3552 Sem Memórias - Capítulo 4
Entramos no trem e aguardamos em nossa cabine até o momento da partida em direção à próxima estação. Drake estava visivelmente mais vigilante do que antes, mantendo uma pistola firmemente em mãos enquanto monitorava nossa cabine. Enquanto isso, eu tentava processar a avalanche de informações que haviam me sido reveladas. Com um tremor de medo, expliquei a Drake o que havia acontecido, consciente de que minha situação atual representava um obstáculo para o progresso da missão.
— Eles provavelmente estão nos seguindo desde o acampamento. Você tinha laços íntimos com a equipe. O ataque da horda foi interrompido por um deles; são poderosos e não devem ser subestimados. Além disso, são incrivelmente astutos, usando os próprios membros da equipe como isca — Drake analisou a situação, sua voz carregada de preocupação.
— O sacrifício de alguns pelo bem de muitos — murmurei, quase sem perceber.
Drake me lançou um olhar desconfiado, mas não insistiu no assunto, talvez percebendo que minhas palavras refletiam uma reflexão interna que eu ainda não tinha total clareza.
Sentado na cabine, mergulhei em meus pensamentos enquanto observava o túnel cinzento e sem vida passar rapidamente diante de nossos olhos. As luzes piscavam em uma velocidade vertiginosa. Subitamente, o trem, que trafegava a mais de seiscentos quilômetros por hora, freou bruscamente, arremessando todos nós violentamente para frente. Gritos de pânico ecoaram pelo corredor, enquanto muitos passageiros se feriam no impacto.
— Nusquam, isso não parece uma falha mecânica! Precisamos sair daqui, vamos para os vagões de carga. — A urgência na voz de Drake era palpável.
Assenti, seguindo-o enquanto nos dirigíamos apressadamente para a parte traseira do trem.
— Quem teria interesse em interromper o trem? — indaguei, lutando para acompanhar o ritmo frenético de Drake enquanto corria.
— Não sei, mas eles estão atrás de você. Gostaria de saber o que você tem a oferecer a eles, qual é o seu valor estratégico — falou Drake enquanto abria o compartimento de carga com seu cartão de general.
O vagão de carga estava abarrotado de mercadorias, incluindo carcaças podres de cranyus, emitindo um odor fétido que permeava o ar. As caixas dispostas estrategicamente ofereciam um esconderijo eficaz; nós podíamos observar quem entrava e saía do vagão, enquanto permanecíamos fora de vista. Drake abriu um compartimento secreto em sua pistola, revelando quatro pequenos frascos contendo um líquido branco. Ele lançou rapidamente um dos frascos em minha direção, ingeriu outro e guardou os dois restantes em seu esconderijo inicial.
— Beba! — Ele ordenou com urgência.
— Que líquido é esse? — perguntei enquanto examinava o frasco e removia a tampa. O aroma era semelhante ao de um perfume campestre.
— Sem tempo para explicações, apenas beba logo — respondeu ele sem paciência nenhuma comigo.
Confiei nele e mesmo com um certo nojo, tomei o líquido todo de uma vez só. Imediatamente experimentei uma intensa sensação de formigamento por todo o corpo. O sabor era estranho, uma experiência nova para meu paladar, impossível de descrever adequadamente. Meus sentidos aguçaram, e uma estranha energia parecia pulsar dentro de mim.
— Como se sente? — perguntou Drale.
— É difícil explicar… Sinto-me incrível! — respondi, surpreso com a vivacidade que me inundava.
— Esta bebida é conhecida como adrenalix, o sangue de cranyus. Ela desperta seus sentidos e desencadeia uma mutação temporária em suas células. Prepare-se, a combinação do seu sangue com o dos cranyus pode produzir resultados imprevisíveis.
— Sangue de cranyus? Você me deu sangue para beber? Você está louco ou algo assim? — exclamei, sentindo náuseas só de pensar nas implicações daquilo.
— A adrenalix é nossa maior vantagem em caso de combate. Talvez seja sua primeira vez, então tenha calma. Seu corpo pode levar um tempo para se adaptar.
— Que tipo de vantagem teremos? — indaguei, ainda revoltado com a ideia.
— Não tenho certeza ainda. Descobriremos depois. — Drake olhou para mim com certa tranquilidade, enquanto eu exibia uma aura de puro ódio. — Não precisa me olhar assim, ainda não conheço suas habilidades.
— Habilidades?
— A adrenalix é um subproduto do sangue dos cranyus, nos humanos esse hormônio é conhecido como adrenalina. Durante o desenvolvimento da civilização humana, a adrenalina foi de fundamental importância para a seleção natural, os indivíduos que conseguiam sintetizar mais eficientemente o hormônio tinha grandes vantagens em situações de risco, como: raciocínio acelerado, visão melhorada devido à dilatação das pupilas, além de acelerar o ritmo cardíaco e o funcionamento dos pulmões. A adrenalix foi a melhor arma encontrada pela humanidade durante a resistência, o próximo passo da nossa evolução.
