A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 63
Qualquer pessoa normal precisa sofrer um golpe muito forte para perceberem que estavam fazendo algo errado, ou então, de forma errada. Você e eu? Nós precisamos que o mundo literalmente desmorone à nossa volta para então, considerarmos e só considerarmos que estamos caminhando pela rua errada.
Olhando para a criança que criou apontando suas presas para ele, rodeados por prédios destruídos como consequência de sua batalha, Silver comprovou a verdade nas palavras de seu irmão.
‘Como eu odeio quando você está certo!’
Ainda mais se tratando deste tipo de situação acontecia de forma tão literal, esfregando na sua face o quanto seu irmão sabia mais sobre si que ele mesmo.
Deixando isso de lado, Silver avançou contra Kagami enquanto ignorava completamente Raymond. Falando objetivamente o cara era o elo mais fraco da dupla, além de ser um poço de fraquezas, cuja maioria seria fatal.
O dragão prateado acreditou que a única razão do homem ainda não estar morto foi o espírito que possuía.
‘Fraqueza número um, ele só pode refletir golpes que vê’
Kagami viu um punho se aproximando rapidamente de sua face mas, diferente de pessoas normais, que tinham como instinto desviar, ele não se moveu. Focado completamente no soco, o homem só percebeu ser uma finta quando um chute atingiu sua costela no mesmo lugar que antes.
‘Fraqueza dois, um amador completo em lutas. Ele provavelmente deixou as pessoas baterem nele ao invés de aprender a bater de volta’
Chamá-lo de amador era um insulto para os mesmos. Com um espírito deste tipo, Kagami provavelmente pensou que aprender artes marciais seria fútil.
Isso tornou fácil enganá-lo com fintas e pequenas distrações graças a sua inexperiência em lutas corpo-a-corpo.
Rolando no chão, o homem gritou de dor tanto pelo golpe quanto pelos destroços que colidiu durante o percurso. Os gritos pareciam bastante exagerados na visão de Silver, o jovem tinha certeza de que nem mesmo Hana choraria tanto se recebesse uma pancada dessa mesma intensidade.
Essa linha de raciocínio abria a deixa para a terceira fraqueza.
‘A tolerância a dor desse cara é inexistente’
Desorientado pela dor sentida, Kagami não conseguiu reagir quando Silver agarrou sua cabeça, esmagando-a violentamente contra o chão.
Levantando o homem, agora de rosto irreconhecível, o dragão prateado atravessou o peito dele de mãos vazias, finalizando sua vida.
Raiva, arrependimento ou tristeza. Seja lá o que Kagami sentiu antes da morte foi irrelevante, perante seu próprio companheiro e aquele quem tirou sua vida.
— Precisava do chute? — Raymond perguntou, um pouco indiferente demais para alguém que perdeu o parceiro.
— Sabe como é, eu tinha que colocar algum medo no oponente restante… — respondeu Silver enquanto largava o corpo frio de Kagami — Funcionou?
— Não, você já me preparou para esse tipo de situação.
— Oh, eu realmente fiz…
‘Cara que situação estranha… Eu sinto como se tivesse criado ele para me matar…’
Era impossível considerando sua personalidade, mas o sentimento estava lá.
— Não é ruim você ter me deixado matar ele? Quer dizer, você não vai sair daqui mas… A morte dele pegaria mau na sua organização né?
Dependendo da organização, perder um membro seria um golpe forte aos seus números.
‘Se bem que eles com certeza estão perdendo vários membros aqui…’
— Um sacrifício honroso para te matar no fim — Raymond disse casualmente.
O homem deixou claro que inventaria uma história onde com esforço conjunto, somado a muito suór e sangue, a dupla conseguiu matar Silver mas seu companheiro acabou não resistindo.
— Você criou algum hábito estranho de esfaquear as pessoas pelas costas enquanto esteve fora? — perguntou curiosamente.
‘Eu não te ensinei essas coisas que só fracos usam’
Raymond não respondeu e ambos entraram em modo de batalha, observando cuidadosamente seu oponente.
