A Companhia Mercenária do Sul - Capítulo 2
O som metálico das armas de um regimento em marcha era uma melodia indesejada para qualquer um. Era o prenúncio de uma tragédia. A música criada pelo próprio Enganador, levando homens ao submundo.
Os soldados avançavam em passos firmes, porém cuidadosos, característica conhecida dos mercenários da companhia Noligre. Vestidos em seus uniformes verde-musgo, o grupo marchava em coluna na direção do inimigo.
De frente para a massa de carne e ferro, duas linhas de soldados em uniformes brancos de lapelas vermelhas bloqueavam a rua. Ombro a ombro, os soldados alvirrubros apontaram suas armas para o oponente.
— Fogo! — gritou o oficial em uniforme branco.
Dezenas de mosquetes dispararam, levantando uma nuvem de fumaça fétida e mortal nas ruas de Jorodar. Homens da Noligre caíram com os disparos, seus gritos abafados pelos passos da marcha. Mesmo depois do golpe, a coluna se manteve resoluta e seguiu o avanço. Sem querer dar tempo para seu inimigo, o comando foi dado aos mercenários:
— Carga!
Os mercenários em verde apressaram o passo, ombro a ombro, calados e em sincronia. No caminho das armas mercenárias, os monarquistas viam um muro verde de setas metálicas correndo em sua direção. Os soldados em branco calaram baionetas. Restava esperar o choque.
Em um impacto violento e grotesco, os dois grupos se rasgaram em um misto de sangue, metal e madeira.
— Formação! — gritou um oficial. — Voltem para a formação, malditos!
Oficiais de ambos os lados tentavam manter a organização de seus homens, gritando comandos inúteis no meio da carnificina.
Tadeu exalava coragem em meio ao caos. Suor escapava do seu cabelo castanho para seu rosto de pele olivada e fadigada, revelando o cansaço da disputa de força contra o soldado leifanês, ambos empurrando seus mosquetes um contra o outro.
De tanto pressionadas, as duas espingardas deslizaram, quase ferindo ambos os combatentes com suas próprias baionetas. Tadeu saltou para trás e se preparou para um golpe que foi interrompido por um ataque brutal contra seu peito, forçando-o a recuar para não morrer.
Três estocadas foram em direção de Tadeu, que se esquivou de todas com precisão. Mais golpes buscaram seus pontos vitais, forçando o mercenário a se defender com toda a perícia do treinamento.
“Merda! Eu vou morrer se continuar assim”, pensou.
O alvirrubro cortou contra o pescoço do mercenário, que dessa vez preferiu saltar para o lado e evadir o golpe, fazendo o leifanês acertar o vento. Os olhos do alvirrubro se arregalaram ao notar seu erro.
Com seu inimigo lhe mostrando as costas, Tadeu agarrou a arma pelo guarda-mão e desferiu uma coronhada na nuca do homem. O golpe o arremessou contra o chão, fazendo-o bater a cabeça e desmaiar.
Com o alvirrubro caído, o mercenário se permitiu recuperar o fôlego, mesmo com a carnificina ao seu redor.
— Tadeu! — uma voz familiar gritou por socorro.
“Por favor, que não seja o Tevoul”, pensou.
Ao olhar para a esquerda, viu um mercenário de verde lutando contra dois inimigos, sendo posto contra o muro de uma construção vizinha.
De pele branca, seu cabelo ruivo estava ainda mais desarrumado que o de costume, tanto pela batalha quanto pela barretina torta em sua cabeça. Seus olhos verdes eram quase imperceptíveis de tão cerrados. Suor frio descia pela sua testa enquanto lutava pela sua vida.
Em um misto de lamento e preocupação genuína, Tadeu partiu para o socorro do amigo.
— Tevoul! — respondeu enquanto corria para socorrer o amigo.
O jovem mercenário partiu em resgate do ruivo. Os dois soldados que lutavam contra Tevoul se alternavam entre atacá-lo e rir de escárnio, satisfeitos em brincar com sua vida antes de ceifá-la.
Segurando sua arma outra vez como um porrete, Tadeu acertou um dos soldados de branco na cabeça, derrubando-o no chão. O outro tentou um contra-ataque, mas Tevoul o acertou no braço esquerdo antes que golpeasse Tadeu.
Ferido, o alvirrubro recuou para perto do seu amigo no chão, que mal havia se posto de pé. Em um momento precioso para recuperar o fôlego, a dupla de soldados monarquistas encarou a dupla de mercenários, esperando que alguém tomasse a iniciativa.
— Tentando lutar contra dois ao mesmo tempo? Ousado, não acha? — Tadeu checou a baioneta, certificando-se que estava bem presa.
— Como se eu tivesse começado. Esses dois viram que eu era mais baixo e focaram em mim.
— Bem, pelo menos, é um pra cada agora.
— Que seja. O da direita é meu!
“O da direita não é o ferido?”, pensou o rapaz. — De nada, filho de uma…
Tadeu sequer teve tempo de protestar. Uma espada raspou o ar perto do seu pescoço, errando graças ao seu reflexo. O mercenário retribuiu o ataque com sua baioneta, bloqueada pelo soldado.
O alvirrubro atacou com movimentos descoordenados na sua direção, forçando o mercenário a recuar dois passos. Tadeu foi obrigado a defender-se de uma sequência de quatro ataques rápidos contra seu peito, cada um mais desgastante que o anterior. Ele tentou retomar o ataque com uma estocada, mas o homem se esquivou e golpeou-lhe no peito esquerdo com a coronha da espingarda.
O mercenário vacilou com o golpe, mas teve que ser rápido em defender-se de outro ataque da lâmina inimiga. Um momento de desatenção quase lhe custou a vida.