— Você me disse que não havia tempo para explicações! — Minha voz estava carregada de raiva, sentindo-me traído por ser induzido a beber um líquido cujos efeitos eram desconhecidos.
— Eu pensei que eles estivessem prestes a nos encontrar, mas parecem estar ocupados lidando com os passageiros. — Drake explicou, sua expressão tensa enquanto mantinha o controle da situação.
— E qual deve ser o efeito disso tudo? — Insisti, minha preocupação aumentando.
— Como eu disse, isso depende da sua própria constituição genética. Cada pessoa tem um DNA único, então como a adrenalix interage com seu organismo é imprevisível. — Ele respondeu, sua voz carregada de incerteza.
Olhei para a mão esquerda de Drake, que começava a mudar de cor lentamente. Vi então que havia um certo fundo de verdade nas afirmações dele.
— E qual é a sua habilidade? — questionei curioso para saber se ele poderia realmente me proteger e qual seria o verdadeiro efeito da adrenalix em meu corpo.
— Minha pele reflete a luz, o que me permite antecipar ataques de qualquer direção, usando minhas mãos como espelhos — explicou Drake.
— Isso parece completamente absurdo — respondi totalmente cético.
— Não subestime, pode ser muito útil!
— E qual a utilidade disso em um confronto real? Deve exigir grande concentração — questionei novamente, todavia a resposta não veio, interrompida por gritos vindos dos vagões de passageiros à frente.
— Eu vou abrir a porta de carga e você foge pelos túneis da estrada até alcançar um dos telefones de emergência, que deve estar a cada seis quilômetros. Provavelmente, a central já percebeu que o trem parou e está enviando fiscais, mas mesmo assim, alerte-os de que o trem foi atacado. — Drake me orientava mesmo se concentrando em tentar escutar e entender o que acontecia de verdade.
— E quanto a você?
— Eu irei distraí-los pelo tempo que for necessário. — Ele estava determinado a fazer aquilo.
— Não posso simplesmente te deixar aqui! Você está arriscando sua vida para me salvar! — Tentei o convencer, pois eu me sentia culpado por aquilo.
— Eu tenho muito mais experiência que você e a sua habilidade com a adrenalix pode não ser útil nesta situação. Não estou arriscando minha vida para te ajudar; estou arriscando tudo para nos salvar. — Drake esclareceu, firme.
— Discordo de você, mas vou seguir suas ordens.
Drake usou sua “mão espelho” para monitorar a área e determinar o momento ideal para a fuga. Dirigi-me à porta lateral do vagão, que levava diretamente ao amplo túnel cinzento conectando as fortalezas subterrâneas. O movimento de veículos deveria ser intenso, mas nenhuma viatura circulava pelo local. As luzes piscavam incessantemente, como se estivéssemos em meio a uma tempestade elétrica. Lancei um último olhar para Drake, aguardando o sinal para saltar do vagão. Os gritos vindos dos vagões próximos aumentavam, indicando que os inimigos se aproximavam.
Drake deu o sinal, e a porta do vagão se abriu. Corri para fora enquanto ouvia disparos ecoando pelo túnel. Drake enfrentava corajosamente os invasores. Do lado de fora do trem, dois carros estavam estacionados, bloqueando a estrada. Três homens encapuzados, armados até os dentes, montaram uma barricada. Apontaram suas armas na minha direção, mas eu não tinha tempo nem habilidade para enfrentá-los. Continuei na direção contrária deles. Para minha sorte, nenhum deles me perseguiu enquanto eu avançava pelo túnel.
Diferentemente da última vez que fugi dos cranyus, hoje minha velocidade estava dobrada, permitindo-me correr com facilidade. Pouco a pouco, me distanciei do trem e o som dos disparos começou a diminuir. Contudo, um peso de culpa pesava em minha consciência por deixar Drake sozinho. Porém, eu precisava obedecer às suas ordens e buscar ajuda.
Dois minutos. Esse foi o tempo que levei para chegar ao primeiro telefone de emergência. Tentei ligar para a central, mas o fio estava cortado, impossibilitando pedir ajuda. Desesperado, me pus a correr para o próximo telefone de emergência, observando uma barreira de carros montada pelos criminosos para bloquear o caminho. Então, uma explosão sacudiu o túnel, me arremessando para trás.
O calor intenso da explosão e a fumaça preta me deixaram atordoado. A barreira dos criminosos explodiu diante dos meus olhos, seus corpos espalhados pelo chão, uma cena horrível. Levantei-me rapidamente, tentando atravessar a nuvem de fumaça e fogo, buscando o melhor caminho. Então, três figuras vestidas com mantos escuros emergiram das chamas.
