A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 61
Nuvens negras cobriam o céu de uma tão chamada cidade baixa. A chuva era forte, mas não o suficiente para lavar os numerosos pecados cometidos nesses becos e vielas.
Splash!
Em meio a toda essa chuva, uma criança corria desesperada pelo lugar sem se importar nenhum pouco com quão molhada estava.
Qualquer um poderia dizer que ela estava procurando alguém ou algo, graças ao fato dela olhar para todos os lados a cada curva feita.
A situação não era anormal para este lugar pois, muitos pais se ‘perderam’ dos filhos por aqui e ninguém se importou o suficiente para ajudá-los a encontrá-los, nem os mesmos se importavam em procurar.
O tempo se passou e o desespero da criança só aumentou. Suas pernas já mal aguentavam o peso de seu próprio corpo, mas ele ignorou isso e continuou correndo em meio a chuva.
Após alguns minutos a criança caiu, espalhando a água da poça que se formou abaixo de si. Com o mundo girando loucamente aos seus olhos, ele tentou ao máximo se manter acordado e levantar.
Um esforço inútil, pois, ele nem mesmo conseguia organizar seus pensamentos enquanto sua visão ficava cada vez mais escura.
— Hm? Você parece estar numa situação meio molhada não é? — Uma voz que ele não conhecia brincou. Piada que a criança acharia completamente sem graça se ainda pudesse escutar algo.
A audição dele registrou tudo como se ele estivesse submerso na água. Seu cérebro somente processou as falas do desconhecido como sons abafados e indecifráveis.
— Sem reação? — O desconhecido se aproximou, observando os olhos da criança que, embora abertos, estavam completamente desfocados — Oh! Então ainda está acordado mas ainda semiconsciente… Boa força de vontade!
Após essas palavras o corpo do jovem caiu, indicando um óbvio desmaio.
— Elogiei cedo demais… Sorte a sua que você parece ter potencial ou talvez esse seria o fim da sua história.
❂❂❂
Abrindo os olhos, a criança se viu em um lugar nada familiar, levantando a guarda logo quando percebeu isso.
— Nossa bela adormecida acordou — Se virando para quem falou, ele foi recebido com a visão de alguém mais velho que si.
Era um jovem com cabelos laranja e de olhos azuis, usando roupas boas demais para alguém que vivia neste tipo de lugar. Isso o fez ficar muito mais alerta, procurando qualquer rota de fuga possível.
O lugar era um quarto simples, com uma cama única onde ele mesmo estava deitado e de somente uma porta também.
— Com medo? — perguntou o desconhecido começando a sorrir de forma selvagem — Por que você deveria est…
Interrompido por um tapa forte na cabeça, o jovem se virou para a fonte com um olhar injustiçado.
— Pare de tentar assustar o filhote assim — Uma jovem de cabelos pretos amarrados em coque e olhos azuis gelados disse, sem um pingo de emoção em sua voz.
— Mas, fizeram pior comigo! — gritou o jovem indignado.
— Quer sofrer aquilo de novo?
Só de pensar no que um certo coelho o fez fazer nos seus primeiros dias aqui, o garoto sentiu um arrepio e preferiu manter o silêncio.
— Coisas importantes primeiro. Qual seu nome filhote? — perguntou a garota, voltando sua atenção à criança que se assustou por um momento, imaginando de onde ela veio pois sua atenção estava completamente na porta e ele não a percebeu entrando.
— Sigh, ok, meu nome é Hikari e o idiota logo ali é Leon — disse Hikari, gesticulando para que a criança fizesse o mesmo.
Quando ele abriu a boca para falar a porta foi aberta violentamente, dando visão para uma menina de cabelos brancos e olhos vermelhos, que parecia muito animada.
— Silv me falou que temos um novo membro, então eu vim ver! — exclamou, travando seus olhos na criança antes de correr para perto dela.
— Eu sou Akame Hana, mas pode me chamar de Hana — afirmou orgulhosamente apontando para si com o polegar — E você?
— Me-meu nome é R-raymond — respondeu por reflexo o jovem.
— Rayray? Silv me deu um pequeno Ray, quer ver? — Ela perguntou e, sem nem mesmo esperar, arrastou o jovem que, embora tentasse muito, não conseguiu se soltar de seu aperto.
Por volta de uma hora depois, Raymond já havia se acalmado e escutado muito sobre alguém chamado Silv. Além de aprender bastante sobre a garota chamada Akame Hana e sobre alguns dos membros deste lugar.
Aparentemente Amaya Hikari era a vice-comandante do lugar, que tinha só cinco integrantes por sinal. Enfim, a ‘garota fria’ era quem mantinha as coisas em ordem aqui, embora ele pensasse que não havia muito o que pôr em ordem considerando o número de residentes daqui.
Leon Hardie foi o último a chegar, e Akame contou sobre como ela fez o ‘garoto estúpido’ vestir uma roupa fofa de lobo durante algumas semanas de sua chegada.
‘Bem feito para ele!’
