A Ascensão do Dragão Prateado - Vol. 2 Capítulo 140
Um rato. Era assim que a garota Ilona Belova se considerava.
Ela cresceu na rua, caçando qualquer migalha possível apenas para forrar sua barriga. Lutando contra diversos outros ratos em busca de conseguir meros restos, que qualquer outro ignoraria.
Por que os outros tem isso e eu não tenho?
Mas a pergunta certa não era por que, e sim o que eles tinham. Família, dinheiro, talento… Tudo que um rato como ela carecia, e tanto desejava.
Isso durou até o ‘velhote’ encontrá-la. Ele a ensinou a sobreviver nas ruas, a atirar e a pensar crítica e estrategicamente. Cada passo que a jovem deu após isso foi ensinado por ele, tornando-a o melhor ‘rato’.
No entanto, tudo tem um fim.
Ilona… você já deve ter se perguntado o por quê eu te ensinei, certo?
Sim. E não só uma ou duas vezes, a garota pensou nisso em cada dia de sua vida. Para o bem ou mal, desde jovem ela entendeu que nada vinha de graça, mas o que exatamente um rato tinha a oferecer?
Ilona não deveria, porém ainda se sentiu surpresa ao escutar estas palavras. No fim, ‘humanos’ eram todos iguais.
Vendo sua expressão acho que preciso elaborar. Foram dois motivos…
Um sorriso surgiu no rosto dele enquanto levantava o indicador.
O primeiro foi você se parecer com uma conhecida minha. E o segundo…
Ele parecia estranhamente relutante em seguir com suas palavras, mas após um suspiro ele continuou.
É simplesmente egoísmo meu. Por isso, Ilona, eu só te peço uma única coisa: Fique forte. Não apenas para sobreviver, mas também para esfregar na cara daqueles desgraçados que desprezam nossa existência que até mesmo as presas de um rato podem matá-los.
Dizer que ela não estava decepcionada seria mentira, no entanto, ao mesmo tempo, Ilona se sentiu aliviada em saber que não foi salva por pura boa vontade.
Desta forma a garota não se sentiu em dívida com ele, ou teria qualquer remorso no caso deles se separarem futuramente.
No entanto, embora esse pensamento fosse um divisor de águas para a mentalidade dela, se tornou inútil considerando o que aconteceu alguns dias depois disso.
O ‘velhote’ morreu.
❂❂❂
De volta ao presente, a jovem sentiu o vento colidindo com seu corpo enquanto corria, cruzando dentre as árvores com grande destreza.
O cheiro da mata invadiu suas narinas e o som das folhas quebrando sob seus pés foi abafado pelo barulho da corrida de Mari, que estava acompanhando-a de uma distância considerável.
‘Ela é realmente persistente’
Era claro que a espadachim não estava acostumada a correr neste tipo de terreno, parando forçadamente várias vezes para evitar árvores ou se ajustar no terreno desregulado.
De repente, Ilona freou sua corrida, deslizando pelos arbustos e separando levemente a terra como consequência.
Sacando a arma com sua mão esquerda, ela apoiou a mão direita para estabilizar antes de disparar.
Bang! Bang!
As balas cortaram o ar, abrindo caminho na direção da espadachim.
O primeiro projétil foi bloqueado facilmente, porém, ao invés de seguir o exemplo com a segunda, Mari dobrou os joelhos evitando-a ao mesmo tempo que impulsionou seu corpo para avançar mais rapidamente.
Escutando o ar assobiar em sua orelha, a espadachim passou mais perto do que o esperado e, quando deu o segundo passo, o som de um novo disparo soou.
‘Droga, eu tenho que bloquear!’
Parar seu impulso neste momento seria perigoso, mas seria pior ainda receber a bala. Por isso a jovem posicionou sua espada como um escudo, esperando impedir o projétil.
No entanto, o disparo não foi para acertá-la. Assim que ele colidiu com o solo abaixo dos pés de Mari, a jovem ouviu um leve estalo.
Os pelos da espadachim se arrepiaram e suas pupilas dilataram ao ver um leve brilho vermelho surgindo do chão.
Boooom!
— O que eu posso dizer? Eu vim preparada. — Comentando para ninguém em específico, Ilona levou uma de suas mãos até o coldre de sua arma, desatando um pedaço de pano preto e usando-o como uma máscara improvisada.
‘Ela não vai cair só com isso, infelizmente…’
A atiradora assistiu as batalhas de Mari durante a última fase do torneio, e viu que a garota teve que levar muitas pancadas antes do seu corpo ceder.
Por conta disto ela estava confiante de que a espadachim ainda não foi derrotada. Sem falar que, antes da explosão acontecer, ela havia visto sua oponente levantar a espada para bloquear a explosão.
