A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 58
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- Vol.2 Capítulo 58 - Capítulo 58: Passados espelhados
Uma trilha de fumaça negra fazia sua presença em certo cemitério causando um clima sombrio se formar no mesmo, isto é, caso este lugar algum dia foi algo que não fosse sombrio.
Sobre uma das várias lápides presentes, um homem o qual não era possível ver o rosto graças a sombra causada pelo capuz que ele vestia estava sentado. Ao redor do mesmo, diversas figuras humanóides se encontravam serviam como seus guarda-costas.
— Como esperado de um semelhante, sem piedade alguma — comentou o homem enquanto encarava seu ‘igual’.
Longe dali, havia uma jovem cercada de corpos que lenta mas consistentemente acabaram por se desintegrar, deixando somente certa quantidade de fumaça negra no ar.
— … — Ela não respondeu, lançando um olhar gelado para ele e então, iniciando seu avanço.
— As outras crianças e até mesmo meus pais me chamavam de… — Sem se incomodar com a falta de resposta da garota, o necromante iniciou seu discurso.
— Por favor, não me venha com uma historinha de ‘ninguém me entende’ porque eu não dou a mínima — Interrompendo a palestra pouco depois de começar, Akame disse com menos frieza e mais irritação.
Mesmo seu ataque foi pausado, se resumindo a uma caminhada lenta na direção do inimigo. Isto deu espaço para os mortos-vivos a rodearem, porém ela não se incomodou com isso.
Um punho se aproximou de seu rosto antes de subir ao ar. Antes dela ter a oportunidade de finalizar o atacante com um leve mover do corpo, a ceifadora assistiu uma faca cortar onde sua garganta estava.
Por que ela não revidou? Simples, pois no momento seguinte a jovem se agachou para evitar que outra lâmina a atingisse.
Diversas sombras aproximaram-se dela, atacando uma após a outra sem dar espaço para nenhum descanso. Após minutos de pura esquiva, foi possível ver claramente a aparência dos atacantes.
Além do fato de todos serem mortos-vivos, Akame notou semelhanças demais entre eles, mais como um padrão. Eles usavam capuzes idênticos embora as formas e tamanhos das adagas em suas mãos fossem diferentes.
Os arqueiros e combatentes restantes também tinham algo do tipo, fato que deixou a garota um pouco enojada.
‘Ele vestiu os corpos por acaso?’
O pensamento sozinho incomodava. Impedindo a continuação de seus devaneios, flechas foram disparadas em perfeita sincronia com as investidas dos ‘assassinos’. Logo, os inimigos restantes também se juntaram, deixando a ceifadora em uma situação complicada.
— Alegre-se por ser a atração principal do meu [Réquiem] — declarou o necromante.
Após a declaração, todos mortos-vivos se tornaram mais agressivos em seus avanços, parecendo apoiar as palavras do seu mestre.
Ser o alvo de ataques contínuos, e que pareciam intermináveis obviamente não deixou Akame nenhum pouco feliz. Seguido de um movimento do seu pulso, a foice negra atravessou vários assassinos reduzindo levemente o número de inimigos.
Sem tempo para comemorar esta pequena vitória, flechas foram disparadas contra a garota. Fazendo sua arma se mover como uma hélice ela refletiu todos os projéteis sem problemas.
Acompanhado de uma pequena explosão, um punho equipado com uma manopla atingiu o local onde a garota estava. No entanto, a mesma já havia saído do chão, pairando em frente aos olhos do agressor.
Sem pausa, a perna da ceifadora se moveu em um chute circular, que pareceu replicar a forma com que sua lâmina o fez deixando o mesmo rastro negro para trás. Enquanto a cabeça do morto-vivo caia, Akame lançou seu corpo novamente ao ar usando ele como apoio.
— [Estilo Crawford – Abismo] — Ao ecoar de tais palavras, o mundo perdeu suas cores por alguns instantes.
Durante este tempo, a foice cortou formando um círculo completo enquanto liberou uma rajada de névoa obscura a qual percorreu grande parte do cemitério, consequentemente encobrindo todos inimigos nesta área.
A face encoberta do necromante tornou impossível dizer se ele sentiu medo quando o nevoeiro pausou seus avanços pouco antes de atingi-lo.
Quando a neblina se dispersou e o local finalmente pôde ser visto por completo, todos mortos-vivos haviam desaparecido sem nenhum resquício da sua existência para trás.
Uma coisa estranha foi que, embora os inimigos tenham sido aniquilados completamente, tanto a grama quanto as lápides permaneceram intocados. Um terceiro poderia pensar que a luta nem mesmo havia começado pois fora alguns túmulos vandalizados, não haviam outros sinais de que uma batalha teria ocorrido ali.