Miyuki Ai acabou por ser a terceira a se juntar, fato que fez Raymond se perguntar o porquê dela não ser a vice-comandante até Hana dizer que Hikari era mais experiente em assassinatos e outras coisas.
‘Eu não ofendi ela por não ter dito meu nome, né?’
A garota disse muitas coisas sobre si para ele, mas o jovem só assimilou que o chefe do lugar, a quem ela chamava de Silv, a encontrou em uma situação ruim e cuidou dela desde criança.
Hana mostrou uma foto com o dito cujo, que tinha cabelos prateados e olhos dourados, além de não parecer muito intimidante realmente. Ele foi o único a recrutar todos aqui e era respeitado por eles, fora o fato de fazer parte de muitas das histórias da garota.
Seu objetivo em trazê-lo aqui não estava claro e isso deixou Raymond incomodado. A garota que o arrastou até aqui aparentava ser inofensiva mas, embora ele não se considerasse o mais forte entre seus amigos, o jovem também não era o mais fraco e ser arrastado tão facilmente por ela deixou claro que sua força anormal.
Após ele terminar de digerir toda informação, a porta do lugar se abriu, e o tal Silv entrou.
— Eu vejo que Hana te explicou algumas coisas — disse ele.
‘Foi tudo planejado?’
Ao pensar nisso Raymond percebeu que tinha se acalmado até demais para alguém em sua situação, olhando para a garota ele não viu nenhum sinal de que a situação foi armada, mas, o ‘chefe’ do lugar pareceu ter feito de propósito.
‘Ok, ele acabou de ficar mais perigoso’
— Não precisa se preocupar Rayray, Silv não é uma pessoa ruim — assegurou Hana, ao ver o quão tenso o jovem estava.
‘Pessoas ruins nunca dizem que são ruins!’
A aparência da garota fazia difícil de acreditar que ela antecipou tudo isso, mas o sorriso no rosto do recém-chegado dizia o completo oposto.
— Agora que está mais calmo, vamos começar com as apresentações — disse o jovem antes de continuar — Eu sou Silver Crawford, e você?
— Raymond, sem sobrenome.
— Ok filhote, qual a razão de você estar correndo na chuva?
Essa pergunta fez o jovem levantar a guarda de novo.
— Por que você me trouxe aqui? O que quer comigo? — questionou Raymond, abrindo uma distância confortável entre si e Silver.
— Eu vi algum potencial e te trouxe para cá. Tome essa conversa como uma entrevista para seu recrutamento — O jovem respondeu, antes de gesticular como se dissesse ‘é sua vez’.
Ainda que tivesse suas suspeitas, a criança não encontrou falsidade na resposta então decidiu responder com sinceridade.
— Meus amigos desapareceram. Por isso eu sai para procurá-los — A resposta não tinha detalhe algum, deixando claro que ele não confiava em Silver.
— Entendi, o que acha de se juntar a nós? — Foi um convite súbito, mas Raymond parecia leal o suficiente dado a forma e motivo da situação em que ele foi encontrado.
— Vantagens? — O garoto ainda queria procurar seus amigos, mas pausou para ouvir a oferta.
— Proteção e apoio para encontrar quem você procura — respondeu Silver.
— E o que você quer em troca? — Uma pergunta estúpida e o jovem sabia disso, porém ele precisava confirmar.
— Por um, força algo que você dificilmente tem a quantidade necessária. E lealdade, simples não acha? — Raymond semicerrou os olhos, a pessoa em sua frente acabou de insultá-lo para então pedir algo raro ao menos no lugar onde ele nasceu e cresceu.
Lealdade era coisa rara de se achar em uma cidade baixa. Pegue qualquer pessoa na rua, de crianças a idosos e a chance dela te trair seria tão alta que alguns diziam ter o mesmo significado de falar que a água é molhada.
— Eu aceito — Após considerar por alguns momentos, o garoto aceitou.
Não haviam muitas opções para ele e a oferecida parecia tentadora. O grupo era pequeno, algo que facilitava sua integração embora ainda estivesse desconfiado de Silver.
Hana foi um dos principais motivos para Raymond aceitar o acordo, quer dizer, se o ‘chefe’ criou ela desde criança ele não deveria ser uma pessoa completamente ruim. Isso considerando a personalidade da garota.
— Yay! — A garota exclamou animada.
Observando a reação de Hana para sua integração ao grupo, o jovem sorriu levemente.
‘Talvez não seja tão ruim assim…’
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Cerca de sete meses se passaram desde a entrada de Raymond no grupo. Neste meio tempo, muitas coisas aconteceram.
Primeiro de tudo, sua relação com os seis membros fundadores. Silver acabou por ser um dos mais próximos de si durante esse tempo, sendo ele quem dirigiu seu treinamento, tanto para artes marciais quanto assuntos mais estratégicos.
Outro ponto a se dizer sobre isso foi que, boa parte das suas manias foram tiradas desta mesma pessoa sendo ele sua base para moldar a personalidade própria, tornando Silver praticamente uma figura paterna. Algo que Raymond não admitiria em voz alta.
