33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 238
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- Capítulo 238 - Sexagésima Terceira Página do Diário
Sexagésima Terceira Página do Diário
As bandeiras do Reino de Prata tremulavam ao vento acima das cabeças de dez dúzias de soldados munidos de espadas, lanças e escudos. Uma infantaria que refletia uma sede de sangue nos olhos e me encarava a poucas braças de distância.
Atrás da infantaria, duas dúzias e meia de cavaleiros montados em belíssimos cavalos de guerra, que são bem maiores que cavalos comuns. Assim como os cavaleiros, as montarias possuíam uma cobertura metálica sobre o corpo feita em cota de malha e placas de metal.
À frente desses dois grupos, os que mais me davam arrepios: os arqueiros! Pelo menos cinquenta homens e mulheres com arcos longos e rostos pintados em verde e marrom, assim como a roupa que usavam. Prontos para se camuflarem na selva e fazerem de alvo qualquer inimigo desavisado.
Eu poderia lutar contra qualquer um, desde que conseguisse ver em que deveria bater ou esfaquear. Inimigos rápidos, silenciosos ou invisíveis eram os que eu mais tinha raiva. Isso se devia, em partes, ao meu treinamento com Shiduu.
E como se não bastasse um contingente de trezentos soldados inimigos, tinha alguém os liderando. Não era uma pessoa qualquer, era um herói.
O pior de todos.
— Jonas!
Kawã estava acorrentado e se debatendo, enquanto Leonardo fingia estar desacordado. Eu tinha um plano bem imbecil, e de acordo com a minha experiência com planos dando errado, as chances desse dar certo eram mínimas.
Considerando que Leo era agora uma persona non grata no Reino do Sul, eu e ele concordamos que o melhor era convencer os soldados do Reino de Prata a o libertarem de mim e eu deixá-lo fugir.
Eu nem precisei explicar tudo para Leonardo compreender a situação. Aparentemente, ele era muito inteligente quando não tinha um par de pernas femininas na equação.
Não julgo, eu tinha Zita.
Juntando o meu cansaço, a quantidade de inimigos e um plano furado, eu tinha absoluta certeza que levaria um sacode antes do final do dia. E a noite estava começando a surgir, o que significava que a minha pele não duraria muito intacta.
Eu, sentindo medo?
Você não imagina o quanto.
Até os mais poderosos sentem medo da morte, por que eu não sentiria? Não ter medo não significa ter coragem, e sim ser estúpido. O medo é o que nos mantém vivos, essa foi uma frase que aprendi com Miraa.
Respirei fundo e fixei o olhar nos inimigos que se aproximavam em velocidade. Só precisava bater e correr sem deixar que Jonas me capturasse em umas daquelas caixas transparentes que ele fazia.
Dar um socão dentro da boca dele era um desejo, mas não tão viável dado a urgência de encerrar a luta. Assim como eu, meu pai e o Cavaleiro de Prata estavam ficando cansados, dava para ver pelo ritmo mais lento da troca de golpes.
E foi tudo em poucos segundos, mas na minha mente pareceu uma eternidade. Já fazia tempo que eu percebia que meus pensamentos aceleravam em situações de adrenalina, e daquela vez o medo fez parecer que o tempo tinha congelado.
Um impulso com todas as forças que minhas pernas conseguiam, foi isso que me colocou a poucos centímetros de Jonas, com o punho coberto por uma soqueira de Rancor.
O miserável já estava esperando algo do tipo, porque meu soco acertou e estilhaçou uma fina barreira a poucos centímetros da cara feia e rechonchuda do gorducho. O soco acertou de raspão e com uma forma muito inferior à que eu desejava e insuficiente para causar dano real.
Eu já tinha feito meu movimento, agora era sair dali sem ser capturado. E quando o assunto era fugir, eu posso me considerar um especialista. Deixei meus inimigos atônitos com o ataque rápido e fuga eficiente, a velha tática de bater e correr.
