A Eternidade de Ana - Capítulo 13
Capítulo 13: Madame
O nevoeiro da noite envolveu os becos estreitos e as ruas escuras, obscurecendo as linhas já sombrias da cidade. No coração desse emaranhado urbano, oculto entre fachadas desbotadas e luzes fracas, encontrava-se um refúgio para aqueles que operavam nas sombras da sociedade.
Uma placa de metal oxidado, gravada com letras douradas elegantes e curvas e adornada com arabescos, balançava preguiçosamente sobre a porta de madeira maciça, anunciando o nome do estabelecimento. Este era o “Madame Eclipse”, um bar que se erguia como um farol para os desesperados, os aventureiros e os sem lei.
Ao entrar, Ana foi recebida por uma penumbra confortável, onde os sons abafados de conversas sussurradas e risadas discretas flutuavam pelo ar carregado de fumaça. Lustres antigos emitiam uma luz suave, iluminando os contornos das mesas de madeira escura, onde sombras se reuniam em murmúrios conspiratórios. O aroma de tabaco e álcool misturava-se no ar, criando uma atmosfera densa e intoxicante.
No balcão, uma mulher de presença imponente na casa dos 30 anos comandava a cena. Seus olhos, tão profundos quanto os segredos que guardava, varriam a sala com um ar de autoridade sutil. Seus cabelos escuros caíam em ondas suaves pelos ombros, enquadrando um rosto marcado pela experiência e pela sabedoria adquirida nas vielas sombrias da cidade.
Ela não pôde deixar de sorrir ironicamente consigo mesma quando finalmente percebeu que encontrar o Madame Eclipse não fora tão difícil quanto imaginara. “Basta saber onde procurar? Ha, nem mesmo isso parece ser necessário…”, pensou, enquanto se preparava para embarcar em uma nova jornada entre os corredores sombrios que agora se estendiam diante dela.
Enquanto buscava uma mesa vazia, encontrou uma figura familiar no canto mais escuro do estabelecimento.
— Maria, que surpresa te encontrar por aqui.
— Ana, querida, que… interessante, O que te traz ao Madame? — respondeu a garota, um olhar de surpresa reluzia em seu rosto e um sorriso sutil brincava em seus lábios.
— Preciso de trabalhos. Trabalhos que paguem bem e não perguntem muito.
A surpresa nos olhos de Maria foi rapidamente substituída por uma expressão de curiosidade cautelosa.
— Trabalhos ilegais, então? — Maria perguntou, sua voz mantendo um tom neutro.
Ana deu de ombros, se acomodando na cadeira em frente a Maria, seus olhos brilhando com uma determinação fria.
— Muito bem, então acho que chegou ao lugar certo.
Antes que pudesse dar mais explicações, uma mulher sentou-se abruptamente entre as duas garotas. Sua presença era imponente, com uma pele de tom escuro que contrastava com a penumbra do bar. Seus olhos estavam escondidos atrás de um óculos redondo, mas isso não impedia que as pessoas notassem seu olhar penetrante. Seu cabelo trançado estava preso em um arranjo elegante e suas roupas pareciam combinar um estilo antigo com um design moderno, se encaixando muito bem com o ambiente medieval do bar.
“É simplesmente incrível”, pensou Ana, passando seus olhos lentamente pela desconhecida, seus olhos brilhavam de forma gananciosa pelo conhecimento escondido em cada centímetro do corpo exposto a sua frente. Ao invés de frágil pele humana, seus braços e pernas eram inteiramente artificiais, máquinas detalhadas e complexas que se moviam de forma perfeitamente igual a membros reais. Parte de seu pescoço também reluzia em metal, mas não era possível identificar até onde se estendia.
— Estou aqui, Maria. E você, quem é? — perguntou a desconhecida com um sorriso, notando o olhar curioso – e levemente perturbador – que Ana lançava para ela.
Antes que Ana pudesse acordar completamente de seus devaneios, Maria rapidamente respondeu.
— Essa é a Ana, uma… — com uma pausa pensativa, seguiu a frase. — amiga. Coincidentemente ela estava passando por aqui. Ana, essa é uma das minhas clientes, Nat…
— Me chame apenas de colecionadora. — disse a mulher, cortando as palavras de Maria. Seu olhar avaliava Ana como se fosse uma obra exposta em um museu. “Então é ela”, pensou para si mesma, notando a faca negra levemente pendurada na cintura da estranha garota.
— É um prazer, mas colecionadora? De quê?
— Um pouco de tudo, mas em especial tenho um fascínio por itens inexplicáveis — enquanto dava a vaga explicação, ela acendeu um cigarro. — Bom, passei apenas para dar um oi, já vi o que precisava ver. Você receberá seu pagamento em breve, Maria.
Tão rapidamente quanto chegou, a mulher desconhecida se foi, deixando as duas outras garotas atordoadas.
— Ela se chama Natalya. Não recomendo que fique muito próxima dela. — murmurou Maria, sem resquícios de culpa por ter vendido as informações de Ana.
— É fascinante. Acha que ela deixaria eu estudá-la?
— Você não me ouviu? Não se aproxime!
— Isso decidirei no futuro. Mas e então, o que estava dizendo sobre “ser o lugar certo”?
— Ah, me esqueci disso. Esse lugar funciona praticamente como uma “guilda de mercenários”, aceitam serviços de todos os tipos, desde que paguem o preço certo. A verdade é que apesar de muitos trabalhos sombrios aparecerem, também ainda a muitos pedidos comuns, mas por não serem autorizados pelo governo são considerados ilegais.
— Parecem muito expostos para trabalhadores ilegais.
— O novo mundo não tem um governo real. É mais fácil ignorar os que têm poder do que tentar impedi-los.
