A Eternidade de Ana - Capítulo 11
Capítulo 11: Legado
“É tão idiota, qual o sentido de ter um contador de mortes em uma faca? Que piada macabra, anjo estúpido!”, Ana estava perdida em pensamentos após se separar do grupo na entrada da cidade. Ela caminhava lentamente, tentando entender o que estava acontecendo com sua arma. Apesar da testa franzida, um sorriso melancólico estava em seu rosto ao lembrar dos longos anos ao lado de Gabriel.
Exatos 25 novos riscos apareceram na lâmina após a luta contra os goblins da madrugada anterior, como se fossem um registro palpável da sua brutalidade. A faca, antes tão escura quanto a noite, agora apresentava marcas brancas que davam a impressão de desgaste.
A princípio, pensou que o aço temperado estivesse falhando contra os seres místicos do novo mundo, mas conforme atravessava as criaturas com a lâmina a realidade se mostrou ainda mais bizarra: uma morte, um arranhão!
“Todo o meu esforço para forjar algo elegante está indo pro ralo…”, lamentava, mas dentro dela, uma chama de curiosidade insaciável começava a arder mais forte.
Ana brincava com o fato ridículo de um “contador em forma de riscos” existir, mas não era apenas isso que havia percebido durante a noite.
“Pensei que estava ficando louca, mas ela está realmente ficando maior”, sua percepção anterior não estava errada, ao segurar a faca contra a luz um vão de quase 1cm podia ser visto entre o cabo e a bainha, dando uma impressão de ser um arranjo improvisado.
Não era uma coisa que podia ser explicada com o senso comum, afinal, um metal era um metal, não um ser vivo. Mas lá estava a prova, como se proliferando seus átomos do além, a lâmina crescia, zombando de toda razão.
“Não que uma faca crescendo seja a coisa mais estranha por aqui… magia, monstros, anjos… minha vida é uma bagunça!”, conversando consigo mesma, Ana começou a rir. Se não estivesse tão distraída, a garota notaria mães cansadas tirando as crianças das ruas ao ver uma aparente maníaca rindo sozinha enquanto encarava uma faca, com um estranho saco de pano cheio de longos ossos balançando em suas costas.
Neste momento de devaneio, ela esbarrou em um caixote na beira da estrada, derramando seu conteúdo. Livros dos mais variados tipos foram espalhados pela calçada.
Enquanto se abaixava para recolhê-los, seu olhar foi capturado por um volume em particular, de capa escura e letras douradas: “Engenharia Mágica: Um estudo das aplicações de mana em tecnologias emergentes”. Um sorriso irônico cruzou seu rosto.
— Quanta coincidência… — murmurou, segurando o livro como se fosse um tesouro recém-descoberto.
— Você sempre faz compras jogando tudo no chão primeiro? — a voz veio carregada de uma irritação jovial. Maria, com seus dezessete anos e olhos que pareciam registrar cada detalhe, aproximou-se com um passo decidido. Seus olhos vagaram entre Ana e a estranha faca em suas mãos, e por um momento, houve um silêncio desconfortável.
— Desculpe pela bagunça. Este livro tem um preço? — erguendo-se com o livro ainda em mãos, lançou um olhar avaliador na direção da voz, intrigada não apenas pelo livro, mas pela jovem vendedora com um ar de mistério. Suas roupas comuns estavam um pouco desgastadas e seu cabelo ondulado chegava até sua cintura, sendo adornado por um largo chapéu. Seu sorriso era astuto e seus olhos não escondiam sua ganância, mas a garota transmitia uma sensação acolhedora que tornava difícil sentir raiva, mesmo com suas palavras rudes.
Maria sorriu, mas havia algo calculista em seu olhar, o qual ocasionalmente ainda era direcionado para a faca nas mãos da estranha garota.
— Bem, isso depende. Para você, querida cliente, o livro vale 20 moedas de prata — apesar de sua ganância, a garota soltou as palavras cuidadosamente, se preparando para se afastar, se necessário.
“Mas que merda são moedas de prata?”, Ana estava confusa, quando pegou sua velha carteira de manhã, a qual havia sido restaurada durante o retorno da humanidade, não pensou que o sistema monetário teria mudado.
— É o preço do conhecimento! — interpretando o silêncio como uma reclamação indireta, Maria soltou uma explicação.
“Ela pegou meu ponto fraco”, a frase fez o sorriso de Ana voltar a seus lábios, conhecimento não era algo leviano para a garota milenar.