Cada um deles possuía um estilo único e distintivo. O primeiro usava um casaco marcado com a letra E nas costas e empunhava uma submetralhadora com uma destreza impressionante, segurando-a com apenas uma das mãos. O segundo lembrava um xerife americano, com dois revólveres altamente polidos e reluzentes em seus coldres. Seu chapéu Stetson preto, impecavelmente polido, exalava elegância, enquanto seu casaco negro exibia um grande círculo com um traço vertical no meio. Por fim, o terceiro parecia um espadachim japonês, com um traje igualmente majestoso. Seu símbolo era um M, adornando seu traje de forma imponente.
— Incrível como você adora se meter em problemas! Primeiro a horda e agora isso? Seu novo amigo Drake deve estar bem decepcionado. — O homem com a letra E em seu casaco gritou para mim, sua voz carregada de desdém.
— Quem… Quem são vocês? — perguntei em meio a uma gagueira de ainda tentar processar a situação confusa.
— Estavam certos, ele não lembra de absolutamente nada. Como que o nomearam mesmo? — ironizou o xerife.
— Se vocês sabem o que aconteceu comigo e o meu passado, me ajudem por favor!
— Essa decisão não cabe a nós; é um assunto exclusivo do Império. — O homem da direita respondeu friamente.
— Teta, vamos parar de conversa e concluir nossa missão. Temos um assalto para impedir. — O homem com a espada finalmente se pronunciou, sua postura era séria e determinada.
— Você é sempre tão sério; deveria relaxar um pouco mais. — Épsilon repreendeu-o, com um tom de leve provocação.
— Por favor, salvem meu amigo. Ele arriscou a vida para me proteger — implorei, referindo-me a Drake.
— O general continua no trem? — Épsilon dirigiu-se ao homem dos revólveres.
— Sim, consigo sentir sua presença, mas não consigo determinar sua localização exata. Quando chegarmos ao trem, poderei fazer isso com mais precisão. Alguma mudança de planos? — Teta questionou, buscando orientações.
— Alfa deve estar nos monitorando. Aguarde um pouco; logo tudo se resolver.á — Épsilon declarou, lançando um olhar significativo para os corpos dos assaltantes que haviam montado a barricada.
— Alfa deve estar nos observando, espere um pouco e tudo se resolverá — Falou Épsilon enquanto olhava para os assaltantes mortos que anteriormente tinham montado uma barreira.
As lâmpadas começaram a piscar com uma velocidade alarmante, enquanto um dos cadáveres se erguia do chão e flutuava em nossa direção, como se fosse uma marionete controlada. Um grito de terror escapou de meus lábios, a cena grotesca me deixando em estado de choque, mas meus companheiros pareciam completamente indiferentes, agindo como se nada de anormal estivesse acontecendo. O cadáver chegou até nós e emitiu suas palavras de forma monótona e sem emoção:
— Missão atualizada: proteger Drake e Nusquam. Eliminar todos os bandidos sem danificar a carga.
Sua voz não possuía a cadência de um humano normal, soando mais como a de um robô, desprovida de qualquer entonação. Após transmitir sua mensagem, o cadáver caiu novamente no chão, inerte.
— Ele estava mesmo morto? — Minha voz tremia de medo, incapaz de acreditar no que acabara de testemunhar.
— Ninguém sobrevive a um tiro certeiro do meu revólver aqui. — Teta respondeu, exibindo um leve sorriso enquanto acariciava sua arma.
— Mas ele se comunicou conosco. “Morto” significa exatamente sem movimento, algo inerte, inanimado… — Tentei racionalizar o ocorrido.
— Um vivo o controla, ele foi apenas usado como uma fachada. Isso é uma habilidade adrenalix. A adrenalix é um… — Fui interrompido pelo samurai.
— Drake já me explicou sobre a adrenalix. Mas existem habilidades tão macabras assim? — Questionei, ainda tentando assimilar a estranha realidade à minha volta.
— Você conhece apenas uma pequena fração deste mundo. Não fazem nem dois dias que iniciamos nossa jornada e já enfrentamos perigos que a maioria jamais imaginaria — O samurai respondeu, sua voz calma contrastando com a intensidade da situação.
— Essa habilidade desafia as leis naturais. Ela é a definição de poder — comentei, perplexo.
— A habilidade não é forte por si só; é a pessoa que a torna poderosa. Essa é a grande diferença entre nós e eles. Agora, continuaremos nossa missão. Precisamos chegar ao nosso destino o mais rápido possível. — Com essa afirmação, os três partiram em disparada à frente, me deixando sozinho no túnel em chamas.
Enquanto eu tentava decidir qual seria meu próximo passo, sentia-me dividido entre avançar em busca do próximo telefone ou voltar para ajudá-los na iminente batalha que se seguiria. A indecisão me confundia, deixando-me em dúvida se deveria fugir ou lutar. Sabia que precisava tomar uma decisão imediatamente, pois qualquer hesitação poderia resultar em arrependimento posterior.