33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 249
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- Capítulo 249 - Septuagésima Página do Diário - parte 3
Septuagésima Página do Diário – parte 3
Catarina voava em minha direção com o punho cerrado e olhar mortal, não havia tempo para desviar, então me cobri com o que tinha de Rancor, cruzei os braços à frente do rosto e torci para não doer muito.
O impacto não veio.
Diferente do que eu esperava, em vez de sentir um soco atingir a minha armadura feita às pressas, o que me atingiu foi uma sensação de que estava girando sem gravidade, o que me deu uma baita vontade de vomitar.
Com o enjoo e a falta de equilíbrio que veio a seguir, perdi o controle do Rancor e a armadura se desfez, revelando algumas árvores ao meu redor. Me pus de pé o mais rápido que consegui, mas tudo ainda parecia girar ao meu redor.
— Ei mano, nem te bate! — Uma voz masculina parecia falar comigo — Te tirei de lá senão tu levava o farelo pra galega lá.
— Quê? — Tentei identificar quem falava.
Era uma rapaz moreno, não muito alto, de corpo forte, mesmo que não parecesse atlético, cabelos pretos, lisos e curtos, olhos pretos e semblante sereno. Usava uma bermuda, regata e boné, sem falar do par de chinelos que calçava, bem diferente do que eu estava acostumado a ver nesse mundo.
— Você é um deles, não é? — perguntei, mantendo distância.
— Colé, manim? Acabei de te salvar! Tu ia levar uma pisa da “kat ploc”…
— De quem?
— Tá! peraí… — Ele se endireitou — Vamos começar do começo.
— Pode ser uma boa ideia.
— Meu nome é Gledson, sou o Herói das Sombras.
Mais um herói não era boa notícia, mas eu estava a salvo da baixinha violenta, e com o tanto de árvore que me cercava, certamente não estava tão perto do local da luta. De alguma forma aquele cara tinha me tirado de lá a tempo de não ser atingido por Catarina.
— As duas que estavam com você, eu levei para uma vila aqui perto, elas disseram que lá era seguro… — Ele falou animado, dessa vez sem sotaque nem gírias.
— Por que está me ajudando? — perguntei, desconfiado.
— Ordens do Rei de Cristal, — Ele deu de ombros — não sei se conhece o Reino para o qual fui mandado, mas eles não desejam muito uma guerra, então o Rei Ônix me incumbiu de sabotar nossos aliados…
— E por que sabotaria seus aliados?
— Porque o único reino que ganha alguma coisa com essa guerra é o Reino de Prata, enquanto a península isolada onde fica o Reino de Cristal só tem a perder enviando soldados e mantimentos para essa porcaria de guerra.
— Então nossos objetivos são parecidos!
— E por isso eu te tirei daquela luta. — Gledson sorriu — Vocês já tinham estragado a missão e suas irmãs estavam a salvo, não tinha motivos para continuar lutando.
— Acho que não estava preparado para enfrentar aquelas duas, meio que bateu o desespero…
— Valquíria e Catarina são barra pesada, e em vez de ficar se metendo em política como eu e outros por aí, focaram em afiar as habilidades de combate e hoje têm uma das melhores capacidades de luta em parceria.
Fiquei admirado com a análise que Gledson fez, parecia que ele conhecia bem as capacidades não só das duas, como também de outros heróis. O quão bem ele deveria ser informado para isso?
— Elas são as mais fortes, então? — Tentei conseguir mais alguma informação.
— Não! — Ele acenou em desdém — Separadas, elas não não conseguem vencer uma borboleta míope. O que realmente se destaca é o trabalho em equipe e como seus poderes se complementam.
— Se pelo menos eu tivesse derrubado a Valquíria…
— Ah… Se eu não tivesse te tirado de lá a tempo, esse seu poder estranho teria feito ela de espetinho!
— Então fez isso para salvar ela?
— Não exatamente, mas confesso que ficaria triste se um de nós morresse, incluindo você. Não sei se prestou atenção no que eu falei antes, mas eu não ganho nada com a morte de ninguém, pelo contrário, minha missão é salvar vidas, foi para isso que o Rei Ônix me enviou.
— Ele se preocupa mesmo com as pessoas do reino ou está com medo de diminuir o poder militar do Reino de Cristal?
Gledson me olhou inexpressivo, depois respirou fundo e começou a andar lentamente, ficando de costas para mim.
— Tem muitos jovens soldados do Reino de Cristal que foram mandados para as linhas de frente. — Gledson disse em tom triste — Eles estão naquela fase em que acham que são superpoderosos, e foram facilmente convencidos pela propaganda anti-leste criada pelo Reino de Prata. Então, na empolgação de serem heróis de guerra, nem perceberam que estão sendo usados como bucha de canhão pelos próprios aliados.
— E a sua missão é proteger eles? — questionei.
— Proteger é muito para mim, mas diria que se conseguir minimizar as perdas do povo que me acolheu, ficaria muito feliz.
— É assim que se sente no Reino de Cristal? — Aquela pergunta foi de coração — Como um lugar que te acolheu? Está disposto a arriscar sua vida para proteger aquele reino?
— Cara, quando a gente chegou nesse mundo, colocaram uma coleira na Victoria com uma merda de magia que a impedia de tirar por conta própria e nos proibiram de ajudar. Depois mandaram os menos obedientes e os mais fracos para os locais mais isolados.
— E você estava entre os fracos ou desobedientes?
— Quando vi que os os mais fortes eram usados e passavam por lavagem cerebral intensa, escondi o meu poder total e fingi ser um bobão inútil. No final, me mandaram para o Reino de Cristal, onde fui bem recebido pela família real, então me dediquei a ajudar o rei Ônix.
— Muito esperto!
— Eu estava lá no dia que te jogaram na Grande Falha. — Gledson baixou o olhar — Me desculpe por não ter ajudado…
— Não carrego ódio de quem não me ajudou, e sim de quem me jogou, e mais ainda de quem me fez ser jogado! — Estendi a mão para ele — E agradeço demais por me salvar hoje, tenho certeza que se não fosse por você, eu teria virado purê!
Olhei para meu pulso inchado, resultado de bater de frente com Catarina e sair vivo. Entendi que nem sempre poder e força bruta seriam a minha forma de continuar vivo, teria que usar a cabeça e ser mais esperto.
Gledson era forte, mas não saia por aí buscando briga, ele agia com cautela e inteligência, no entanto, era tarde para mim, todos queriam me matar ou pelo menos me arrancar alguns membros. Se eu tinha que ser esperto, seria de uma forma diferente.
Precisava ser subestimado.
Era isso. Eu faria todos irem atrás de mim e daria uma abertura para os outros, enquanto vagava pelo mundo, nisso eu era bom mesmo, e só entraria em brigas que tivesse certeza da vitória. Nada de enfrentar outros heróis sozinho de novo, principalmente ir contra dois ao mesmo tempo.
Se o Reino de Prata queria uma guerra, eu daria uma guerrilha, destruindo ele de dentro para fora, como um vírus.
Sorri, pensando que finalmente eu tinha um bom plano. Gledson me encarava em silêncio.
— Sei que nossos objetivos são diferentes, mas estão alinhados. — falei — O que proponho não precisa ser uma parceria, mas um acordo de não agressão. Eu garanto que o Leste não vai interferir no Reino de Cristal, e você me promete que não vai atacar o Leste.
— Eu concordo! — Gledson não me esperou terminar de falar.