da guerra. Não era minha a culpa de terem começado uma guerra, eu só queria matar.
E quando acabaram as minhas vítimas, ou melhor, quando elas pararam de se mexer, eu estava praticamente todo coberto de sangue. Minhas mãos estavam trêmulas, mas não de medo, e sim de animação, eu sentia que queria mais, meu espírito estava sedento por enfrentar inimigos mais fortes.
Ao longe, eu vi duas figuras se enfrentando. Meu pai estava peitando de frente com o Cavaleiro de Prata, o que me fez querer intervir. Mas pensando melhor, concluí que se nem Haroldo era capaz de vencer facilmente, eu ainda não estava pronto para uma luta naquele nível.
Leonardo continuava desacordado, então resolvi dar uma volta pelo que sobrou do acampamento e tentar achar algum sobrevivente. No meio da minha empolgação da matança, esqueci de deixar um para interrogar.
Fazer o que? Eu não era o cara do interrogatório, e sim o que chegava e resolvia as coisas. Percebi que deixar a violência falar por mim podia me tirar a oportunidade de conseguir informações. E informações eram muito importantes em um cenário de guerra.
Vasculhando o que sobrou das tendas, não achei nada que pudesse ser útil, apenas armas e restos de comida. Os caras foram para a guerra prontos para morrerem, e considerando a quantidade de comida que havia, eles deviam ter certeza que estavam marchando para a morte.
Além de corpos estraçalhados, encontrei sinais de fuga de pelo menos trinta soldados. E considerando que não vi quase ninguém, e os que vi estavam mortos agora, eles deviam ter fugido enquanto corríamos para chegar no local.
Uma estratégia louca e suicida, porque não tiveram tempo para recolher o mínimo de suprimentos e morreriam de fome e sede antes da primeira vila. Ou estariam tão cansados que facilitaria uma perseguição.
A não ser que outro grupo estivesse vindo atrás com os suprimentos. Isso explicaria os rastros frescos de soldados indo na direção oposta ao Reino do Sul. Não era uma retirada, mas um reagrupamento com o segundo pelotão.
É claro que foi apenas uma suposição, no entanto, dadas as circunstâncias, era o que mais perto passava de fazer sentido.
Principalmente se tivesse um herói no segundo grupo. A ideia me animou bastante, eu queria testar minhas habilidades com alguém do meu nível.
Os soldados eram pouco, o Cavaleiro de Prata era muito. O ideal seria um herói como Jonas ou Lucas, já que Leonardo continuava desacordado.
Enquanto retornava para o local onde Leo estava, mantendo cuidado para não ser atacado por um potencial soldado escondido que eu não tinha encontrado, já que seria burrice baixar a guarda em campo de batalha, vi um brilho prateado indo na mesma direção que eu.
O Cavaleiro de Prata corria em direção a Leonardo, e meu instinto gritou que ele queria aquela coisa luminosa na mão do herói. Foi muita burrice minha não ter pego aquilo, porque, seja lá o que for, é o responsável pela explosão de minutos antes.
Corri na mesma direção, e como estava mais perto, cheguei primeiro. Envolvendo a mim e Leonardo na névoa escura do rancor, fiz duas armaduras, reforçando a mão dele e a coisa brilhante.
— Você sabia que eu queria isso? — A voz abafada e os olhos escondidos sob o elmo prateado se voltaram a mim.
— Foi um palpite… — respondi.
— Um ótimo palpite! — disse meu pai, chegando logo atrás do enlatado — Ele queria “O Raio”, fez bem de proteger. Se nas mãos de alguém que não sabe o que está fazendo já causou um estrago desses, o que faria se fosse usado pelo Escudeiro de Prata?
— Sou um Cavaleiro! — rosnou o prateado.
— E cadê o seu cavalo? — questionei.
— Filho da puta!
— Respeita a minha esposa! — Meu pai fingiu irritação — Ela é uma boa pessoa, quando não está irritada.
Entendi que aquilo era uma estratégia para desestabilizar o Cavaleiro de Prata enquanto descansava. Uma boa tática, eu admito. Bem diferente do que eu costumava fazer, que era bater no oponente antes dele ter tempo de entender o que estava acontecendo.
Agora era possível de perceber que o cara de armadura estava hesitando em decidir qual o próximo passo, e mesmo eu sabendo que não podia vencê-lo, também sabia que ele não conseguiria bater de frente comigo e meu pai ao mesmo tempo.
Estávamos na vantagem, pelo menos numérica, mas eu sabia que não seria por muito tempo. Logo os reforços chegariam, e com isso a nossa vantagem iria para o buraco. E percebendo como o Cavaleiro estava calmo, apesar de não baixar a guarda, ele estava contando com a chegada dos aliados de Prata.
— Então você está contando com a chegada dos seus aliados? — perguntei ao Cavaleiro de Prata.
Apesar de não responder, percebi que ele me encarou, estreitando os olhos por debaixo da viseira do elmo que lhe cobria toda a cara. Para alguém usar uma coisa daquelas o tempo inteiro, só podia ser muito feio.
— Aliados? — Meu pai deu uma olhada nos arredores — Agora entendi! Parte dos sobreviventes fugiu, não tem mantimentos… E pelo tamanho do acampamento e a quantidade de soldados que tinha, estavam esperando a segunda parte do grupamento…
Como se instintivamente encurralado, o enlatado deu um passo para trás. Imaginei que aquilo confirmava as minhas suspeitas.
— Muito bem-observado, filhão! Ele estava esperando nos surpreender com a chegada dos reforços, mas agora que sabemos, só temos que acabar com ele antes que tenha essa chance.
Me senti orgulhoso de mim mesmo, até tinha recebido um elogio pela minha observação. Agora ia dar mais orgulho ajudando ele a dar um fim no enlatado de prata. Então fiz o primeiro movimento, um soco carregado com o poder do Rancor enquanto envolvia minha mão com uma manopla cheia de espinhos.
Senti acertar em cheio, o impacto foi tão forte que meu braço doeu por inteiro. Meus pés escorregaram alguns metros na terra solta, e meus olhos ficaram fechados por meio segundo, e quando abri, não era o Cavaleiro de Prata que estava na minha frente.
— Desculpe a demora, — disse uma voz que não era humana, — os outros estavam demorando, então vim na frente.