Akame Hana era uma irmã mais velha para o jovem. Mesmo sem nenhuma intenção de fazê-lo, ela trouxe felicidade a ele em todos momentos frustrantes, seja no treino ou na procura por seus amigos.
Raymond e Miyuki Ai não se encontraram muito durante este tempo, mas ela trouxe a sensação de ser alguém confiável, ao menos muito mais que Leon.
Falando do autoproclamado lobo, o jovem ainda tinha algumas desavenças com ele, porém, isso era mais por uma rivalidade do que ódio por si só e isso foi um progresso.
Toda vez que o garoto se deparou com Amaya Hikari acabou sendo estranha. A mulher de alguma forma conseguia ser fria e calorosa ao mesmo tempo, fato que o deixou intrigado já que ele nunca descobriu como exatamente ela fazia isso.
Hikari também ajudou com o treinamento quando Silver não estava disponível e, mesmo sem um título oficial, o garoto se considerou o sexto comandante do grupo.
Falando nisso, o número de membros aumentou bastante desde sua chegada, estando pouco abaixo dos 150 atualmente. Estes se separaram em quatro grupos diferentes:
As [Death foxes] lideradas por Hikari; Os [Wrath Wolves] 1ª e 2ª divisões, lideradas por Miyuki e Leon respectivamente; Por fim, membros sem uma afiliação específica, basicamente os ‘faz-tudo’. Estes lidavam com missões que os últimos três não queriam ou cooperação com eles para concluir algumas das operações mais cansativas.
Silver nunca realmente nomeou o grupo como um todo e Raymond estranhou mas não tocou no assunto, acreditando ter um bom motivo por trás.
— Preparado filhote? — perguntou o jovem de cabelos prateados.
Outro fato interessante que o garoto descobriu foi que seu pa… Chefe tinha quatorze anos e o mesmo serviu para todos fundadores com exceção de Hikari, que era um ano mais velha.
— Se eu conseguir passar, você vai parar de me chamar de assim? — O garoto não odiava esse apelido mas, ser chamado assim toda vez já frente dos outros era vergonhoso.
— Quem sabe…
‘Ele com certeza não vai’
Concluiu o jovem ouvindo essa resposta tão pouco convincente.
Onde a dupla estava e pelo que exatamente Raymond passaria? Bem, eles vieram até uma montanha onde pessoas começaram a desaparecer frequentemente.
Rumores se somaram até ser confirmado que havia uma [Ruína] por aqui e, esse foi o motivo pelo qual ninguém voltava após se aventurar neste lugar
Ambos vieram aqui para que o garoto tivesse sua chance de se tornar um [Contratante], e o mesmo tinha esperanças de conseguir este poder para lidar com as pessoas que pegaram seus amigos.
Raymond não parou sua investigação nem por um dia sequer mas, as informações adquiridas só apontavam ser um sequestro e qualquer pista encontrada sempre liderava a um beco sem saída.
Frustrado, o jovem decidiu se tornar forte o suficiente para ir contra quem quer que estivesse atrapalhando suas investigações. Por isso eles vieram até aqui.
— Então… Está esperando o que? Prove seu valor — Silver comandou, tirando o garoto de seus pensamentos.
— Só estava pensando em como eu chutaria sua bunda depois de me tornar um [Contratante] — Raymond disse sorrindo.
O dragão prateado só deu de ombros com um sorriso arrogante, deixando bastante explícito o que ele achava disso.
Embora isso tenha o irritado, Raymond decidiu que era o momento certo para fazer uma pergunta a qual nunca achou uma oportunidade certa para fazer.
— Por que você odeia heróis?
Pelo que ele viveu, Raymond estava longe de ser desiludido por contos heróicos, a real pergunta em sua mente era ‘qual a razão para Silver parecer tantas vezes mais um herói realista do que alguém que só diferencia o forte do fraco?’
Em sua visão, o jovem de cabelos prateados sempre ajudou aqueles que estavam sob ele e, mesmo sendo chamado de demônio, nunca foi um tirano em seu próprio território.
Se ele desprezava tanto os fracos, porque todos os fracos em seu território viviam uma vida fácil dentro de seus domínios?
— Um dia você vai entender filhote.
Sabendo que essa conversa não daria em nada, Raymond decidiu entrar logo na [Ruína]. No entanto, após apenas dois passos ele parou.
— Qual problema? Com medo? — Silver perguntou parecendo se divertir com a situação.
— Sabe… Como eu posso estar possivelmente caminhando para minha própria morte — Se virando com os famigerados ‘olhos de cachorro molhado’ ele continuou — Será que você poderia me dar um dos seus cigarros?
— Você é muito novo para isso, filhote estúpido — Uma resposta imediata, como se já esperasse pelo pedido.
— Tch!
Raymond não perguntou de novo e simplesmente caminhou enquanto resmungava algumas coisas que Silver pôde ouvir claramente.
Mal sabia o garoto que esta [Ruína] somada a uma simples folha de papel que encontraria em sua mesa após sair desta, o levariam a uma escolha da qual se arrependeria pelo resto de sua vida.