‘Assim como Silver disse, quanto mais controle sobre o meu elemento, menos danos colaterais’
Akame ainda podia se lembrar claramente da primeira vez que usou seu próprio elemento. Foi durante sua ‘fuga’ de casa, onde a garota se viu perdida em uma ‘floresta’ qualquer e, por puro azar, acabou sendo perseguida por um ‘animal selvagem’.
O resultado? Claro que, com um corpo desnutrido somado ao cansaço da caminhada não exatamente ajudou durante a perseguição e, eventualmente ele a alcançou.
Por puro instinto, a ceifadora utilizou seu elemento para eliminar a ameaça. Isso acabou afetando também a floresta graças a falta de controle dela sobre o poder, este que apagou uma grande área da ‘floresta’.
Dias após o acidente, os donos do local descobriram o espaço destruído no seu terreno, porém, decidiram enterrar a informação.
Era claro pelo nível da destruição que o responsável não era alguém normal e mesmo se fosse, ainda estava longe de ser um indivíduo com o qual eles poderiam mexer sem consequências severas.
Embora tal ocorrência fosse comum entre os [Contratantes] naturais, esta experiência deixava uma marca permanente neles. A situação de Akame foi inegavelmente ruim, no entanto, acredite ou não existiam situações piores.
Como durante uma discussão com um familiar, por exemplo, dependendo do elemento seria uma morte dolorosa para o parente em questão, além do trauma sofrido pelo [Contratante].
A batalha retornou ao seu estado inicial, onde não havia um exército e ambos lutadores estavam separados por uma distância considerável.
— E então minha semelhante, tudo que você fez foi reiniciar nossa batalha. Como pretende prosseguir? — O necromante apontou parecendo entretido com a situação.
— Primeiro de tudo, nós não somos iguais. E além disso, alguma hora seus soldados vão acabar — respondeu a garota, ainda demonstrando neutralidade em seu tom e expressão.
— Olhe bem para onde estamos, ceifadora. Aqui tenho quantas marionetes eu desejar, e você não pode fazer nada para impedir.
Embora ela estivesse escondendo isso sob uma fachada fria, o homem viu claramente durante sua primeira ‘convocação’ que Akame se incomodou ao ver seus soldados. Portanto, o necromante decidiu pressioná-la para descobrir quanto tempo essa atuação iria durar.
E ele acertou em cheio com esse pensamento. A garota não ficou nem um pouco feliz por destruir as ‘lembranças’ de alguns sobre seus entes queridos. Eliminar inimigos estava longe de ser algo que impactasse muito nela mas, embora os mortos-vivos fossem considerados como tal, não eram realmente eles quem estavam lutando.
Sem se incomodar com os pensamentos de Akame sobre isso, o necromante convocou seus soldados mais uma vez.
A cada inimigo eliminado a garota sentiu sua consciência pesar e, junto a outra saraivada de flechas, ela encontrou uma oportunidade de finalizar o necromante.
Baixando seu centro de gravidade se posicionando paralela ao chão, a ceifadora pousou sua foice sobre o ombro enquanto sua visão travou na brecha que traria um fim à luta.
— [Estilo Crawford – Piedade] — Um sussurro saiu dos lábios da garota antes da sua figura desaparecer, deixando apenas o rastro do caminho traçado por ela e sua lâmina.
Esse movimento foi executado fluída e rapidamente, como as milhares de vezes nas quais fora treinado e utilizado.
Atravessando todo o campo de batalha, Akame reapareceu atrás do necromante enquanto seu braço formou uma meia-lua pelo que aparentava ser o último golpe desta disputa.
Neste momento, a lua brilhou mais forte durante a queda do necromante enquanto alguma felicidade surgiu nos olhos da garota.
Felicidade essa que não durou muito, afinal, embora os mortos-vivos houvessem pausado seu avanço, eles não desapareceram.
‘Não me diga que…’
Clap! Clap! Clap!
Sob o toque gentil da luz que iluminou a residência dos mortos, uma jovem caminhou pela grama com um sorriso pendurado em sua face.
Ela usava um vestido branco pálido e de mangas longas contrastando com o tom moreno de sua pele. Já seus cabelos eram pretos e alcançaram sua cintura e uma franja se formou sob a testa da garota.
— Não esperava de você, Thánatos, minha semelhante — A voz da recém-chegada era gentil e acolhedora, como se estivesse falando com um velho amigo.
Desta vez Akame não refutou imediatamente, se resumindo a observar sua ‘igual’. O par de olhos vermelho-escarlate silenciosamente observaram aqueles violeta e a ceifadora não pôde deixar de se surpreender com essa coincidência absurda.
Era como olhar num espelho, onde o seu reflexo mostrava uma aparência completamente oposta à sua enquanto mantinha a mesma face.
‘Mas eu não tenho uma irmã gêmea… Ou tenho?’
— Quem é você? — Neste momento, a garota desistiu de lutar e decidiu tentar descobrir quem exatamente era esta pessoa.
A possibilidade de ser um [Contratante] com habilidades de disfarce foi descartada há muito tempo, pois a garota já mostrou que conseguia controlar os mortos.