Sabia que a próxima jogada seria deles tentando usar a vantagem numérica contra mim. Então a minha proteção seria meus reféns, por isso, corri até Leonardo e Kawã acorrentados no outro lado do que era um acampamento.
Mal tinha dado uns dez passos e senti algo se aproximando pela minha direita, me obrigando a usar uma esquiva para a esquerda. Com um giro lateral, mantive a minha guarda e consegui me esquivar de um cubo translúcido que surgiu exatamente onde eu estava meio segundo antes.
Percebi que Jonas estava bem melhor em criar aquelas caixas perigosas. Ficar parado era pedir para ser capturado, o que não seria nem um pouco bom para a minha saúde.
Não parei de correr. Usei uma sequência de movimentos aleatórios, desviando de flechas e cubos mágicos que tentavam me acertar, capturar e matar, por muitas vezes escapando na base da sorte.
Já estava ficando sem fôlego, quando consegui uma distância relativamente segura. Senti o corpo tremer, indicando que estava perto do meu limite físico. Não estava muito mais distante dos reféns, então me deu uma pausa para encarar os inimigos e avaliar a situação.
Eles haviam assumido uma postura de ataque que parecia ter sido treinada com antecedência, com Jonas ao centro e duas alas de arqueiros aos lados. Os soldados de infantaria estavam logo atrás, guardando energia para um segundo round. E os cavaleiros…
Onde estavam os cavaleiros?
Só então percebi que enquanto ziguezagueava pelo que restou do acampamento, os cavaleiros montados tinham se dividido em dois grupos e cercado a minha posição. Com certeza eles concluíram que meu objetivo era usar os dois heróis caídos como escudo e agora forçariam um resgate.
Restava sobreviver e torcer para eles aceitarem que Leonardo tinha traído o Sul. E ainda precisava tirar os corpos de Zang-Nee e seus soldados dali, ou o incidente que começou uma guerra se tornaria no fim da humanidade. Eu nem queria estar perto quando Long-Hua recebesse a notícia da morte do seu amigo.
E como eu contaria para Van-Nee?
Foquei em sobreviver.
Como tinham parado de atirar flechas, para não acertar nos dois reféns, e as barreiras de Jonas não tinham tamanho alcance, eu tive uns segundos para respirar. Os cavaleiros apontavam lanças em minha direção, mas mantinham o silêncio, e aos poucos eles fechavam o cerco.
Também aos poucos, o meu poder retornava. E se os dois não estivessem acorrentados, eu teria mais névoa para usar. O que significava que era a hora decisiva, onde tudo poderia dar errado.
Me aproximando dos reféns, me posicionei entre os dois.
— A partir de agora está sozinho. — falei baixinho para Léo — Não sei o que é essa coisa que você tinha, mas acho que é perigosa demais para deixar com o Reino de Prata, então vou levar…
— Entendi… — Ele assentiu e falou de canto de boca — Entrega pro Haroldo, ele vai saber o que fazer….
— Agora vou te liberar, conta até cinco e me ataca, mas vê se erra. — Suspirei — Vou precisar de uma distração das boas para tirar o que sobrou do teu sogro daqui e ainda sair com vida.
— Foi bom ser seu amigo, mesmo que por um dia. — Ele disse — Você não é tão ruim quanto dizem.
— Obrigado.
Ao agradecer, desfiz as correntes e transformei tudo em névoa escura, mantendo quase ao nível do solo para não ser percebido pelos inimigos. Depois fui desfazendo as correntes de Kaã aos poucos, enquanto gritava a plenos pulmões:
— Se chegarem mais perto, eu mato os dois!!!
Então ouvi um zumbido elétrico e meu corpo recuou para trás intuitivamente. Centímetros à frente dos meus olhos, uma mão coberta de raios passou como um borrão.
— Cinco! — gritou Leonardo.
Aquele filho de uma puta. Seria até uma pessoa legal se tentasse.