A Companhia Mercenária do Sul - Capítulo 17
Após a invasão à paliçada, duas esquadras de soldados leifaneses entraram pela brecha aberta pelos canhões, colocando-se atrás dos mercenários. Com os reforços guardando suas costas, o capitão incentivou suas tropas para prosseguir. A partir dali, a Noligre seria livre para caçar o inimigo.
— Leto, leve a esquadra pra rua da esquerda, Luzan vai pela direita! — ordenou Cefas.
Os dois cabos prestaram continência e correram para obedecer à ordem do oficial, dividindo suas forças pelas vias do entroncamento. Para não dar chances aos rebeldes dentro parlamento, a perseguição ao grupo de revoltosos tinha que ser rápida.
Tadeu estava logo atrás de Leto, acompanhado por Tevoul, Alen e outros dois. Sentia-se como alguém que tivera a previsão de um oráculo, mas sem o poder para alterar o futuro. Pensava constantemente como tudo na cidade denunciava a revolta.
“É o que eu mereço por ter dado ouvidos ao Tevoul. Eu sabia que tinha algo de errado!”
Enquanto o mercenário se lamentava, o grupo de agitadores se escondeu em uma viela lateral à rua principal, perseguidos pela esquadra de Leto.
O caminho desembocava em outra passagem que mais parecia um labirinto. Era mais apertada que a anterior e se ramificava em uma infinidade de becos e ruelas menores, onde um inimigo de tocaia poderia estar a espreita, pronto para dar cabo a qualquer desavisado.
Vindo de trás dos soldados, o cabo amassou a cara ao ver o inimigo sumir à sua frente. Depois, voltou-se aos seus comandados.
— É melhor vocês tomarem cuidado se não quiserem ter os miolos estourados — disse Leto. — Um atira, outro avança, em cada rua.
Os mercenários acenaram para o cabo. A tática era simples: ao encontrar uma rua que desembocava na que estavam, um guerreiro se posicionaria na esquina, expondo apenas a arma, e atiraria. Após isso, outro entraria para atacar o inimigo à baioneta. Era arriscado, mas o tiro inicial garantia uma cobertura encorajante.
— Vocês dois — apontou para Tadeu e Tevoul, depois para a primeira rua à frente.
Os dois caminharam em direção ao lugar. Naturalmente, Tevoul tomou a posição para atirar, com Tadeu o acompanhando atrás, pronto para entrar na rua após o disparo. Mas, por algum motivo, isso desagradou profundamente o cabo.
— Não, é o ruivo que vai entrar.
— O quê?! — Tevoul se espantou.
Um sorriso estranho e desconcertante estava na boca do cabo. Tadeu já havia notado há um tempo, mas preferia desacreditar em seus pensamentos.
— Senhor, Tevoul não é do tipo que ataca uma posição. — Ele tentou argumentar. — Ele atira bem, mas não é bom em corpo a corpo. Eu acho que seria mais seguro se…
— Você me ouviu, soldado. Você dá cobertura, ele entra na rua.
Tadeu sentiu seu sangue borbulhar. Com passadas firmes e os olhos ferventes, parou em frente ao cabo, que ainda mantinha seu sorriso esquisito.
— É por causa do dia que você fugiu?
Tadeu estendeu a mão para agarrar o homem pelo colarinho, porém Tevoul o impediu, pondo sua mão sobre o ombro do colega. Em um olhar firme, pediu que parasse.
A faceta aconselhadora do ruivo fez o mercenário abaixar o braço, mesmo que ainda fervesse de raiva.
“Para o seu bem, cabo, é bom que nada aconteça com ele”, ele pensou.
Os dois tomaram a posição na esquina sob o olhar esnobe do líder da esquadra. Tadeu se preparou para atirar, Tevoul logo atrás. O soldado apontou sua arma para o beco e puxou o gatilho, gerando uma nuvem de fumaça após o estampido.
Um tiro de resposta rasgou o ar da viela. Tevoul correu para dentro da rua estreita com sua arma em mãos, a tempo para ver um grupo de cinco rebeldes fugir para dentro do labirinto.
— Estão todos aqui! — ele gritou.
— Rápido, matem os bastardos! — Leto ordenou para o resto da esquadra.
Ao contrário do de costume, Tadeu esperou para invadir o beco. Assistiu o cabo entrar na rua junto do resto da esquadra, esperando até que o último mercenário entrasse. Seus olhos não desgrudaram do bastardo.
“Maldito…”
Contendo sua ira, o mercenário puxou sua barretina para baixo, empurrando-a contra sua cabeça. Ele pôs a baioneta no cano da arma e entrou. Não era o primeiro desse tipo de “líder” que ele encontrava.
***
Em meio a espaços estreitos como aquele, era fácil se esconder. Os revoltosos corriam por ruas e becos laterais, ocultando-se pelas ruas tão pouco conhecidas pelos soldados da Noligre. Como estrangeiros, sabiam que atacá-los sem calma e paciência era um pedido para ser vítima de uma tocaia.
— Parem de se esconder, covardes! — gritou o cabo, amaldiçoando quem ouvisse. — Merda… Vamos nos dividir em dois grupos, esses arruaceiros não vão me escapar tão fácil!
— Acho melhor esperar por reforços, Leto — aconselhou Alen, receoso em atacar o inimigo. — É muito fácil fazer uma armadilha nesse lugar, ainda mais contra grupos de seis.
Seus companheiros de esquadra discutiram sobre a próxima ação, concordando com a fala do soldado. Leto, por sua vez, franziu a testa.
— Qual sua patente mesmo?
— Soldado, senhor — respondeu com decepção na sua voz.
