A Ascensão do Dragão Prateado - Vol.2 Capítulo 88
[PDV: Shōri Shina]
Invencível, é como eles me chamam.
Sempre achei que usar esse título era incrivelmente prepotente, afinal, eu já fui derrotada várias vezes.
E após minhas mais novas derrotas, é como se ele estivesse lá para rir de mim.
Mas primeiro, vamos partir da minha infância.
Eu nasci e cresci em uma vila pequena, se eu dissesse que haviam cem pessoas lá era chutar muito alto.
Enfim, lá vivíamos quase pacificamente e eu tinha meus dois melhores amigos, Shizu e Sei. Nós éramos inseparáveis naquela época e, enquanto Shizu era tímida, Sei sempre foi extrovertido e gritava querer ser um herói.
Por que eu disse quase pacificamente?
Bem, havia alguns moleques estúpidos que sempre incomodavam minha amiga por ser tímida demais. Porém isso só durava até eu ou Sei chegarmos para dar uma lição neles.
‘Corram da gorila’ eles diziam. Eu sempre fingi que esses insultos não me afetavam mas, isso pesava muito no meu coração.
Um dia perguntei para Sei se ele achava que eu parecia um gorila.
— Não liga para o que eles falam. Shi é a garota mais bonita para mim!
Foram as palavras dele. Talvez tenha sido aí quando me apaixonei por ele.
Nossa utopia não durou muito pois enquanto ainda éramos crianças, a tia de Shizu veio buscá-la. Ela disse que as duas iriam para um lugar onde minha amiga se tornaria mais forte, mas eu não poderia aceitar isso.
Nós deveríamos ficar juntos para sempre como prometemos!
Foi o que eu pensei na época. Então eu desafiei a tia de Shizu para uma luta após ela dizer que apenas os fortes tinham o poder de decidir as coisas.
Sem surpresa alguma eu perdi. Minha primeira derrota em uma luta desde que comecei a brigar com os idiotas da vila.
E a primeira de muitas mais.
Enquanto isso acontecia Sei não estava presente. Os avós dele pediram para ele fazer algo e isso o fez não estar lá na hora.
E eu pensei, que se Sei estivesse lá seria diferente. Ele é nosso herói depois de tudo.
No fim Shizu foi levada para longe, mas não antes de sua tia me fazer uma oferta. Ela disse que se eu quisesse ver minha amiga de novo precisaria ter muito mais força e para conseguir isso, deveria sair assim como elas fariam.
— Em três dias um conhecido meu vai passar por aqui. Posso fazer ele te dar uma chance e só. A escolha é sua se deseja vencer ou continuar assim.
Os próximos três dias foram um borrão completo, e a única coisa da qual me lembro foi minha última conversa com Sei.
— Sei… Shizu foi embora.
Ele não respondeu, tanto irritando quanto me entristecendo.
— Eu poderia ter impedido…
— Não, foi uma decisão da tia dela, não tinha o que fazer.
Talvez pela tristeza ele estava agindo como se fosse algo impossível de impedir. Mas não era isso que os heróis faziam? Atravessar situações absurdas e ainda sorrir enquanto o faz?
Vencer inimigos imbatíveis e mostrar que o bem sempre sai por cima?
Por que? Por que eu não pude simplesmente vencer? Se eu tivesse conseguido nada disso teria acontecido, e nós três ainda estaríamos juntos.
— Sei… Eu não quero mais perder ninguém, não quero mais perder para ninguém…
— Eu tam…
— Estou saindo.
— O que?
— Vou embora e ficar mais forte. Não vou perder.
Agora que penso nisso, não foi uma conversa. Fui eu cimentando minha decisão. No fundo, esperava que Deu pudesse trazê-la de volta, porém era apenas egoísmo meu.
No dia seguinte eu comecei minha viagem junto de um homem que se apresentou como Arseus. Em contrapartida, ouvi o nome da tia de Shizu apenas anos depois do acontecido.
Kōri Hokkyoku. Sem ela, Shōri a ‘invencível’ da academia Álympos nunca teria existido.
❂❂❂
Durante os próximos anos, treinei com diversos professores que foram escolhidos pelo diretor para testarem se eu valia o esforço.
O primeiro e mais marcante foi um usuário de lança. Arma que eu me senti mais confortável com, e se tornou a minha principal.
Os específicos dos testes não foram ditos para mim, porém, eles continuaram me treinando então acredito ter passado.
Após o lanceiro, todos os demais serviram para aumentar minha experiência de combate com armas e estilos diferentes de luta.
Eu também tive um professores teóricos para aprender o básico das escolas normais, e um específico para mitologia por insistência de todos meus professores de combate.
Aliás, eu não venci nenhum único combate contra eles, algo que me deixou muito frustrada até as aulas de mitologia começarem.
