A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 64
Nuvens escuras cobriram o céu da cidade baixa. O lugar, que queimava com as chamas da guerra parecia estar em uma anormal calma.
As explosões cessaram e mesmo o crepitar das chamas fora silenciado pelo clima do lugar.
Lentamente gotas e gotas despencaram, eventualmente se tornando um temporal. Este que não ajudou em nada a lavar todo sangue derramado durante as batalhas.
Em uma área da cidade, duas pessoas jaziam indiferentes à chuva que os cobria. Ao redor da dupla haviam vários prédios destruídos e mesmo no chão onde eles pisavam, existiam indícios da batalha que aconteceu.
— Satisfeito? — perguntou Silver enquanto gotas de chuva escorriam pelo seu rosto. Ou eram lágrimas? Difícil dizer.
— Não… Muito…
Chamar o estado em que Raymond estava de miserável seria um eufemismo. Seu braço direito desapareceu e havia um buraco em seu peito, grande o suficiente para uma mão atravessá-lo sem impedimentos.
Despencando de costas contra o chão, o homem assistiu a chuva lavá-lo sem forças para nem mesmo cobrir o rosto.
— No fim… Eu… Nem mesmo os vi… — Havia pausas a cada palavra que ele dizia, a única razão por ele ainda poder falar neste estado foi pela sua força de vontade.
Um de seus dois maiores arrependimentos foi não conseguir ver seus amigos, mesmo quando eles estavam a nada mais que uma parede de distância dele.
— Você…
— Encontro eles para você? Eu posso fazer. Só me diga com quem estão.
— Os… [Inumanos].
Essas palavras deixaram claro para Silver o motivo do grupo ser enviado para cá. Mas isso era irrelevante agora
— Por que?
Uma pergunta aberta demais para a situação atual. Por quê ele veio até aqui, por que não planejou melhor… Existiam muitos porquês que cabiam a esta pergunta.
— Eu… Vivi do meu jeito. Nada mais justo do que… Morrer aos meus termos.
Raymond não queria morrer. Afinal, quem queria? Seu desejo era passar o resto de sua vida junto aos seus amigos, Silver, Hana e todos os outros.
Seu segundo maior arrependimento, o de ter traído sua figura paterna, seria resolvido hoje e, esperançosamente, seus amigos poderiam viver uma vida longa graças a Silver.
— Descanse tranquilo, eles vão viver.
‘Mas seu pedido chegou tarde para caralho!’
Se Raymond pedisse para ele antes, nada disso precisaria acontecer e o garoto não morreria hoje. Seja por orgulho ou por não acreditar que Silver poderia ajudá-lo, sua queda foi culpa somente dele.
Poupar Raymond? Isso nunca foi uma opção, nenhum dos dois escolheria tal saída. O homem sabia o que estava fazendo quando voltou e, solução outra que pela morte ia contra os ideais da dupla.
Houve um silêncio momentâneo onde, apenas a respiração fraca do homem e o barulho da chuva puderam ser ouvidos claramente.
— Pai… Agora que… Eu estou literalmente batendo nas portas da morte… — Com uma pequena pausa para respirar, ele continuou — Pode me dar um dos seus cigarros?
— Nem pensar, você é novo demais para isso… Meu filho estúpido.
‘Palavras tão familiares… Me pergunto se é tão quanto ele faz parecer’
A resposta instantânea fez com que Raymond sorrisse. Ele nunca fumou antes pois, havia colocado em sua cabeça que se fosse fazer, seria com um cigarro entregue por Silver. Por que? Simplesmente porque o dragão prateado se recusava a deixá-lo provar.
Em suma, uma competição infantil criada por si que só ele e Silver faziam parte.
Com esse pensamento em mente, Raymond fechou os olhos e sua respiração parou completamente.
Percebendo o que acontecera, o jovem voltou seus olhos para seu filho vendo claramente o sorriso preso em sua face. Se aproximando, ele viu as bordas do que parecia uma foto saindo de um bolso do corpo.
Retirando a foto e vendo o que havia nela, os olhos de Silver ganharam um tom prata por alguns instantes antes de voltar ao normal.
Chamas prateadas cobriram o corpo de Raymond enquanto o jovem fechava os olhos, suspirando com o cenho franzido.
— Mesmo com a guerra acabando, meu trabalho não terminou…
Virando de costas, Silver deu passos largos para fora deste lugar. No meio do caminho, ele procurou por algo em seus bolsos só para dar um suspiro ainda mais longo.
‘Claro que não estão aqui, quem precisa de cigarros afinal?’
Ele estava procurando o maço que pegou ‘emprestado’ com John em prol de salvar a vida do cara, que provavelmente não viu isto desta forma.