— Isso mesmo — o cabo disse satisfeito. — Agora…
Antes de terminar sua frase, Leto assistiu um vulto atravessar a rua em um dos seus cruzamentos. Os doze soldados apontaram suas armas para as duas ruas laterais, principalmente para aonde a sombra correu.
“Mas que tipo de demônio fez isso?”, pensou ao ver a coisa se mover.
Os mercenários notaram o ar estranho e pesado que pairava pelas ruas. Era familiar, por mais bizarro que fosse. Cada um dos soldados da Noligre sentia uma pressão vacilante na nuca, um pedido que os clamava para que voltassem, feito um homem lançado à loucura que clamava para os sãos não repetirem seu erro.
O cabo vacilou, mas decidiu ver mais de perto. Em uma coragem inusual, caminhou até a rua em passos tão suaves que manteriam uma folha seca intacta ao pisar. A coragem o faltou ao chegar na esquina, parando sem olhar rua a dentro.
— Ouçam, quando eu der o comando, todos vocês entram aí — Leto disse com a face estremecida.
— Que líder exemplar… — Tevoul comentou para Tadeu, que concordou revirando os olhos.
Preparando-se para autorizar o ataque, o cabo ergueu sua destra lentamente, deixando o braço paralelo ao ombro e seu antebraço erguido na vertical. Em um ato ríspido, baixou a mão.
Os onze correram pela rua, entrando na viela lateral. Apontaram todas as suas armas para o lugar como se o próprio Desalmado estivesse ali.
Mas o que os esperava não poderia ser pior. Um medo noturno perfurou o seio dos guerreiros, fazendo soldados treinados tremerem como crianças. Corações palpitaram forte, dificultando o respirar.
De costas, cabelos loiros e encaracolados. Seu vestido branco era suficiente para que a reconhecessem. Um arrepio correu no corpo de cada um, da planta de seus pés até suas mentes. Menos de vinte passos os separavam da menina.
— É ela! — gritaram alguns.
Vindo do fundo da esquadra, Leto estava tão agitado quanto seus soldados. Estava pálido, com os olhos inchados e sua voz falha. Ainda sim, estava disposto a evitar que ela escapasse.
— Atirem! — gritou ele.
Um salvo de onze balas voou até a garota. Seu corpo permaneceu inerte, como se nada tivesse lhe tocado. Mais uma vez, os mercenários estavam impotentes.
Ela permaneceu sem se mover, esperando pelos soldados, porém guerreiro algum ousou avançar. Eles experimentaram do tratamento da coisa que se escondia detrás daquela faixada inocente. Estavam paralisados, tomados pelo temor.
A menina olhou para sua direita e quase causou uma fuga entre os mercenários. Ela dizia murmúrios em tautanês e depois parecia inclinar suas orelhas para ouvir, como se esperasse uma resposta. Era como se conversasse com alguém na rua ao lado, mesmo que voz alguma falasse.
Os soldados deram um passo para frente, encorajados pela inatividade da garota, porém, antes que eles a alcançassem, a menina os percebeu. Seus olhos se arregalaram ao ver tantas armas apontadas para ela, deixando suas pernas e braços tremendo de pânico. Naquele instante, sua face parecia tão temorosa quanto a dos mercenários.
Tadeu, que estava na primeira fileira, notou a reação estranha. O monstro que quase o matou não estava ali. Ela agia feito qualquer um naquela situação.
“Ela está com medo de nós?”, perguntou-se, ainda receoso.
— Não me toquem! — ela clamou em uma voz aguda e perfurante, rasgando pelas orelhas dos soldados.
Eles lançaram suas mãos contra os ouvidos após a dor que o brado provocou. A menina aproveitou da distração e fugiu, correndo na direção oposta.
Leto viu a garota fugir e irou-se ao ver seus soldados assistirem.
— Seus lesados inúteis, o que estão esperando!? — gritou o cabo. — Peguem-na!
Ainda com seus ouvidos zunindo, os mercenários tomaram suas armas e correram em busca da criança em passadas largas.
A cada passo de sua corrida, a garotinha virava sua cabeça para trás. As pernas maiores dos homens de jaqueta verde e calças cinzentas os ajudavam a encurtar a distância cada vez mais, desesperando a menina fujona. A cada passo, seus gritos por socorro aumentavam.
Um mercenário se aproximou da menina, deixando-a ao alcance de seus braços. Em um salto, estendeu sua mão para puxá-la pelos cabelos, chegando a encostar em suas mechas douradas.
Foi como tocar a luz. Sua mão atravessou os fios loiros inexistentes da ilusão. No chão, ele viu uma outra bizarrice da Filha de Kolur: ela se dividiu em quatro imagens iguais, cada uma correndo por uma direção diferente.
— Mas o quê?! — gritou em confusão.
— Já conhecemos seus truques, pirralha! — Leto gritou, parando em frente ao soldado confuso. — Dividam-se e me tragam a menina!
— Senhor, mas e se nos emboscarem? — um deles falou, lembrando-se da fala de Alen.
— Vocês querem capturar a maldita criança ou o quê?! — gritou furioso.
Mesmo com o risco de armadilhas, os soldados preferiram não questionar o cabo. Dividiram-se em grupos menores e correram pelas ruas. A caçada havia começado.
Para Leto, a oportunidade era muito valiosa para levar em conta o perigo. A garota era a chance dos monarquistas. Pegá-la, a dele. Desde o fracasso na captura do frade, um sentimento estranho percorria o cabo. Uma mistura de ódio e oportunidade. A menina tinha iniciado uma dívida mortal ao trucidar não só os soldados do cabo, como seu orgulho. Era hora de pagar o preço.
— Muito bem, soldados… tragam-me a garota. Vamos ver se aquela fedelha não me paga pelo que fez ainda nessa tarde!
A boca do cabo se transformou em um sorriso malicioso, ansioso por sangue.