Para mim, estas aulas foram como apenas escutar histórias de heróis pois os contos geralmente eram bastante parciais com suas descrições dos personagens e suas histórias.
Minha alegria acabou quando o professor começou a apontar todas inconsistências dos contos, as quais quebram todo o clima de heroísmo delas.
No fim, nem todos heróis são perfeitos. Foi o que meu professor me disse.
Aos quinze eu finalmente entrei na academia Álympos. Meu plano inicial era ir diretamente para a academia logo depois de ir com Arseus, porém eu não esperava que eles fossem tão rígidos com a idade e com o nível de força necessário para se juntar.
Coisa que a eu pós luta com Kōri não se encaixava em nenhum destes quesitos.
Depois de entrar lá foi quando parei de andar e comecei a correr. Usei os primeiros três meses completos desafiando e vencendo outros alunos, subindo degrau a degrau até que aquele título apareceu.
Invencível.
Durante as batalhas que todo meu treino foi posto a prova e meus esforços foram recompensados. Além de que vencer era uma coisa de outro mundo para alguém que sempre perdeu.
Vencer, vencer e vencer. Perder não era mais uma realidade.
Antes do meu frenesi de desafios acabar, um torneio foi anunciado. Nele, os alunos dos três anos iriam disputar entre seus próprios e os vitoriosos teriam a chance de se tornarem [Contratantes].
O torneio pausou meus desafios, mas não a sequência de vitórias. Sem suspense algum, entre aqueles do primeiro ano, a chance foi entregue a mim depois de vencer todos os outros.
Usando termos de senioridade, os estudantes mais velhos entraram no [Mundo espelhado] antes de mim, e ambos saíram após alguns míseros minutos. Coisa que, depois do que aprendi lá dentro, seria algo a se orgulhar.
E então, minha vez chegou.
Entrando lá, tive um sentimento opressivo e bastante familiar. O mesmo que tive após minha luta com Kōri.
Era uma sensação como a de encontrar uma parede que nunca poderia ultrapassar, não importa o quanto se esforce ou quantas vezes tente.
Era o sentimento de derrota.
[O que você busca aqui criança?]
Não consegui compreender se a voz tinha algum tipo de emoção nela, mas, algo me forçou a dizer a verdade.
— Eu quero vencer.
[Então prove que merece]
E então, me vi em um lugar aberto, de frente comigo mesma.
— Se é o que está se perguntando, sim. Eu sou você.
Tendo o mesmo corpo, força e usando a mesma arma. Considerando isso, vencer não deveria ser um problema não é?
Mas eu me enganei.
Éramos perfeitamente iguais, até nos mínimos detalhes e movimentos mas, ainda sim, perdi todas as disputas.
Vezes e mais vezes, embates e mais embates. Todos resultando na minha derrota.
O tempo passou…
Eu já não sabia quantas horas se passaram ou quantas derrotas havia acumulado pelas minhas ‘próprias mãos’.
Todos meus golpes eram replicados comigo sempre saindo derrotada. Até que vi uma pequena abertura,
Uma brecha que poderia definir a batalha e eu aproveitei.
Um arranhão no rosto. Foi o único ferimento que consegui fazer depois de algumas centenas ou então milhares de golpes trocados.
— Nada mal.
O outro ‘eu’ limpou o sangue da ferida e olhou para mim com um sorriso. Foi incrivelmente estranho me ver sorrindo do ponto de vista de uma terceira pessoa, mas ignorei isso.
Nossa luta não parou por aí e lutamos, me tornando cada vez mais forte até que, finalmente, um golpe a atingiu em cheio.
Ver a ponta da minha lança ‘me’ atravessando trouxe uma sensação estranha.
— Como é a sensação de vencer?
Mesmo podendo fazer todo um discurso sobre tudo que aconteceu desde a minha infância até agora, eu não senti que queria fazê-lo.
— Nada mal.
[Pirralha atrevida. Tanto faz, temos muito o que conversar então é melhor se sentar]
Conversamos por um bom tempo e ela me explicou alguns fatos importantes. O primeiro foi dela ser uma deusa a qual tinha um conceito enorme, mas seus contos não seguiam a mesma linha.
Vitória. Só saber que ela era a personificação de algo que eu persegui toda minha vida foi o suficiente para aceitar me tornar sua [Contratante].
E também a essência do teste, a qual era simples o suficiente. Fome de vitória.
Como seu título, ela buscava alguém que tivesse um desejo pela vitória grande o suficiente para fazer jus ao nome.
De resto, vou poupá-los de todo discurso motivacional.
❂❂❂
Alguns meses depois, participei de um baile que era usado como abertura para um torneio.
Lá reencontrei meus amigos de infância Sei e Shizu. Não preciso dizer o quão diferente ficamos após tantos anos mas, só uma troca de olhares foi preciso para que eu me entendesse com minha melhor amiga.
Uma coisa que se manteve desde a nossa infância foi que não precisávamos de tantas palavras para nos entendermos.
