A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 57
Caminhando sozinha por um terreno gramado e silencioso, uma garota franziu parecendo excepcionalmente incomodada.
Ela tinha cabelos curtos e pálidos com olhos vermelho-sangue que brilhavam perigosamente ao refletir a luz da lua. A roupa que utilizava lembrava o uniforme de freiras e, oposto a ‘gentileza’ passada por tal profissão, uma foice nada amigável estava apoiada em seu ombro.
Beliscando o nariz buscando parar de sentir aquele cheiro o qual era tão proeminente aqui, Akame continuou sua caminhada pelo local.
— É bom finalmente encontrar um igual — Uma voz soou abruptamente.
Se voltando para a origem dela, um homem… Ou um esqueleto quem sabe, encontrava-se sentado em uma lápide. Sim, este terreno era na verdade um cemitério.
Ao redor de ambos, vários outros túmulos se encontravam.
O odor que irritou tanto o coelho foi o perfume da morte. Chame do que quiser dádiva, maldição ou até mesmo benção, após o contrato com Mash, a jovem recebeu a habilidade de ‘farejar’ a morte.
Graças a isto, era possível descobrir se alguém estava prestes a morrer, mesmo que não fosse por doença. Infelizmente, sua localização atual foi desvantajosa para ela, afinal, a morte literalmente fazia residência aqui.
— Iguais? Já se olhou no espelho? Moon disse que era importante para se conhecer — A garota comentou olhando estranhamente para seu inimigo.
Ele vestia um capuz que impedia qualquer vislumbre de seu rosto. Sombras cobriram o restante do corpo deixando somente um queixo magro e pálido a vista.
— Arauto da morte, veio para fazer piadas ou lutar? — Talvez insatisfeito com a resposta recebida, o homem questionou.
— Lutar? Eu vim matar você — Inclinando levemente a cabeça, Akame proclamou.
— Que assim seja. Porém, aqui é meu domínio.
O barulho maçante de terra sendo escavada soou e analisando seus arredores, o coelho viu diversas mãos saindo da terra. Cada pessoa que um dia foi enterrada aqui, acordaram abruptamente de seu descanso.
— Heee~ mas a morte é meu território — Os olhos da garota brilharam de forma sinistra, trazendo um arrepio para a espinha do necromante.
Tirando a mão do nariz, ela apontou a foice para o homem e sua atitude mudou completamente. A garota inocente e ingênua desapareceu, deixando um ceifador impiedoso em seu lugar.
Com exceção da matriarca que já lutou ao lado de Akame, Seiji e os outros ficariam chocados por essa mudança.
— Por ter ultrapassado sua jurisdição e se metido no caminho de Silver, eu te sentencio à morte — Seu tom era gelado e o rosto incomparavelmente frio durante esta declaração.
Um motivo bastante mesquinho para matar alguém, porém isso não importava realmente. Ele era o inimigo e tinha que morrer, simples assim.
Movendo seu corpo, ela moveu a foice em forma de meia-lua e diversas cabeças subiram ao céu, todas pertencentes aos recém despertos. Sem perder tempo, a garota avançou contra o necromante enquanto enviava diversos outros ao descanso eterno.
Os mortos-vivos não foram obstáculos em seu caminho sendo facilmente eliminados por ela e logo, Akame alcançou o homem. Poderia ser só impressão dela, mas naquele momento ele parecia sorrir por trás do capuz.
A resposta chegou não muito após, por meio do ataque surpresa de um inimigo desconhecido. Essa pessoa, se assim pudesse ser chamada, vestia manoplas com quase o dobro do tamanho de seu punho e, tinha partes do esqueleto expostas pelo corpo mostrando fazer parte dos ‘soldados’ revividos.
O coelho tinha sua foice tremendo levemente, porém, a frieza em seu rosto se manteve.
— Atacar… Mestre… Eliminar — Uma voz pesada e rouca saiu do morto-vivo, que mal conseguiu pronunciar palavras completas.
Junto a um movimento da garota, o monstro perdeu o braço e o membro caído começou a se deteriorar rapidamente começando da área onde o corte foi feito. Mesmo não sentindo dor com o acontecido, a falta do membro deixou seu mestre desprotegido.
Balançando a foice novamente, Akame partiu duas flechas e desviou uma terceira. Em uma das lápides mais a fundo, foi possível ver o perpetrador segurando um arco em suas mãos.
— Muitos dizem que o poder não importa muito quando se morre…
Dando um passo atrás, a lâmina curva cortou o ar decapitando outro inimigo enquanto novos saíram da terra ao redor.
— [Estilo Crawford – Dança do Deus da morte]
Após essas palavras, a ceifadora literalmente dançou através de seus inimigos.
A arma nas mãos da garota ganhou um tom sombrio quando ela performou um giro completo, lançando diversos outros crânios ao ar. Logo após, choveram flechas e a quantidade de projéteis deixou claro que não havia mais somente um atirador.
Tal coisa não a impediu de continuar seu massacre. Com movimentos fluidos os quais deixaram um rastro negro para trás, todos os tiros foram interceptados antes de se aproximarem dela.
