A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 52
Uma história bastante clichê. Duas crianças tornadas órfãs, por uma situação da qual não faziam ideia da razão.
Desde quando se consideraram gente, foram só os dois e mais ninguém. Assim, eles decidiram proteger um ao outro não importa o que.
Para órfãos, sobreviver vivendo em uma cidade baixa era próximo do impossível. Os gêmeos tiveram que agarrar qualquer oportunidade que aparecesse em busca de sobreviver outro dia.
Isso sem contar o perigo de outros ‘moradores’ os atacarem no meio dos becos escuros.
— Querem vir conosco?
Um casal de idosos perguntou, trazendo esperança aos garotos. Eles aceitaram a oferta, afinal, mesmo entre toda escuridão deve haver alguma luz, certo? Errado.
As crianças não foram exatamente bem recebidas pelos outros inquilinos da casa. Durante os próximos anos, cada tarefa, das mais simples às mais complicadas, se tornaram responsabilidades deles e caso não fosse concluída, a punição era pesada.
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Em um porão, onde o cheiro de mofo e podridão se espalhava pelo local, dois garotos estavam agachados enquanto espremiam-se num abraço para afastar o frio.
O lugar era pequeno e tinha uma única janela quadrada e sem vidro que impedisse a entrada do ar. Por ela, os gêmeos escutaram um alto grasnar de corvos antes de verem os donos do barulho pousando nela.
Este foi o primeiro contato entre os mensageiros de Odin e as crianças.
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No ano seguinte, a dupla fez o possível para serem ‘punidos’ e por que? Porque assim poderiam ver seus novos amigos.
Os corvos, Hugin e Munin, ensinaram eles a falar e escrever, além de contar várias histórias sobre suas ‘aventuras’ e sobre seu rei.
Todas as feridas causadas por conta das punições, se tornaram irrelevantes comparado aos pequenos momentos felizes que tinham graças a companhia deles. Assim, os gêmeos decidiram continuar com isso.
Por conta disso eles viviam machucados e, estranhamente, seu tempo com os corvos curavam suas fraturas. Um dia, ao cometer outro erro, um dos garotos foi espancado. Não satisfeito com as feridas deixadas na criança, o velho decidiu deixar uma marca permanente nele.
Esta que acabou por ser um corte, atravessando o seu olho esquerdo. Quando foram mandados de volta ao porão, o outro escolheu ter uma cicatriz ‘legal’ como a de seu irmão.
— Preocupação é desnecessária crianças. Odin há de não deixar-nos a esmo.
Hugin abriu este assunto de repente, ele provavelmente sabia o que estava por vir.
— Aconselhamos que vocês escolham sabiamente seus próximos passos…
— Pois caso decidam trilhar o caminho ao qual vislumbramos em seus futuros…
— Nós lhe aguardaremos nos portões de Valhalla.
Os corvos pronunciaram, completando as frases um do outro, algo que os gêmeos acharam maneiro. Sem dar tempo deles pensarem profundamente sobre essas palavras, Hugin e Munin avançaram contra eles antes de desaparecerem, deixando apenas suas penas para trás.
Pouco tempo depois, barulhos estrondosos puderam ser ouvidos vindos da porta em que ficava a entrada do porão.
— “Quer vir conosco?” Eles disseram. Mal sobrevivi a minha saída triunfal e já tenho que lidar com esses pedaços de merda — disse uma voz infantil cheia de ressentimento.
Ele estava coberto por sangue e era difícil identificar sua aparência precisamente. Os gêmeos encararam o jovem fixamente até o mesmo finalmente os perceber.
— Oh! Vocês foram enganados por eles também? — perguntou ele, somente para receber o silêncio de ambos.
— Então… Nomes?
Seu tom era meio incerto. Após a demonstração anterior, o garoto não esperava conseguir uma resposta.
— Hugin… — começou um e, então — e Mugin — finalizou o outro.
— Prazer em conhecê-los. Querem vir comigo? — A proposta foi semelhante à dos velhos, porém, as circunstâncias eram diferentes. Por isso, os gêmeos concordaram em acompanhá-lo.
Alguém que caiu no mesmo truque que eles não poderia ser ruim, certo? Novamente, errado.
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Voltando ao presente, Hikari encarava os gêmeos friamente. Sua vontade era avançar imediatamente mas, a ‘visão’ anterior fez ela repensar essa decisão.
Silenciosamente repassando tudo que sabia sobre a mitologia envolvendo os corvos. Embora a kunoichi não fosse nenhum expert no assunto, aprender história surpreendentemente era necessário para se tornar um bom assassino. Afinal, ninguém queria ter um Herácles na sua cola depois de finalizar ele uma vez.
Resumindo seu conhecimento em algumas palavras junto a experiência anterior, ela deduziu algumas das possíveis habilidades dos gêmeos.
Sem mais espera, a garota se integrou às sombras partindo para provar sua teoria.
— Uma tentativa fútil de…
— Desviar do destino.