Eu não tinha ressentimentos por ela ter partido, isso abriu um mundo totalmente novo e muito mais interessante para mim.
Embora ainda guardasse alguma raiva de Kōri pela nossa única luta. Mas ainda vai ter volta.
E então, eles entraram.
Meu amigo de infância Sei acompanhado de outras pessoas, com apenas mais uma chamando minha atenção.
O outro tinha cabelos prateados e só de vê-lo, me senti irritada com a arrogância que senti no seu olhar.
Algum tempo depois, uma das integrantes do time de Sei saiu para puxar uma briga com a academia Souzan mostrando o quão arrogantes eles eram. Isso levou ele a protegê-la me fazendo entender que sua personalidade não havia mudado… E não parecia uma coisa boa.
Meio decepcionada, assisti o cara de cabelo prateado intervir e atacar uma pessoa na mesa, antes de outra pessoa interrompê-lo.
Enfim, houve um discurso sobre a fase do torneio e depois de deixar claro que eu participaria desta fase, caminhei até a mesa de Seiji.
— Há quanto tempo Seiji, como você esteve? — Sentando em uma cadeira livre do lado oposto dele, cumprimentei meu amigo de infância.
— Shōri!
— Shizu também está aqui, mas acho que ela não tá afim de falar com você agora.
Talvez ela congelasse ele com quão irritada ela está agora. Não que eu também não esteja.
— Eh? Por que?
— Quem sabe?
Claro que ele não saberia o que sentimos, é Seiji depois de tudo.
— Essa deve ser sua namorada não é?
Após uma rodada de negações vinda dos dois, decidi testar as águas usando meus pensamentos reais.
— Deveria esperar que você não estivesse com alguém tão fraca e indigna
— Quem você acha que é para chamar Mari de indigna!?
Eu provavelmente estava mostrando um rosto muito chocado agora, porque eu estava chocada demais para manter minhas expressões sob controle.
O cara de aparência irritante levou uma das integrantes do grupo até a pista de dança e Seiji usou isso para fugir arrastando sua ‘não namorada’ com ele.
— Que situação não é?
Apenas eu e outra garota sobramos na mesa e, após responder algumas das perguntas dela, fui até a mesa de Shizu.
Ela me apresentou a uma amiga dela e graças a reação exagerada de Seiji, ambas entendemos que ele não mudou desde aquela época. O problema era que nós mudamos, e nossa visão de mundo não era mais a mesma.
Como nossas emoções ainda estavam chacoalhadas, decidimos não fazer nada por enquanto.
❂❂❂
A primeira parte do torneio foi fácil. Eu só tive que desafiar vários lutadores, subindo nos seus rankings até o seu rei.
Depois de derrotar ele, fiquei com seu reino, súditos e castelo com o mais importante destes sendo o último. Apenas aproveitando as regalias que vinham com o reinado até anunciarem a segunda parte.
Logo, nos vimos frente aos demais participantes das outras academias, com os quais deveríamos lutar até bater a cota de eliminações.
Ignorando todos os demais participantes, meus olhos se travaram no cara irritante de cabelo prateado. Graças a demonstração no baile, decidi que ele seria um bom alvo para testar a força da academia de Seiji.
Era isso, nenhum outro motivo em especial como ele ter dado a ideia de fuga que meu amigo usou ou ter um rosto particularmente odiável.
Enfim, a situação que se seguiu foi no mínimo estranha.
A luta foi vários contra um, onde esse um não era eu como costumava acontecer na academia, e sim o cara irritante. Por outro lado, cooperar com outras pessoas para lutar é algo que desapareceu da minha vida desde a minha infância, quando eu e Seiji protegíamos Shizu.
O pior de tudo foi que ele parecia estar se divertindo com isso. Além de encontrar tempo para nos provocar.
— Hoh~ quanta possessividade. Se você fizesse isso por Seiji talvez Mari não tivesse conseguido tão fácil.
Esse comentário me fez atacá-lo logo após ele terminar de falar. É incrível como simplesmente abrir a boca faz ele se tornar ainda mais irritante.
Ainda mais irritante foi outra pessoa me atacar antes de conseguir acertá-lo.
— Oh, se vocês duas quiserem chamar a atenção do seu querido Seiji eu sugiro que vocês me derrotem primeiro. Afinal, mesmo sendo um idiota ele deve prestar alguma atenção se vocês derrotarem o homem que mandou ele para a enfermeira no primeiro dia de aula.
Depois de provocar meu ‘parceiro’, ele se voltou para mim e Shizu. Foi uma óbvia provocação mas… Como ele ousa!?
No fim a luta não terminou como eu quis, e o título de invencível do qual já não era tão fã desapareceu junto com essa batalha.
Mas esse assunto ainda não acabou. Ainda tenho que acertar as contas com ele…
Silver não era?