— Entendo.
— Diferente dos caçadores comuns, muitos mercenários têm uma forte tendência a usar armas de fogo reformuladas com engenharia mágica ao invés de espadas, é uma alternativa para você, já que se interessou tanto pela megera robótica.
— E você? É uma mercenária?
— Com certeza não — respondendo com um sorriso, Maria deu um gole na bebida que estava em sua mesa — Eu já te disse, conhecimento é caro, e eu lucro em cima disso. É aquele papo, olhos e ouvidos em todos os lugares, por isso costumo vir aqui.
Enquanto conversavam, um dos guardas do local se aproximou da mesa. Seu corpo cobria a luz, causando uma sensação intimidante para quem o visse.
— A Madame está te chamando.
— Me chamando? Não sei se tenho assuntos a tratar com alguém que eu não conheço — respondeu Ana, confusa com o convite repentino.
— Não foi dada uma escolha.
Ela olhou ao redor. Guardas estavam em frente a todas as portas de forma sutil, suas mãos na empunhadura de suas armas, preparados para usá-las em um instante. Ao fundo de um dos corredores, uma mulher a encarava de forma ameaçadora. Ela se apoiava em uma espada ainda embainhada e seus olhos brilhavam sutilmente.
“Uma leitora… não era para serem raras?”, para sua surpresa, a mulher parecia a avaliar da mesma forma que sua mãe, demonstrando clara desconfiança em relação ao desconhecido. Não pareciam existir alternativas além de lutar para fugir ou aceitar encontrá-la.
— Bom, vamos acabar logo com isso.
Acenando positivamente para a resposta da garota, o robusto guarda a acompanhou até uma porta de carvalho escuro. Seus entalhes cuidadosos mostravam uma elegância não vista nas demais portas do estabelecimento.
— Entre e sente-se — uma voz firme veio de dentro da sala. Madame, a dona da taverna, encontrava-se sentada em uma poltrona próxima a escrivaninha. Pilhas de papéis e itens diversos estavam espalhados pelo quarto, em um tipo de caos organizado.
Madame desembainhou a espada lentamente, a colocando deitada em suas coxas. Era uma elegante peça de um metal avermelhado, fina como uma katana, mas com um estilo mais próximo da europa medieval
— Vou ser direta, mas que porra você é? Não lembro de permitir monstros em meu estabelecimento.
— Não sou um monstro, simplesmente não tenho mana — culpando seu próprio azar por escolher logo o lugar onde uma leitora morava, Ana decidiu contar a verdade, sem rodeios. Afinal, não era como se houvesse muitas explicações além dos fatos.
— A vida não existe onde não há mana.
— Foi o que ouvi falar, mas não é como se eu tivesse outra explicação para te dar.
A imponente mulher a encarou por vários minutos, sem dizer uma palavra. Arrepios passavam por seu corpo sempre que ela tentava ler o fluxo do corpo da estranha garota a sua frente. Quando finalmente organizou seus pensamentos, palavras ríspidas saíram de sua boca.
— O quê veio fazer aqui? Sua resposta vai definir como eu vou lidar com você.
— Preciso de dinheiro.
— Dinheiro?
— Sem mana, fui recusada nas guildas.
— As guildas não são o único lugar para se trabalhar, por que não fazer pães ou qualquer outra merda do tipo?
Ana respondeu com um sorriso. Ela havia refletido muito sobre seguir por outros caminhos, sabendo que conseguiria independente do que escolhesse. No entanto, seus músculos tremiam de excitação sempre que lembrava da sua última batalha, e mesmo com feridas ainda não curadas, ansiavam por mais.
— Parece que não é apenas pelo dinheiro — vendo o sorriso radiante da garota, Madame não discutiu mais. Muitos como ela frequentavam aquele lugar, pessoas que caiam no êxtase das batalhas ou sucumbiam ao prazer sombrio da brutalidade, desejando cada vez mais sangue. Finalmente, ela se recostou na poltrona, um sorriso sutil brincando em seus lábios. — Bem, se é dinheiro que você busca, precisa provar que tem valor. Não há espaço para mercenários que morrem no primeiro serviço, temos uma reputação a manter.
— Estou interessada. Quando começamos?
Madame Eclipse sorriu, satisfeita com a resposta rápida e decidida.
Na arena, o silêncio tenso pairava no ar, interrompido apenas pelo som das respirações pesadas dos combatentes e pelo murmúrio distante da multidão expectante. Os dois lutadores, rostos mascarados pela determinação, encaravam-se com olhos penetrantes, cada um pronto para dar início à batalha.
Com um rugido primal, o combate começou.
O lutador à esquerda avançou com um golpe de punho direto, sua força bruta imponente ao ser desferida contra seu oponente. Mas o outro combatente, ágil como uma serpente, esquivou-se com destreza, retaliando com uma série rápida de chutes e socos, cada golpe atingindo seu alvo com precisão letal.
Ouviam-se os estalos dos ossos se chocando e os gemidos de dor ecoando pelo ringue enquanto os dois guerreiros se enroscavam em uma luta brutal. Sangue espirrava pelo ar, pintando o chão da arena com manchas escarlates, testemunho da violência desenfreada do embate.
Os espectadores estavam presos em um estado de fascínio sádico, sedentos por mais da carnificina que se desenrolava diante de seus olhos. E assim, a luta prosseguia, os dois lutadores envoltos em uma dança caótica de destruição e dor, uma batalha pela supremacia na arena onde apenas os mais fortes e os mais cruéis podiam emergir como vencedores.
“Eu devia ter escolhido um pseudônimo melhor”, pensou Ana, envergonhada, enquanto encarava a tela no centro da arena.
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