Eles eram como espelhos, desde a expressão indiferente em suas faces até sua postura era a mesma. O único som na área foi das explosões ao fundo, enquanto a dupla se olhava sem falar.
Boom!
Ao soar de outra explosão eles colidiram novamente no meio. Durante esse encontro, diversos espinhos se formaram do terreno arruinado cortando em direção a Silver. Porém, eles não se aproximaram o suficiente antes de serem derretidos por chamas prateadas.
Raymond não teve tempo de se chocar antes de arrastar a luta para outra disputa corpo-a-corpo, mesmo sabendo estar em desvantagem.
Ondas de choque formaram-se a cada golpe trocado e a área ao redor parecia mais e mais um cenário apocalíptico, com o piso fervendo quase ao ponto de se tornar magma.
Sangue escorreu da boca e do rosto de Raymond, cortesia de todos os socos e chutes do dragão prateado. A dor era negligenciável mas, o fato dele estar perdendo não era.
Bloqueando outro soco, ele viu os dedos de Silver se aproximarem rápida e perigosamente do seu olho, mas não teve tempo de reagir. Por sorte, o jovem parou no meio, dando tempo o suficiente para ele revidar e evitar o perigo.
Desviar deste possível desastre fez Raymond suspirar em alívio embora ainda mantivesse a expressão indiferente. Já Silver franziu com força, olhando para seus punhos.
‘Eu acabei de hesitar?’
A situação era simples, um traidor voltou depois de muito tempo, ignorando completamente a chance que ele deu por permiti-lo sair com apenas alguns ferimentos. Mais claro que isso impossível, ele já fez isso antes então, por quê ele estava hesitando?
— Essa situação me traz lembranças… — comentou Raymond tocando seu olho destruído.
Silver sabia o que o homem implicava sobre essas ‘lembranças’. Foi durante a fuga do garoto, quando ele ‘escapou’ após causar uma comoção.
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Entre as ruas mal iluminadas de uma cidade que já fora sinônimo de pecado, um homem vestido completamente de preto fazia seu caminho com excessiva cautela.
Havia um silêncio ensurdecedor no local, como se o próprio lugar estivesse antecipando o que estava para acontecer.
Boom!
Diversos prédios explodiram de repente, se haviam pessoas dentro ou não, somente quem planejou isso sabia.
Os passos do homem de preto aceleraram, enquanto ele ignorava as explosões. Cruzando becos e vielas como alguém que conhecia o lugar como a palma de sua mão, ele passou por alguns prédios demolidos. Diversos moradores surgiram para ver o que aconteceu, mas nenhum tentou ativamente ajudar com as chamas que devoravam as construções.
Algumas outras figuras apareceram para lidar com o fogo, porém o homem desviou delas focando no seu próprio destino.
Minutos depois, ele finalmente chegou onde desejava e estava prestes a suspirar em alívio quando começou a ouvir passos de suas costas.
— Saindo sem avisar. Meio rude da sua parte, não acha Raymond? — comentou com um tom sarcástico.
— Não precisamos fazer isso…
— Realmente, só me dê um motivo para você ter feito essa merda… — Sua voz continha alguma tristeza, mas ela foi lentamente consumida pela raiva — Um que não te torne um maldito traidor!
— … — Não haviam desculpas para sua fuga e ele também não mentiria, portanto, manteve o silêncio.
— Que seja então.
Sem mais conversa Silver avançou contra o, agora traidor, Raymond. O homem conseguiu bloquear o primeiro ataque, porém, não teve tanta sorte durante o segundo.
— Argh! — Mesmo com sua tolerância, o homem gritou de dor ao ter seu olho direito destruído. No próximo segundo, vários socos atingiram sua face de diversos ângulos diferentes.
Quando a série de ataques cessou, Raymond caiu de joelhos no chão com o rosto ensanguentado.
Vendo o estado miserável do homem, Silver sentiu uma fagulha de remorso, que ele suprimiu rapidamente antes de segurar o seu queixo forçando-o a olhar para si.