Com isso em mente, Ilona começou a marchar na direção da cortina de poeira que foi criada pela rajada de ar.
Do outro lado, Mari rangeu os dentes escutando um zunido agoniante. Seus olhos também estavam fechados e ela diminuiu ao máximo o ritmo de sua respiração por conta da poeira que a cercava.
Sem o senso de visão, ela pode sentir com mais clareza seu estado físico atual. Além de diversos arranhões e leves queimaduras causadas pela explosão, ela havia colidido com uma árvore ao ser empurrada para trás, deixando suas costas bastante doloridas.
— Merda, isso de novo! — A jovem reclamou, ficando sua postura.
A cortina de poeira trouxe as más memórias da última fase, onde ocorreu uma situação semelhante.
‘Nunca mais, eu nunca mais vou perseguir alguém sem pensar duas vezes antes’
Da primeira vez essa ação basicamente causou sua derrota e, nesta, trouxe diversos ferimentos que poderiam acarretar em uma nova derrota.
‘Se eu sair daqui ela vai estar me esperando…’
Coçando o nariz para aliviar o incômodo, a espadachim pensou.
Sem dúvidas, sair desta ‘proteção’ seria perigoso, por isso ela permaneceu no lugar próximo a árvore com a qual tinha colidido para usá-la como cobertura se necessário.
Bang!
De repente, um disparo soou fazendo Mari tensionar os ombros e se preparar para bloquear.
No entanto, além do som do projétil, a espadachim não escutou ou sentiu mais nada. Isso deixou claro que sua oponente havia errado, fazendo a garota se sentir feliz.
— Tch! É realmente difícil calcular a movimentação de alguém só me baseando na explosão. — A voz abafada de Ilona veio de algum local bem próximo. — Isso ou ela fugiu… É considerando sua personalidade, deve ser isso.
— Eu não fugi! — Vociferando sua irritação, Mari imediatamente percebeu seu erro.
Bang! Bang!
‘Idiota’
Ilona de fato havia tentado calcular a movimentação da espadachim, mas o único motivo para ela ter dito em voz alta foi para atiçar Mari.
Conhecendo a personalidade impulsiva da garota, era óbvio que ela ia acabar se denunciando.
Enquanto isso, Mari balançou sua espada, bloqueando os dois projéteis. A poeira se espalhou junto ao fio de lâmina, e faíscas surgiram graças a colisão com as balas.
Quando o braço da jovem se esticou completamente pelo golpe, ela sentiu o toque frio da arma no seu queixo.
Uma sensação de frieza atravessou seu corpo da cabeça aos pés, e o olhar indiferente de Ilona deixou a garota levemente assustada.
‘Eu vou perder de novo?’
Click!
As balas haviam acabado.
— Ops, hehe — disse a atiradora, não parecendo afetada pelo seu ‘golpe final’ ter falhado.
Mari se sentiu incrivelmente aliviada, suas pernas e braços estavam trêmulos e ela pensou que poderia desabar a qualquer momento.
Porém, não era a hora para focar nisso.
‘Ela está no meu alcance’
Firmando o aperto no cabo de sua espada, a garota estava prestes a balançá-la quando um objeto entrou em sua visão.
Inclinando a cabeça para evitar, ela percebeu que era um cartucho, provavelmente o que Ilona esvaziou a pouco.
Voltando sua atenção para sua oponente, Mari viu que ela já estava a uma distância considerável e no processo de engatilhar novamente a arma.
‘Isso vai ser cansativo’
Gradualmente a cortina de poeira se dispersou, dando espaço para os raios solares atingirem o solo, realçando o verde da mata.
Ao invés de um clima tranquilo, que a natureza poderia fornecer, o local foi preenchido por uma cacofonia retumbante.
A colisão entre a lâmina de Mari e as balas de Ilona espalhou faíscas pelo ar. Lenta, mas constantemente a espadachim se aproximou de sua oponente, porém, a cada passo ficou mais difícil.
Concentrando-se completamente em bloquear os tiros, a garota eventualmente ficou confortável com o ritmo e, utilizando as breves pausas que Ilona fez para carregar ela conseguiu dar alguns passos a mais.
No entanto, ela falhou em perceber que isso fazia parte de outro plano de sua oponente.
Sacando a outra pistola que estava em sua cintura, dobrando a quantidade de projéteis disparados contra Mari. Ao mesmo tempo, a atiradora deu alguns passos atrás, aumentando a distância que a espadachim tentava diminuir.
— Hiss — Sugando uma grande quantidade de ar, Mari perseverou mesmo sentindo a ardência se espalhando pelo seu ombro.
Um dos tiros havia escapado pela sua defesa, rasgando sua pele e derramando seu sangue.