— Não estou com dinheiro no momento, aceita fazer algumas trocas?
Maria deu de ombros, mas seus olhos brilhavam com certo interesse não disfarçado. Com a aprovação da garota, Ana removeu lentamente alguns poucos ossos que estavam presos em suas costas.
— Acredita ser o suficiente?
Ao ver que eram apenas ossos, o ânimo de Maria foi um pouco apagado, mas com um suspiro ela se aproximou para avaliar o item. Um estranho raio azul começou a passar pelo olho esquerdo da jovem, circulando lentamente por suas pupilas até criar um estranho padrão.
“A concentração de magia do osso é incrível… é uma criatura de rank E? Não… Rank D!”, Maria não pode deixar de exclamar ao notar de onde os ossos vieram, mas sua expressão rapidamente se acalmou, não querendo perder a vantajosa proposta.
— Não sou uma vendedora de itens diversos, ganho a vida vendendo livros… mas vendo sua forte vontade, vou aceitar a troca.
Ana soltou um suspiro profundo, seus olhos estreitando-se enquanto observava o peculiar fenômeno mágico de Maria. “Avaliação de mana?”, ela pensou, tecendo hipóteses ao redor da inédita magia – uma habilidade intrigante que despertava tanto seu ceticismo quanto sua insaciável curiosidade. Pela reação da jovem ao encarar os ossos, era claro que ela saiu em uma perda, mas não havia o que fazer no momento. Ela só queria chegar logo em casa para descansar.
“Bom, só posso me culpar por não ter me preparado melhor para o mundo”
No momento em que Ana estava prestes a fechar o acordo, o olhar de Maria foi novamente para a faca, não por interesse, mas sim por uma coincidente distração. Neste momento, seu olho esquerdo que brilhava com um chamativo azul elétrico se arregalou de espanto e uma dor profunda fez seu corpo paralisar.
O mundo ao seu redor era apenas um infinito negro, um universo sem estrelas. Sua mente não conseguia raciocinar e quando percebeu estava gritando de forma descontrolada, mas o silêncio devorava suas palavras. Ela não sabia se estava de pé em algo, flutuando ou apenas caindo, seu corpo não sentia nada. Impulsos de morte perturbadores começaram a brotar em seu coração, querendo acabar com esse desespero.
— Ei, você está bem?
A voz suave, como uma luz no fim do túnel, a tirou de seu estupor. Ana a encarava com a cabeça inclinada pro lado, confusa com a garota de olhar perdido em sua frente.
— Ah, me desculpe! Não sou tão hábil na técnica de avaliação, acabei me distraindo ao desativá-la. Por sinal, me chamo Maria. Posso conhecer seu nome? — Maria engasgou, sua respiração irregular e ofegante, enquanto tentava manter a compostura, lutando para afastar o terror que se agarrava ao seu coração. Confirmando que o mundo voltou ao normal, ela cobriu rapidamente seu olho esquerdo com uma das mãos, tentando disfarçar a situação.
— Claro, me chamo Ana. Aqui estão seus ossos, foi um prazer te conhecer — não querendo se meter em assuntos de outras pessoas, mesmo notando a estranheza da situação, Ana apenas concluiu o negócio com uma frase curta e começou a se afastar.
— Também foi um prazer, até logo, Ana. Algo me diz que nossos caminhos vão se cruzar de novo.
Ao ficar sozinha, Maria tirou a mão que cobria seu olho. Lágrimas de sangue começaram imediatamente a escorrer em um fluxo incessante.
— Uma mulher com segredos… aquela faca exala escuridão… — em meio a murmúrios solitários, ela se jogou novamente na pilha de livros em que estava antes do estranho encontro de agora. Pegando seu celular do bolso, fez uma ligação com dedos ágeis.
— Natalya? Como vai, querida cliente? — sua atitude jovial e alegre se tornou algo sério ao ser atendida. A voz do outro lado da linha apressava a jovem, com clara impaciência. — Acho que encontrei uma nova arma para sua coleção…
Maria observou a silhueta de Ana desaparecer na multidão, memorizando cada detalhe, um plano formando-se em sua mente astuta. Seus pensamentos continham um pedido de desculpas antecipado por todos os problemas que sua ligação causaria.
“Cada peão em seu devido lugar”, pensou ao limpar as lágrimas, as únicas testemunhas silenciosas das engrenagens do destino movendo-se implacavelmente.
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