Novamente uma linha sombria se enrolou em seus pescoços, porém, desta vez sem encostar na pele. Quando o evento se repetiu, sua teoria sobre a habilidade foi provada.
Eles não se incomodaram em se mover, com expressões cheias de arrogância disfarçada como sabedoria.
Nos próximos momentos, uma situação peculiar aconteceu. Hikari ‘dançou’ por toda a sala de estar. Às vezes atirando shurikens e kunais ou então usando linhas feitas de sombra, o mais estranho é que os ataques nunca acertaram os gêmeos além dela subitamente trocar de lugar com eles. Outras vezes a garota parava de repente, como se tivesse uma disputa de olhares com seus oponentes.
Após alguns minutos, a kunoichi decidiu parar de testá-los e finalizar o assunto.
Ela reiniciou seus ataques à distância, desta vez, focando em separar a dupla. Ao mesmo tempo, sombras se estenderam formando um círculo no piso abaixo dos gêmeos.
Repentinamente, as sombras saíram do chão formando mandíbulas que cobriram a visão dos dois antes de devorá-los. Ainda que o ataque tivesse dado certo, a garota aguardou por alguns momentos para ter certeza que era real.
Quando garantiu o fato, a kunoichi também afundou nas sombras. Embora a luta tenha ficado mais fácil, ainda não havia acabado.
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Memória, termo que muitos usavam para se referir a Munin. Mesmo errado, esta ‘cópia’ do corvo assimilou em suas habilidades.
De acordo com as deduções de Hikari, enquanto o gêmeo mantivesse contato visual com o alvo, ele poderia espelhar suas memórias na mente dele e então alterar levemente o passado. Portanto, ela o levou para seu próprio território.
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Munin após ser engolido pelas sombras se viu em um lugar escuro. O corvo mal podia ver um palmo à sua frente, no entanto, essa escuridão não apagou a fúria que sentia.
— Onde meu irmão está!? — gritou encarando os arredores.
Não havia mais arrogância ou falsa sabedoria em seu tom, simplesmente pura raiva. O homem também perdeu o jeito relaxado de antes.
— Hm? Acho que você esqueceu as… Pausas enigmáticas — desdenhou Hikari, sua voz não veio de uma localização específica mas sim ecoou por todos os lados. Desta forma tornou impossível do inimigo localizá-la.
— Preocupações são desnecessárias, vou te mandar para o mesmo lugar que ele… Valhalla não era? — A garota continuou o provocando, porém, desta vez claramente tal som veio do ponto atrás do corvo.
Sem pensar duas vezes ele moveu suas asas, atirando suas penas para o local. Não satisfeito com isso, o homem similarmente disparou contra todos os outros lados.
Com uma visibilidade tão baixa, Munin não tinha como confirmar a morte de sua inimiga. Desafortunadamente, a resposta veio de uma maneira indesejada.
Quando se preparava para fuzilar os arredores novamente, sentiu uma leve brisa passar por sua bochecha. Procurando descobrir o que foi isso, deslocou seu rosto para a origem da sensação. Péssima escolha.
Um corte surgiu em sua face, provavelmente causado pelo movimento. Surpreso, o corvo tentou movimentar suas asas, braços e pernas só para receber o mesmo resultado.
— Você…!
Lentamente, ele começou a sentir as ‘lâminas’ se apertando e causando mais ferimentos em si.
A situação não parecia boa para ele e, enquanto pensava em uma forma de reverter o cenário, uma chance de sorte surgiu. Hikari cometeu um erro, este que a permitiu ser vista por um instante. Isso foi o suficiente para suas ‘memórias’ serem alteradas e ela se encontrar na posição anterior do corvo, retendo as mesmas feridas que causou a ele.
Foi um erro idiota e a kunoichi sabia disso, na verdade, ela só não finalizou a luta antes por orgulho. Durante sua ‘sonda’ sobre as habilidades do duo, era perceptível que os inimigos trataram seu empenho como um jogo. Se eles fizeram isso, por que ela não poderia?
Um ato mesquinho de vingança trouxe esse problema para a garota e ela não reclamaria das feridas, elas serviriam como uma lição para si impedindo que se descuidasse assim outra vez.
— Como é a sensação de se cortar? — Voltando à aproximação brincalhona, o corvo comentou.
Quase morrer esfriou sua mente um pouco. Se o inimigo estava tentando provocar ele a não muito tempo atrás, seria mais eficiente usar o corpo de seu irmão para atraí-lo, mas não usou, isso quer dizer que ela não o têm.
Confirmar a condição de seu gêmeo trouxe clareza a sua mente. Agora só restava lidar com uma assassina que pode usar sombras ao seu favor… Em um lugar escuro…
‘Mas que piada de mal gosto’
Por outro lado, Hikari se libertou de suas próprias linhas e preparou o movimento seguinte.
‘Sem mais brincadeiras nem vingança. Agora isso é um simples assassinato’
Ambos mudaram seus pensamentos sobre a batalha, a derrota não era uma opção.