Aos olhos da espadachim a velocidade das balas diminuiu mas, mesmo assim, seu corpo não pôde acompanhar todas elas. O som de metal se chocando se tornou insuportável para as suas orelhas, mesmo o cheiro metálico incomodou suas narinas, porém ela ignorou tudo isso.
‘Como a água, seja como a água…’
Lembrando da forma de Honda, quem a ensinou a algum tempo atrás, Mari relaxou o corpo. Ao invés de cortá-las com força bruta, a garota optou por desviá-las com o mínimo de movimento possível.
Com um som agudo, uma bala escapou da sua espada, penetrando profundamente em seu ombro. Baixando o corpo, ela evitou um projétil antes de outro atravessar sua coxa.
Movimentando o braço, a jovem redirecionou um dos projéteis com êxito, porém este era apenas um de vários que estavam vindo.
‘Ela está muito longe!’
Olhando na direção de Ilona, a espadachim percebeu que a distância entre elas não havia diminuído.
A visão de Mari embaçou. Era como se, ao invés de ser como a água, ela tivesse mergulhado em um oceano.
‘Não… De novo não…’
Mover seus membros levou o dobro do esforço e ela não mais deu qualquer passo à frente. Seus pulmões estavam em pleno funcionamento, porém respirar ficou cada vez mais complicado e, antes dela perceber, seus joelhos encostavam no chão.
A espada pendeu em seus dedos, faltando força para segurar o cabo da arma.
Ao longe, Ilona assistiu a cena com tranquilidade. Com um sopro, ela dispersou a fumaça vinda do bico da pistola, guardando uma delas no coldre antes de carregar a restante.
Um leve estácio vindo da arma se entrelaçou com o farfalhar vindo das árvores, enquanto a atiradora se aproximava lentamente de Mari.
‘Sinceramente, eu até posso ver alguma semelhança entre nós…’
Não se tratava de aparência física ou status familiar, afinal, a espadachim parecia ter vindo de uma família estável.
Era sobre a situação que estavam, como dois ’ratos’ cercados por monstros com poderes acima de sua liga.
Ao mesmo tempo, enquanto podia ver as semelhanças, Ilona também enxergou as diferenças. A mais óbvia foi que Mari buscou a mudança através da pura força bruta, o que não funciona quando não é esmagadora o suficiente.
‘Mas isso não importa. No fim, ela é só mais uma que caiu pelas minhas mãos’
Parando a uma distância confortável da espadachim, a atiradora olhou friamente na direção da garota.
Ela não era estúpida o suficiente para se aproximar e arriscar receber um ‘impulso final’ da sua oponente e acabar perdendo. Por isso, Ilona apontou sua arma para Mari ao longe.
Pensar não é um de seus fortes Mari.
As palavras de Silver fluíram pelos ouvidos da espadachim.
E ele estava completamente certo. A garota não encontrou forças nem mesmo para rir desta situação e, observando os olhos frios de Ilona, ela sabia que a atiradora não estava afim de conversar.
— Eu… Não vou perder da próxima vez. — Embora estivesse ajoelhada, e mal pudesse mover o próprio corpo, os olhos de Mari queimaram com determinação.
— É aí que você se engana… — Um disparo ecoou na floresta e, enquanto o corpo da espadachim despencou, Ilona seguiu. — Se lutar contra mim de novo, ainda vai perder.
‘Eu deveria voltar para a “batalha principal”?’
Pensando nisso, Ilona colocou a pistola restante no coldre. Antes dela decidir seu próximo destino, uma rajada de ar atingiu sua pele.
‘Tem alguém batalhando por perto?’
Franzindo profundamente, a atiradora não teve tempo de seguir com seus pensamentos pois um objeto estranho se aproximou rapidamente de sua posição. Rolando no chão para evitá-lo, ela viu uma foice se cravar no tronco de uma árvore, antes de correr para outra para conseguir uma cobertura.
Pressionando seu corpo contra a casca áspera da árvore, ela observou enquanto uma pessoa acompanhava a arma, caindo com força contra o solo.
Era uma figura bem familiar, com cabelos cinza-escuro e uma expressão irritada e sangue escorrendo pelos seus lábios.
— Merda! Aquele desgraçado tem um punho pesado. — O jovem resmungou, aproximando-se da árvore que agarrava sua foice.
Retirando-a do aperto da casca, ele olhou para a direção de onde veio, como se estivesse esperando por algo.
Não demorou muito para outras duas pessoas atravessarem a floresta, criando diversos estrondos quando o punho de uma colidia com a espada da outra.
Mantendo o absoluto silêncio, Ilona assistiu enquanto Seiji, Cain e Arai iniciavam o conflito novamente.
‘Será que eu deveria tentar a sorte?’
Indiferente aos pensamentos dela, o trio prosseguiu com sua batalha.