“Desde quando tem descendentes de Farintora no Norte?”, perguntou-se o soldado.
Por mais que tentasse dar uma explicação mitológica para a perícia inimiga, o soldado alvirrubro era um homem normal. Em sua face pálida, guardava cicatrizes feitas por suas vítimas anteriores, contrastando com o rosto jovem e sem marcas de Tadeu. Um soldado experiente.
O soldado monarquista ergueu sua espada para o alto, preparando impulso para um outro golpe. Tadeu acochou as mãos em sua arma e esperou pelo ataque.
De repente, os olhos do soldado leifanês se abriram. Sua boca chiou como se estivesse engasgado com a própria língua enquanto a arma escapou da sua destra. Sem forças, o soldado foi ao chão, derrotado para sempre. A alabarda cravada em suas costas havia selado seu destino.
— De nada, soldado — a figura sorridente lhe disse após aparecer em sua vista. As dragonas douradas em seus ombros revelava sua parente alta na Companhia Noligre.
— Senhor… Obrigado, senhor! — Ele saudou o homem.
Para a sorte do mercenário, seu superior apareceu na hora certa: coronel Olie Walifer. Era um velho cão de guerra que lutou em vários conflitos, o maior sendo a guerra de sucessão da Cistarra. Tinha a pele cor de bronze dos homens do sul, contrastando com seus cabelos e bigode brancos.
Após ter sido salvo pelo oficial, Tadeu voltou para a luta, observando Walifer entrando em ação quando podia.
Era difícil acreditar que o velho oficial tinha tanta energia para lutar: com a alabarda, Walifer desferiu um golpe no abdômen de um alvirrubro, pondo-o no chão. Por trás, outro soldado tentou surpreendê-lo, porém o coronel soube pará-lo, desviando o cabo da sua arma para o rosto do homem. Girando a alabarda, Walifer atacou o inimigo com a lâmina da arma acertando na junção do pescoço com o ombro esquerdo.
Sangue espirrou com um grito de dor cortado pela morte. Depois de mandar dois alvirrubros para o submundo, o comandante regimental ajustou seu chapéu bicórnio torto, pondo-o paralelo às orelhas. Afinal, um oficial poderia ser bruto, nunca deselegante.
A luta seguiu, virando aos poucos a favor dos mercenários, que pressionavam os soldados da princesa Nasti para trás. Sem conseguir deter a maré verde, não demorou muito tempo para se ouvir a corneta da retirada.
— Soldados, recuar! — gritou o oficial monarquista. — Recuem, paspalhos!
Os mercenários caçaram por minutos os soldados de branco, correndo por vielas, avenidas e alamedas. Os alvirrubros tentaram diversas vezes reformar suas linhas, mas a fúria dos mercenários era imparável.
O grupo inimigo se dispersou após cerca de meia hora de perseguição. Muitos acabaram prisioneiros, o que garantiria uma recompensa generosa por parte dos contratantes dos mercenários, o Exército Republicano de Leifas, sob o comando do marechal Juno Gratzy.
Com o fim do embate, Walifer e seus homens estacionaram-se próximos a uma praça da cidade de Jorodar, aguardando ordens de seus comandantes. Enquanto o novo comando não chegava, era dever do velho coronel reorganizar seus soldados, repondo baixas e fazendo o possível para levantar o moral dos homens.
O procedimento prosseguiu até a chegada do mensageiro leifanês. Montado em um cavalo branco, vestia um capacete de cavalaria e uniforme vermelho, dragonas brancas em seus ombros. Walifer notou a ausência de urgência ou preocupação na face do cavaleiro, um sinal que a batalha estava sob controle.
— Coronel Olie Walifer, 3º Regimento da Noligre? — o homem perguntou, ainda sobre o cavalo.
— Sou eu, jovem, o que desejas?
— Ordens do brigadeiro-general Veranci. A batalha está ao nosso favor, mas o general deseja que ajam com rapidez. — O homem entregou o envelope para Walifer.
— Obrigado, soldado. Eu e meus homens faremos nosso melhor.
Antes de partir, o cavaleiro republicano saudou o oficial, que prontamente retribuiu o ato cortês. Usando da mesma calma da chegada, o mensageiro se retirou para suas linhas.
Após ler com cuidado as novas ordens para o regimento, o coronel chamou todas as suas forças no local — um total de 450 homens, todos do 2º Batalhão — para uma reunião. Após alinhar seus soldados como para uma inspeção, Walifer explicou a situação para os mercenários.
— Homens! O brigadeiro-general Veranci, nosso superior, ordena que tomemos um reduto inimigo no centro da cidade. Trata-se de um quartel de um regimento de infantaria local, o 11º de Atiradores, ocupado pelo restante das forças inimigas. Especula-se que o barão de Jorodar, um homem leal à princesa Nasti, esteja abrigado dentro do prédio. Capturá-lo é uma das prioridades do Exército Republicano no momento e, segundo a mensagem, foi dada a nós a honra e a ordem de prendê-lo. Em vida, bom salientar.
A notícia provocou cochichos entre os soldados. No geral, estavam animados: a captura de alguém importante para os revolucionários parecia a oportunidade perfeita para receber um bônus.
— Será que os republicanos vão oferecer recompensa pela captura do homem? — Tadeu perguntou a Tevoul, que estava à sua direita.
— E isso importa? Certeza que vai ser uma merreca.
O batalhão inteiro foi tomado pela ânsia da glória. Alguns soldados gritaram incentivando os colegas, enquanto outros estavam mais receosos com a nova missão, se perguntando porque o exército da República não designou suas próprias tropas para o ataque.
Apenas uma coisa era imutável entre as linhas e colunas do regimento mercenário: a dúvida de quem receberia a glória de capturar o tal “barão de Jorodar”.