— Mas para mim, eles só tornaram-se úteis após a morte — O necromante continuou falando, sem se importar com a falta de reações vindas da garota.
— Olhe bem para minhas marionetes, elas não são lindas?
Akame cruzou o lugar aumentando o ritmo a cada passo. Durante sua marcha, todos os inimigos no caminho foram eliminados enquanto a garota circulava a lápide onde o homem sentava.
A linha obscura traçada pela foice atravessou o cemitério alcançando os arqueiros a distância e, em seguida, a lâmina os separou.
Uma visão de cima mostrou que essas linhas expandiram se uniram, formando um alvo com o necromante como centro.
— Não importa se é feio ou bonito, minha foice não distingue aparências.
O par de olhos escarlate analisou os arredores do local, haviam alguns corpos ainda em processo de se deteriorar mas os túmulos da maioria deles estavam destruídos. Ao contrário da face fria que Akame demonstrava, seus pensamentos não eram assim gelados.
‘Tantas memórias e lamentos. Quantos membros de suas famílias não virão vê-los só para encontrar seu lugar de descanso revirado… Este poder sente tão… Sujo’
Esse pensamento a lembrou quando Silver falou com ela sobre seu poder.
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Em um quarto prateado e dourado com detalhes vermelhos, uma garota se encontrava sentada na única cama presente no local.
De tempos em tempos seus ombros tremiam e, somado ao soluço que poderia ser escutado, era fácil presumir que ela estava chorando.
A porta do lugar foi aberta e o choro junto ao corpo dela pausaram completamente. Por alguns momentos o recém chegado não falou nada, tornando esse silêncio mais incômodo.
— Aconteceu algo? — perguntou um jovem com uma voz gentil e calorosa.
Sentando ao lado da garota na cama, ele permitiu que ela se apoiasse em seu ombro enquanto ainda agarrada a um coelho de pelúcia.
— Eles… Me chamaram de monstro — respondeu Akame com os soluços retornando.
A palavra monstro era considerada próxima a um tabu para si. Isso a perseguiu desde sua infância, após ter se tornado uma [Contratante]. Ela pode ter deixado ambos, seu pai e o passado para trás, mas as cicatrizes ainda estavam lá.
Alguns minutos se passaram e durante esse tempo, Silver deixou o pequeno coelho chorar com o conteúdo do seu coração.
— Primeiro, quem te chamou assim? — Quando a sessão de choro terminou, o dragão prateado perguntou tranquilamente.
Dependendo desta resposta ele iria decidir suas ações seguintes. Se fosse um dos membros da gangue, este já poderia se despedir da luz do dia, pois não a veria mais.
Por outro lado, caso o insulto tenha vindo de um inimigo, a aproximação seria completamente diferente.
O silêncio deixou claro se tratar de um inimigo que provavelmente já foi eliminado. Ela sabia que seria estúpido remoer palavras desse tipo de pessoa, porém, era difícil não fazê-lo considerando seu histórico.
— O oponente sempre vai tentar te distrair com truques ou insultos, você precisa aprender a ignorar isso — começou simplesmente ressaltando fatos.
Ofensas eram usadas como uma forma de abalar o psicológico do outro lado, palavras vazias ou sem base alguma seriam usadas para provocações, portanto, era essencial aprender a desconsiderá-los.
— Meu coelhinho não é mau. Talvez um pouco travessa, mas está longe de ser ruim — Com um sorriso caloroso no rosto, o jovem assegurou.
— Eu não sou travessa! — Essa frase fez a garota inflar as bochechas — … Mas… E o meu elemento? — Levantando o rosto com olhos ainda cheios de lágrimas, Akame perguntou.
A morte era sinônimo de medo e terror para muitos, somente mencioná-la seria o suficiente para intimidar milhares. De volta ao seu mundo anterior, alguns humanos diziam ver ‘beleza’ nela simplesmente para cobrir o quão malignas suas ações eram.
— Natural… — murmurou Silver acariciando os cabelos da garota — o ato de falecer é tão natural quanto o de nascer. Em outras palavras… — Acompanhando mais uma pausa, a atenção dela se concentrou totalmente nele.
— Com toda certeza, você é a coisa mais natural neste mundo. Não importa o que qualquer outro diga, para mim, Hana sempre vai ser meu pequeno coelho.
— Hihihi — Mesmo com um sorriso florescendo em seus lábios, lágrimas escorreram por suas bochechas.
Isso era tudo que ela precisava ouvir. Um grande peso foi retirado do seu coração graças a essas simples, mas ainda sim, sinceras palavras. Sem perceber, Silver resolveu um problema ao qual mal se lembrava de ter.
Desse dia em diante, o sorriso de Akame se tornou várias vezes mais genuíno e brilhante do que já foi.
— Bem, minha coelhinha aparentemente também é uma chorona — comentou enquanto olhava para seu ombro molhado.
— Silv estúpido! — Embora ela estivesse tentando parecer insatisfeita, sua expressão não combinou com isso.
E este dia terminou com ambos, coelho e dragão aproveitando de uma paz merecida.