Infelizmente eles foram queimados, seja quando ele convocou sua [Armadura real] ou durante o uso de suas chamas sem ela.
Qualquer um que fosse, tornou sua noite ainda pior.
— Que noite de merda…
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No dia seguinte, as chamas da guerra foram completamente apagadas pela chuva, deixando apenas os prédios destruídos como sinal de sua passagem pelo lugar.
Mesmo para aqueles que não eram especialistas no assunto, foi fácil de dizer que levaria um bom tempo para a cidade voltar ao que era.
Ignorando isso, os moradores que usufruíam da proteção de Silver se juntaram àqueles quem sofriam nas mãos de Fenrir. Claro que nenhum deles tinha objeções quanto a trabalhar, pelo contrário, eles estavam mais do que felizes em contribuir de alguma forma com aquele quem os salvou.
Assim, o projeto de reconstrução da cidade ganhou mais mão de obra, acelerando o processo. Isso tudo sem que Silver sequer pedisse por ajuda.
Enquanto os moradores ajudavam com a reconstrução pós guerra, o dragão prateado estava se preparando para finalizar os alguns negócios relacionados a sua gangue.
Em uma sala, onde o tom branco era predominante entre as paredes, teto e até mesmo chão, cerca de 50 pessoas estavam de pé esperando pelas palavras de uma única outra.
Sentado no único banco presente no local, Silver tinha o queixo apoiado em seu punho, olhando indiferente para o grupo que parecia nervoso.
— Vocês sabem o por que estão aqui não é? — O jovem parecia interessado na resposta.
O grupo se entreolhou, suplicando para algum outro tomar essa bala por eles. Nenhum dos presentes era burro, eles sabiam que deu tudo errado no momento em que foram chamados aqui.
— Já sei! Deve ser porque o chefe reconheceu nosso trabalho, então nós vamos ser designados para alguma divisão — Um deles respondeu, sem parecer nenhum pouco confiante em sua resposta.
Todos eles faziam parte dos faz-tudo e uma promoção para qualquer divisão seria um grande salto. Suor frio escorria por sua testa, enquanto ele rezava para que Silver concordasse consigo.
— Sim, vocês trabalharam muito e eu reconheço isso — Ninguém do grupo teve tempo de se sentir aliviado antes de outra bomba cair sobre eles — Mas para quem exatamente vocês trabalharam?
O silêncio reinou na sala, enquanto o grupo se entreolhava outra vez. A única saída estava atrás de Silver e nenhum deles era um [Contratante] então sair pela parede foi impossível para eles.
Suas mentes giravam buscando formas de fugir, mas nenhuma foi viável para a situação atual.
Enquanto eles pensavam nisso, a fonte de seu medo levantou da cadeira lentamente. Todos eles travaram, assistindo cada movimento que Silver fez nos mínimos detalhes. Cada centímetro que ele se movia era como se uma lâmina se aproximasse de suas gargantas.
Finalmente um deles não aguentou mais essa espera e, com um grito de guerra, ele avançou furiosamente contra o dragão prateado. Isso provocou uma reação em cadeia e todos os outros seguiram o exemplo, investindo contra Silver com seus próprios gritos de guerra.
O alvo do grupo simplesmente arregaçou as mangas e aguardou sua chegada. Todos na sala sabiam que sangue seria derramado, mas nenhum deles tinha a opção de recuar.
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Uma jovem, com cabelos pretos e olhos azul-gelo pôde ser vista encarando uma porta como se estivesse esperando alguém.
Alguns minutos atrás, gritos soaram de dentro da sala a sua frente mas, logo, o silêncio permaneceu. Não demorou muito para que uma pessoa saísse de lá.
Ele tinha cabelos prateados e olhos dourados porém, além disso, desde suas mãos até seus antebraços estavam manchados de sangue.
Vendo Silver sair, Hikari ofereceu um lenço para o jovem que prontamente aceitou e começou a limpar o sangue. Quando ele finalmente terminou, a garota voltou a falar.
— Você poderia só ter usado suas chamas para evaporar o sangue não? — A kunoichi comentou, fazendo o jovem olhar para ela com uma expressão traída.
— Vo… Quer saber, esquece — Desistindo de perseguir o assunto, Silver ignorou isso e o fato dela claramente estar se segurando para não rir.
Queimando o lenço até não sobrar mais nada, ele começou seu caminho para o lugar que mudaria o destino de toda essa cidade.
— Todos estão reunidos?
— Sim, assim como você pediu.
Sem palavras desnecessárias, a dupla saiu do local deixando de lado o que aconteceu na sala. Haviam coisas mais importantes para resolver.
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Reunidos no hall principal da base, todos os membros do grupo de Silver, mesmo os temporários, aguardavam sua chegada.
