A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 51
Após o embate final entre as rivais, uma cortina de poeira se levantou ao redor do local, antes de ser soprada suavemente por uma brisa natural.
Quando a área ficou visível, as figuras das duas mulheres ficaram aparentes. Ai tinha o ombro esquerdo exposto, uma marca como a de uma mordida que circulava no mesmo ponto. Leves arranhões cobriam seu rosto e braços, todos causados pelos golpes de Astrid que embora tivessem sido esquivados, a atingiram pelos chifres na manopla.
Ignorando a dor do envenenamento, o lobo ainda tinha uma expressão feroz e insatisfeita. Sua vitória não foi confirmada no ataque final e ela estava impossibilitada de continuar graças a possível interferência do seu aliado.
Astrid não estava muito melhor, cortes com profundidades variadas se espalharam por seu corpo, fruto do [Florescer tempestuoso] quem causou uma quantidade pavorosa de lâminas de ar avançarem contra ela. A serpente compartilhou a frustração de sua oponente por não conseguir finalizá-la em um único golpe.
Embora fosse a vontade das duas continuar e resolver seus rancores, porém a aproximação de Leon e Vidar as fez repensar essa decisão.
— Você…
— Nem pense em dizer isso. Se quiser realmente ajudar não se meta na minha batalha — Ai cortou a frase do lobo no meio, reafirmando sua convicção em terminar a luta.
Sem opções, ele resolveu se manter quieto. Em sua mente, no entanto, o jovem reclamou.
‘Por que quando Silver fez isso nenhuma das duas reclamou?!’
Nem todas as disputas que resultaram em um empate entre elas foram ‘naturais’. Muitas vezes o dragão prateado interveio em muitos dos seus combates mortais, porém Leon nunca ouviu uma reclamação sequer vinda das garotas.
Vidar sentiu o olhar cheio de ódio da sua irmã e, ao ver o exemplo de seu companheiro, escolheu o silêncio.
— Não é melhor vocês irem se tratar? Essas feridas parecem ruins — A dríade apareceu para salvá-los desta situação. O comentário veio principalmente porque a garota estava preocupada sobre o veneno de Astrid, o qual ela nem mesmo sabia de que tipo era.
Por que Lina seria tão cuidadosa com um membro da gangue de Silver? Quem sabe, talvez ela tenha entrado demais no personagem de ‘gerenciadora’ do grupo.
— Hmph!
Sem negar ou concordar, ambas caminharam para longe. Elas seguiram na mesma direção, mas havia uma distância larga entre as duas.
— Não se matem no caminho! — gritou Vidar quando pensou ser seguro. Infelizmente, sua irmã grunhiu em resposta, mostrando que escutou tudo.
— Ela vai te matar mais tarde, né? — perguntou Leon com um largo sorriso.
— Vai… — respondeu cabisbaixo.
— Porque você está conversando com o inimigo? — Ray questionou. Ele estava curioso a algum tempo sobre isso.
Lina e Freud, por sua vez, não pensaram nisso. Pelas interações anteriores ficou óbvio o fato dos gêmeos não serem seus inimigos.
— Silver fez um acordo com a gente — Vidar olhou para o horizonte parecendo nostálgico — nós deveríamos nos infiltrar na Ragnarok e entregar a posição de todos os membros. Foi doloroso estar do lado oposto do meu brother mas eu aguentei firme.
— Dramático — desdenhou o lobo.
‘Não foi só por um único mês? Você fala como se tivesse passado anos infiltrado’
— Diz quem destruiu um escritório inteiro por causa da traição — comentou o raiju ao lado.
Essa frase fez a serpente rir loucamente enquanto Leon tinha um olhar chocado no rosto.
— De que lado você está?
— Nenhum.
A expressão traída no rosto do homem se aprofundou, enquanto Vidar gargalhou ainda mais.
— Vamos — Se recuperando de uma nova ‘traição’, o lobo anunciou de repente.
— Onde? — questionou a dríade.
— Para outro campo de batalha. Ou você pensou que esse era o único?
Esse poderia ser o principal pois, os únicos comandantes disponíveis estavam por aqui. Mas haviam outras áreas que também precisavam ser dominadas, portanto, novos combates para travar.
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Numa larga sala de estar, uma leve brisa penetrou o local pela janela recém-destruída. Sem a interferência do vidro, a vista da cidade baixa ficou muito mais clara, porém, nenhum dos presentes se preocupou com isso.
Ting! Ting! Ting
O som incessante da colisão de metais ressoou no lugar. Esse som foi causado pela colisão entre kunais, shurikens e penas acabando por iniciar uma, não tão silenciosa, guerra de atrito.
Os participantes da luta eram Hikari, vestindo uma roupa na qual predominava o preto e um cachecol frouxo no pescoço que poderia ser utilizado como máscara de rosto.
Do lado oposto a ela estavam gêmeos, usando trajes idênticos que consistiam em uma jaqueta cinza e uma calça jeans. Ambos tinham cabelos pretos arrepiados além da cicatriz, que atravessava seus olhos em lados contrários.