— Oho? Sem mais tratamento de silêncio? — comentou a recém-chegada com óbvio sarcasmo — Pode me chamar de Zoe Sigel, ou então, irmã se preferir.
Mesmo após iniciar a conversa, os passos de Zoe não diminuíram nenhum pouco, enquanto ela se aproximava lentamente de Akame.
— Não tenho nenhuma irmã como você… — Essa frase soava mais como uma pergunta do que como uma afirmação.
Considerando a personalidade do seu pai, a possibilidade dele esconder o fato de ter outra filha não era nula.
‘Inferno, ele poderia ter até outra família e ainda sim não daria explicações para um “monstro” ‘
— Agora está disposta a ouvir minha historinha de ‘ninguém me entende’? — Uma pergunta retórica mas, de qualquer forma, Akame assentiu em confirmação.
Agora a apenas alguns passos de distância da ceifadora, a necromante finalmente parou sua caminhada antes de olhar profundamente para a entrada do cemitério.
— Parece que não temos tanto tempo quanto eu pensei, então vou fazer um resumo bem básico.
Isso fez com que a jovem de cabelos brancos procurasse sentir algum inimigo ou aliado nos arredores, mas seu olfato acabou sendo assaltado por todo cheiro de morte no local, impedindo-a de sentir qualquer amigo ou inimigo do lado de fora.
— Começou quando virei uma [Contratante], no mesmo dia em que minha mãe morreu — Houve uma leve pausa enquanto uma expressão nostálgica apareceu no rosto da garota — Meu pai não me culpou. Pelo contrário, ele julgou minhas mudanças físicas como consequência da morte dela. O homem conhecia os [Contratantes] normais e não sabia sobre os naturais… Acredita nisso?
Escutando até este ponto da história, Akame teve certeza de que eram pessoas diferentes embora a situação fosse semelhante.
‘Por que eu duvidei disso em primeiro lugar?’
— Quando descobri sobre a morte dela eu não aceitei, e decidi ‘consertar’ isso com os poderes que o contato me deu… — Suspirando pesadamente ela continuou — Um erro… Foi uma ideia ingênua e estúpida mas eu usei meus poderes para ‘reviver’ minha mãe.
Sim, o elemento de Zoe não tinha nada a ver com controle forçado dos mortos ou necromancia. [Fagulha da vida] como ela chamou a habilidade, era nada mais nada menos que a criação de vida artificial.
Algumas de suas ‘criações’ poderiam manter fragmentos de consciência, permitindo que eles mantenham alguns traços do antigo dono do corpo. Havia também em cada um deles a lealdade instintiva à sua criadora, silenciando qualquer rebelião antes da mesma acontecer.
— Como você pode imaginar, ele não gostou nenhum pouco da ‘nova’ mãe que eu criei e, como todo ser humano age perante algo anormal, meu pai me tratou como um monstro.
Novamente suas histórias se cruzaram, a vida das duas garotas seguiu como um espelho. Ambas caminharam na mesma direção, embora as situações tenham ocorrido de formas opostas e, ainda sim, terminaram do mesmo jeito.
E aqui estão elas, novamente se encontrando em lados contrários de uma única batalha.
— Eu acho realmente irônico que nós, anomalias, sempre sofremos quando alteramos a linha natural das coisas… — Zoe comentou antes de ser interrompida por sua ‘irmã’.
— Nós não somos anormais! Silv disse que somos a coisa mais natural neste mundo! — Akame gritou, sem perceber sua aparente consideração pelo inimigo.
— Nós? Você é mesmo… — A jovem sorriu ao perceber que a ceifadora passou a considerar ela realmente como uma igual.
‘Imagino como seria se eu também tivesse me encontrado com ele…’
Infelizmente Zoe não pôde aproveitar o momento pois um cipó surgiu do chão, fazendo com que ela se afastasse da garota de olhos escarlate.
— Nosso tempo acabou… Te vejo numa próxima Thánatos — Deixando essas palavras para trás, a jovem fugiu enquanto seus soldados impediam os cipós de alcançá-la.
Pensando sobre a pessoa que acabou de conhecer, a qual viveu uma vida igual a sua própria, Akame fez outra escolha que mudaria sua vida assim como quando se encontrou com Silver.
‘Eu vou encontrá-la de novo. Sem matar ou salvar, só quero saber mais sobre ela’
— Tudo bem? — Uma voz preocupada veio de Lina observando a silenciosa ceifadora.
Akame olhou furiosamente para a dríade, se olhares matassem a jovem com certeza já estaria morta há muito.
— O que há de errado com ela? — Vidar perguntou a Leon, quem simplesmente deu de ombros.
Sem respostas, tudo que os jovens puderam fazer foi sentir pena do alvo desse olhar, afinal, a futura matriarca era a única quem iria sofrer sem saber o por quê não é?