33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 250
Parte do Plano
Era o quinto dia de festa no Reino do Leste.
O último dos cinco dias que marcaram as comemorações de um ano novo, com música festiva e comida farta. Músicas e danças marcaram o ritmo da alegria coletiva, e junto a isso tudo, a festa de casamento de André e Zita. E conforme o sol se escondeu sob o horizonte ao oeste, as fogueiras foram acesas.
O casal dançava alegremente à luz emanada pelas chamas dançantes sobre a madeira seca, sob os olhares amorosos de Sônia e Maria Julia. Além dos recém-casados, outros casais demonstraram amor através da dança, como Leonardo e Van-Nee, Renee e Alice, e o mais estranho, Brogo e Kawã.
Desde os últimos meses e todos seus acontecimentos, Brogo não tinha mais retornado à sua forma infantil, e se apresentava apenas com Su-Kan. Em parte, isso se devia ao reencontro com sua irmã, Yu, que dançava alegremente com Lu-ji, o novo líder do clã dos arqueiros do Sul.
Naquele clima de amor, as vozes baixas dos casais eram protegidas pelo som alto dos instrumentos musicais que evocavam ritmos e emoções, mantendo em sigilo as conversas de cada par. Uns falando de amor, outros de planos futuros, outros de assuntos íntimos e planos para a madrugada.
André e Zita falavam sobre o futuro.
— Eu gostaria de ter um filho… ou uma filha, mas aí o Leo vai dizer que imitamos ele. — André disse.
Zita riu.
— Um filho então. — Ela concordou — Quero que ele tenha seus olhos…
— E e o seu sorriso. — André disse e em seguida a beijou.
— Qual nome você acha que ficaria bom? — Zita sorria em plena felicidade.
— Eu gosto de “Mateus”. — André sussurrou — É bíblico, como o meu nome, e significa “presente de deus”.
— Achei que não acreditasse em deuses.
— Não nos desse mundo, eles mentem.
No mesmo momento, como uma brincadeira sem graça do destino, um homem chegou à festa em silêncio e caminhando lentamente. Sua presença foi o suficiente para a música parar e todas as pessoas lhe dedicarem a exclusividade de seus olhares.
Cabelos castanhos, barba rala, feições marcantes, trajando uma espécie de terno do século XIX todo branco. Andava a passos lentos e mantinha uma postura firme, com os olhos apenas em André, como se nada mais ali o importasse.
Mesmo quem nunca o tivesse visto, saberia de quem se tratava apenas pela aura forte que a figura emitia. Ninguém mais naquele mundo conseguiria ter uma energia tão intimidante quanto o Guardião do Mundo. Um ser primordial nascido da própria matéria da criação do universo, e que estava abaixo apenas dA Existência, a consciência suprema que controla todo o universo.
— Cheguei atrasado? — perguntou o Guardião.
— Melhor atrasado nessa vida do que cedo na próxima! — André respondeu, se pondo à frente de Zita.
— Igual seu pai?
— Se bem me lembro, ele te passou a perna e fez você de otário por quatrocentos longos anos.
— E no fim, você o matou. — O Guardião abriu um sorriso largo.
— É tudo parte do plano, mas você não entenderia, já que não conseguia ver ou ouvir nada do que nós que viemos de outro mundo fazíamos. Você pode ter total controle sobre os nascidos neste mundo, mas nós somos invisíveis aos seus olhos.
— Muita soberba vindo de alguém que viveu praticamente como um zumbi nos últimos treze anos…
— Fazer o quê? — André deu de ombros e sorriu — Eu sou o melhor. Pelo menos, na minha cabeça eu sou. Tá ligado? Eu sou foda pra porra e humildezão pra caralho!
— Eu te fiz quem você é, moleque! — O guardião disse em um sorriso vitorioso — Seu poder, foi eu quem te deu, se não fosse por mim, não seria nada, ou pior, estaria morto há muito tempo! Assuma André, você precisa de mim. Você não é nada sem o poder que eu te dei. Trabalhe para mim e terá um lugar ao meu lado quando isso acabar!
André encarou a figura divina, e estreitando os olhos a cada palavra do breve monólogo, se aproximou e apontou o dedo indicador a poucos centímetros dos olhos daquele que ousava imitar a aparência de seu falecido pai.
— Eu não preciso de você, o mundo é grande e teu destino te espera.
— Seu pai foi um grande idiota e traidor! Eu confiei nele, e Haroldo me enganou. Uma pena ele ter morrido, senão eu teria o prazer de matá-lo com as minhas próprias mãos. Mas você pode ter a chance de fazer diferente, use a cabeça, me dê o poder do espaço e da imortalidade e irei embora.
—E por qual motivo devo acreditar em você?
— Porque eu sou um SER bondoso e posso deixar você e sua esposa vivos, e até considerar não matar ninguém aqui hoje…
— É uma ameaça?
— Chame do que quiser, eu terei o que me pertence de uma forma ou de outra. Seja mais inteligente que Haroldo e me obedeça!
— Não estou com vontade.
— Depois de tudo que fiz por você…
— Eu, com sede, bebi lama! — André apontou o dedo na cara do Guardião — Nem lembro quantas vezes tive que dormir com fome… E a única coisa que você fez por mim foi me usar como uma fantoche, enfiando uma maldição que me devora e ao mesmo tempo me impede de morrer! Você foi longe, me machucou e provocou a minha ira, mexeu com a minha mente e me fez duvidar da realidade, tudo para que eu te libertasse!
O Guardião permaneceu em silêncio. Sua expressão era impassível, mas havia um leve desvio no olhar quando André aumentava o tom da voz.
— Eu não preciso de você! E nunca mais diga o nome do meu pai, principalmente usando a aparência dele. Diferente de você, Haroldo Lima foi um grande homem, o melhor em tudo que fez, e até o fim ele trabalhou para acabar com a tua raça. Caso não esteja entendendo, ele sabia como isso vai acabar, por isso me fez matá-lo, para que o fim que ele escolheu acontecesse do jeito que ele planejou.
O Guardião estreitou os olhos.
— E caso não esteja entendendo, quando você resolveu ferrar com a minha vida, você assinou sua sentença de morte! E estou pouco me fudendo se tu é imortal, parça, EU estou entupido até o cu de névoa da criação, a única parada que pode te destruir, e foi tu que me deu o poder te matar! Cê tá entendendo? Eu sou seu ponto fraco, porra!
Essas palavras carregadas de ódio fizeram o Guardião recuar dois passos, mas André continuou, aumentando cada vez mais o tom de voz:
— Caso tu não tenha entendido, essa festa toda foi uma armadilha para te trazer aqui antes de recuperar todo o teu poder. E agora tu tá exatamente onde eu queria, se não acreditar, é só dar uma olhada ali naquela mesa. — André disse e apontou para o lado.
Quando Guardião olhou, Sônia e Maria Julia estavam por trás de uma grande arma, de cano longo, que esteve disfarçada debaixo de uma das mesas esse tempo todo. Era a mesma arma que foi usada para matar Zita, que Kai e Lídia conseguiram consertar depois do estrago de Catarina.
Um tiro ecoou, levando a cabeça do Guardião. Uma bala de tungstênio revestida em Rancor. Para qualquer outro ser naquele mundo, seria o suficiente para transformar em memórias, mas era o Guardião, mal seu corpo caiu e a regeneração se iniciou.
— Que parte de “é tudo parte do plano” você não entendeu?