— Considere esse, meu último ato de piedade para você. Mas eu juro, que se você se atrever a voltar para cá… — Olhando no fundo do olho de Raymond ele terminou — Eu mato você!
Sem se importar com a reação dele, Silver saiu de lá. Como o homem sairia na situação que estava? Não era mais da sua conta, não mais.
Encarando seus punhos manchados de sangue, o dragão percebeu um leve, quase imperceptível tremor em suas mãos. Tateando suas roupas, ele tirou um cigarro de seu bolso antes de acendê-lo com uma chama prateada que surgiu em seu dedo.
— Que noite de merda…
Fumaça saiu de seus lábios e o dragão prateado levantou a cabeça olhando para a lua que parecia excepcionalmente escura hoje.
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Raymond deslizou após ter bloqueado outro golpe antes de bater com o pé no chão, criando novos espinhos que avançaram contra Silver.
Chamas prateadas colidiram com os ataques causando leves explosões, que pareciam pouco se comparadas àquelas que deram início à guerra.
A dupla trocou diversos outros golpes e, a cada um deles, Silver pôde rever a cena do tempo em que ele treinou o garoto. A lua brilhou mais forte, salientando o reflexo do passado que o jovem via.
Ele viu cada detalhe ensinado sendo usado contra si, e no fundo do olho de Raymond o jovem viu mais uma vez a razão pela qual o havia recrutado.
Desespero. O mesmo tipo que Silver via todo dia no espelho após ter perdido seu irmão e Selena.
Ambos se afastaram abruptamente e os golpes cessaram, como se eles houvessem combinado antecipadamente.
— Sabe, eu sempre quis ver seu máximo…
Raymond olhou para seu oponente enquanto relaxava sua postura, ele estava confiante de que Silver não atacaria e nem recusaria sua proposta final.
— Como nos velhos tempos. Um golpe — propôs o homem.
Um golpe era um teste que o dragão prateado fazia após certo período de tempo. Dizer ‘um golpe’ queria dizer que ele usaria todo seu poder em um único ataque.
Vitória e derrota seriam definidos num ataque derradeiro.
Foi um método eficiente de julgar o nível de força alcançado por Raymond naquela época e, como era um costume entre eles, seria adequado para finalizar as coisas.
— Um golpe.
Sorrindo ao ouvir esta resposta, o traidor começou a se preparar. Seus músculos dobraram de tamanho, suas veias pulsaram loucamente enquanto as manoplas em seus punhos ganharam uma nova forma.
Cabeças de urso se formaram na arma, parecendo reais o suficiente para assustar uma pessoa comum.
Por outro lado, chamas prateadas se comprimiam na palma de Silver. O calor destas chamas derreteu o chão abaixo do jovem mas, no geral, elas não aparentavam ser ameaçadoras.
Nuvens escuras se formaram no céu, encobrindo a lua outrora brilhante trazendo um clima pesado à cena.
Sem mais enrolação, Raymond carregou contra seu oponente criando múltiplos espinhos que o seguiram neste ataque final. Silver fez o mesmo, com chamas prateadas enchendo a área enquanto investiram contra os espinhos.
Ambos ataques colidiram, cobrindo os arredores com explosões que destruíram mais construções, espalhando ainda mais destroços pela área.
Quando a dupla se encontrou no centro, Raymond envergou seu corpo para trás enquanto cerrava o punho direito. Essa ação criou um grande momentum para o ataque no momento em que voltou. O ar pareceu fugir de seu punho enquanto o golpe desceu como um martelo contra Silver.
— [Punho forte]!
O dragão prateado, no entanto, simplesmente moveu a chama em sua palma esquerda contra o punho do homem sem uma palavra.
— [Alvorecer prateado]
Um sussurro leve, que soou como um grito saiu dos lábios de Silver pouco antes dos ataques se encontrarem.
Por alguns instantes, a cor prata consumiu o mundo. Quando essa luz morreu, o resultado da luta foi revelado.