Hikari havia passado para eles que o dragão prateado tinha um anúncio importante a fazer e a presença de todos era necessária.
Muitos dos membros estavam se perguntando onde estavam os faz-tudo. Com toda certeza eles não deveriam se atrasar quando quem os convocou foi o chefe, portanto, algo tinha que ter acontecido.
Quando o jovem chegou acompanhado da sua vice-comandante ele não disse nada, simplesmente caminhando até seu trono recém-construído.
A ideia foi cortesia de Moon que, além de ter um igual no seu próprio território, logo, ela e Silver tinham algo combinando, entendeu que seria necessário para o dragão prateado estabelecer dominância após essa guerra.
O trono foi simplesmente para dar um impacto visual maior. Algo necessário graças aos eventos recentes.
Enquanto ele passava, todos os integrantes se separaram em suas respectivas divisões com seus líderes permanecendo à frente deles.
Dois dos membros temporários foram os únicos a ficarem perdidos. Desnecessário dizer que eram Mari e Seiji. Tecnicamente a dupla não fazia parte de nenhuma divisão, nem mesmo a dos faz-tudo, por isso surgiu em suas mentes a dúvida de onde eles deveriam ficar.
Observando essa cena um pouco atrás de Leon, Freud bufou em desdém. Olhando por um lado, apenas ele e Moon entre os membros temporários realmente fizeram parte de uma divisão.
A matriarca por vez, estava logo ao lado de Hana. Quando os mestres da dupla finalmente os arrastaram para perto de si, Silver chegou ao fim de sua lenta marcha até o trono.
A esse ponto, o silêncio já havia se tornado predominante. Sentando-se em seu trono, que tinha os braços em formato de cabeças de dragão, o jovem viu Lina se aproximar e entregá-lo um papel antes de se posicionar entre as fileiras.
As informações no papel eram simples, se tratavam das baixas sofridas por seu grupo durante a guerra. De longe, as únicas baixas foram aqueles que ele mesmo matou e o resto saiu com ferimentos de graus variados.
Um ótimo resultado para uma guerra, principalmente considerando que seu grupo não era tão grande.
Hikari se posicionou ao seu lado como uma expressão indiferente. Confirmando as informações, Silver levantou a cabeça, passando seus olhos por cada membro presente os fazendo se endireitar ainda mais.
— Primeiramente, eu declaro encerrada a guerra entre nós e Ragnarok. Vocês terão algum tempo para descansar e comemorar mais tarde, porém, temos outro assunto para resolver antes disso.
Os membros estufaram o peito em orgulho. Mesmo que não tenha sido óbvio, para eles Silver os havia elogiado sem dizer diretamente e era bom ser reconhecido pelo seu chefe.
— A partir de amanhã, vamos dominar toda a cidade baixa. Sintam-se livres para recrutar alguns talentos confiáveis pelo caminho.
Neste momento, Leon se sentiu preocupado e teve que interferir.
— Boss, com todo respeito, não acho que o pessoal da Midgard vai gostar disso… — O lobo não achou que seria muito legal lutar contra alguém que considerava um irmão, mas se Silver insistisse ele não iria se opor.
— Está defendendo os inimigos agora Leon? — disse Ai em tom de ameaça.
Sua aparência não era boa, cortesia de sua luta com Astrid no dia anterior. Seu julgamento estava comprometido pela raiva por conseguir outro empate em uma disputa com sua rival? Muito!
Ela se importava com isso? Nem um pouco. Desde que ela pudesse acertar as contas com Astrid tudo estaria bem.
— Eu concordo com você, minha querida, mas não estamos falando sobre sua disputa com Astrid. Isso pode desencadear uma guerra contra Midgard, logo agora que acabamos de sair de outra.
Pelo conhecimento de Leon sobre os gêmeos, era improvável que eles aceitassem essas ações tranquilamente.
O pensamento dos outros na sala quanto às suas palavras foi ‘com o que você concorda exatamente?’
Tudo que ele falou após dizer que concordava foi o completo oposto do que ele disse concordar.
— Eles provavelmente não vão aceitar calados — concluiu Leon.
— Oh, ele vão… — Silver disse, no que seus olhos ganharam um brilho prateado que trouxe arrepios a todos os outros — Se não o fizerem eles serão meus inimigos. E eu não preciso explicar o que acontece com meus inimigos, preciso?
Ele já havia decidido e o mais importante agora era dominar completamente a cidade. O jovem também havia planejado uma reestruturação das divisões e novas adições ao grupo mas, primeiro, eles precisavam conquistar a cidade para poder focar em outras coisas.
Após o planejamento de expansão ser explicado mais detalhadamente, o grupo se dispersou para dar início aos planos.