A característica mais proeminente da dupla eram as asas de corvo que se estendiam por suas costas, as quais estavam constantemente atirando penas contra a kunoichi.
O trio continuou disparando ao mesmo tempo em que cruzavam a sala. Hikari alterou o ângulo, velocidade e até força dos lançamentos, porém as falhas de um sempre eram cobertas pelo outro. Contrariando a diferença nos números, os gêmeos foram suprimidos em poder de fogo.
— Hugin… Ela é forte — Desta vez a dupla não compartilhou frases.
— Sim Munin, vamos ter que usar aquilo.
Por sempre ter trabalhado como assassina, a kunoichi adotou muitos costumes da profissão. Seu silêncio era um dos exemplos disso, afinal, ela não matou por gostar e sim pelo trabalho, porém, escutando esses nomes não pôde deixar de falar.
— Vocês são idiotas? — Mesmo fazendo uma pergunta tão ofensiva, sua expressão permaneceu estóica — Hugin e Munin literalmente faziam parte de Odin, por que diabos eles se juntariam ao assassino dele?
Seu tom não transpareceu a incredulidade da garota. Os corvos mensageiros traziam o conceito de sabedoria, algo completamente desperdiçado nesses dois projetos de galinha.
— Hugin eu acho que… — começou um — ela não gosta de nós — finalizou Mugin.
Parando de se mover, Hikari percebeu que suas posições haviam se invertido. Quando os gêmeos apareceram, ela estava em frente à janela e eles próximos da entrada. No chão, os projéteis já atirados jaziam junto aos estilhaços de vidro.
O que nenhum dos corvos percebeu foi a posição das sombras no local. Se olhassem de perto, veriam uma sombra parecida com uma linha a qual atravessava todos objetos perfurantes no piso.
Neste momento Hikari moveu sua mão e como consequência, todo projétil que foram tocados pela linha voltaram ao ar. Desta vez, todos eles se moveram contra os gêmeos, fechando qualquer rota de fuga.
Era difícil imaginá-los saindo disso sem ferimentos sérios.
No entanto, algo estranho aconteceu. A visão da kunoichi girou e a batalha passou como um replay por seus olhos com uma diferença crucial, ela compartilhou o ponto de vista de um dos irmãos.
Quando retornou ao momento atual da batalha, sua vista normalizou e suas pupilas se contraíram. A cena que lhe deu boas-vindas foi a de seu próprio ataque sendo lançado contra ela.
Não foi possível descrever o choque sentido ao presenciar seu golpe se voltando contra si de uma forma tão estranha. Mesmo chocada manteve a expressão estóica, trabalhar com assassinatos por anos não foi em vão.
Seguido de um rápido gesto de sua mão, várias linhas semelhantes à do chão surgiram, cortando por todos os projéteis, seja os desviando ou partindo-os ao meio.
— … —
Travando seu olhar nos gêmeos, a kunoichi ponderou por alguns momentos e, após hesitar por algum tempo, decidiu perguntar:
— Sigh… Como?
Era a pergunta que todo vilão de terceira gostaria de responder. Pensando em encurtar a batalha o máximo possível, ela pagou para ver se eles eram tão burros quanto imaginou.
— A fim de esclarecer suas dúvidas, pequena raposa…
— É preciso se aprofundar em suas memórias…
A decepcionando, essa dupla adotou uma postura inesperadamente enigmática no que seria seu discurso vilanesco.
— Por que nós não…
— Damos uma olhada no futuro?
Os corvos sorriram, mas Hikari ignorou este detalhe e investiu contra eles. Desta vez, a comandante optou por arrastá-los para um combate corpo-a-corpo.
Quando ficou de frente com eles, ela foi engolida pelas sombras sob seus pés. No momento seguinte, a comandante ressurgiu da sombra de um deles, perfurando sua arma contra aquele mais próximo.
E então, subitamente a mente da garota travou. Não houve resposta quando tentou mover seus membros e ela só conseguiu observar as asas do inimigo se afiarem como lâminas, antes de atravessarem seu peito.
Sangue escorreu e ela olhou para os gêmeos, que tinham sorrisos estampados no rosto.
— Não é tão…
— Divertido né?
Escutando isso, a kunoichi fechou os olhos e aproveitou a escuridão por alguns momentos.
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Piscando múltiplas vezes, encarou a vista da cidade enquanto o brilho das explosões eram refletidos por suas pupilas.
— Nós…
— Previmos isso…
Ouvindo as mesmas palavras do início da luta, Hikari se virou para Hugin e Munin com seus olhos azul-gelo brilhando com uma luz fria. Sua decisão já havia sido tomada. Ela os mataria hoje e, não seria por ser seu trabalho.
— Como foi…
— Vislumbrar o futuro?
A escuridão na sala não escondeu o sorriso no rosto dos corvos.
— Hugin?
— Sim, Munin?
— Acho que a raposa não gosta de nós…
Coberta pelas sombras do lugar, a comandante encarou seus oponentes enquanto, ironicamente, planejava seu futuro.