A Eternidade de Ana - Capítulo 14
Capítulo 14: Arena
O ar da arena estava saturado de expectativa, o rugido ensurdecedor dos espectadores ecoando pelas paredes de pedra enquanto luzes cintilantes dançavam no teto abobadado. Sob os pés de Ana, a terra batida parecia pulsar com vida, cada grão áspero e irregular prometendo uma batalha feroz. Ana respirou fundo, o mundo ao redor pareceu desacelerar por um momento.
— Essa luta não faz sentido — murmurou ela, seus olhos se fixando no oponente do outro lado do ringue.
O Carnífice posava de forma imponente. Seu corpo era alto e musculoso, seus cabelos negros cresciam de forma desordenada, dando um forte ar de descuido ao homem. A expressão em seu rosto atraia olhares de repulsa, mas ao mesmo tempo emanava confiança e força. Seus olhos tinham uma intensidade quase predatória, era evidente que era um mestre de seu estilo de luta. Apesar disso, Ana o via como uma criança orgulhosa.
— Não gosto de como me olha — uma voz rouca chegou na garota pensativa, — Vou aproveitar cada segundo enquanto bato nessa carinha fofa.
Ana não respondeu, dando apenas um sorriso irônico. “Isso não é aquele típico diálogo comum de valentões? Que falta de criatividade!”
Segundo Madame, essa era a arena da seleção de mercenários. Todos os dias algumas poucas lutas aconteciam durante a madrugada, com participantes que pareciam ter potencial para o crescimento da companhia, seja por sua força, habilidades ou ideais.
Claro, os combates eram separados por categoria, magos não lutavam contra guerreiros, afinal, não costumavam pegar o mesmo tipo de trabalho. Apenas um mercenário novo nasceria em cada combate, e não eram permitidas desistências. Um combate até a morte não era obrigatório, mas a luta deveria seguir até que um dos lados sucumbisse por completo.
“No fim, ter poder é o que importa, não essa maldita mana”, era uma forma de seleção bruta, mas efetiva, e Ana gostou disso.
— Sua puta, não zombe de mim! — gritou o homem ao ver a esguia garota começar a se alongar, sem esboçar reação para suas palavras anteriores.
Este era um embate desarmado. Os corpos dos lutadores eram cobertos apenas por roupas leves e faixas em ambas as mãos. Ana lentamente esticou seu corpo, ignorando os gritos raivosos ao fundo.
Ela não estava empolgada com a luta, a confiança em suas próprias habilidades a fez considerar o teste como ganho.
— Aberturas em cada movimento, músculos desproporcionais, centro de gravidade desequilibrado — listou em uma voz neutra, analisando seu oponente. Ela não pôde deixar de torcer a boca para o que viu. — Se preciso lutar, gostaria de que pelo menos me mandassem alguém que sabe o que está fazendo.
O rosto do homem ficou de um vermelho brilhante. Apesar de sua personalidade ruim, ele era um lutador experimentado, e sabia que a análise de Ana não era infundada. Sugando um punhado de ar, ele se preparou para responder a garota, quando foi interrompido por um leve ruído.
Madame, que estava apoiada na grade superior da arena, lançou uma pesada moeda de ouro para o alto. Estranhamente, o lançamento ressoou no ouvido de todos, fazendo as conversas da multidão pararem por um instante, os olhos acompanhando o objeto brilhante no ar. A luta aparentemente desproporcional entre uma garota e um gigante estava prestes a começar.
Um giro. Dois giros. Três giros.
Ting.
Ana soltou seu corpo para frente no instante em que a moeda tocou o solo. Para a multidão, parecia que ela estava caindo, mas cada músculo de seu corpo começou lentamente a se contrair. Quase ao tocar o chão, sua perna direita girou de forma não natural, levantando seu corpo novamente e preparando-o para mais um giro, um movimento que lembrava muito o ballet.
— Ela está… dançando? — perguntou o homem para si mesmo, encarando a cena confusa. No entanto, no terceiro giro do corpo de Ana, um arrepio atravessou todo seu corpo.
“Eu vou morrer!”, seus instintos fizeram com que se inclinasse para trás ao mesmo tempo que o pensamento passou pela sua mente. Em frente a sua visão, um pequeno pé descalço atingiu de seu nariz, quebrando-o de imediato. Se tivesse demorado um pouco mais para desviar, o quarto giro da estranha dança teria acertado sua têmpora com precisão.
— MERDA, MERDA, MERDA! — o sangue se espalhou por suas roupas claras, deixando ainda mais evidente que o golpe o acertou. O Carnífice estava suando intensamente, seus olhos trocavam da garota sorridente a sua frente para o portão de saída a cada segundo. Ele nunca havia sentido a morte tão de perto quanto nesse curto e belo ataque.
— Olha, parece que você é melhor do que pensei. Não imaginei que fosse conseguir desviar.
Não dando tempo para que o homem se recuperasse, Ana novamente avançou, dessa vez em uma corrida direta.
“Eu não vou conseguir fugir”, percebendo rapidamente a situação, o homem cruzou os braços em frente ao peito. Ele não entendia como a garota à sua frente era tão rápida, mas orgulhosamente tinha a mana de um caçador rank D, então sentia-se confiante em resistir aos ataques agora que estava preparado.
A mana começou a fluir pelo seu corpo. A pele de seus braços enrugou-se sutilmente conforme seus músculos ficaram tão rígidos quanto o aço. Mantendo sua defesa firme ao invés de contra atacar, o grande homem esperou, encolhido.
“Ele me lembra uma tartaruga”, riu Ana mentalmente. Enquanto a batalha se desenrolava, ela rapidamente percebeu que tinha uma vantagem inegável em habilidade, mas não havia considerado a mana em seus cálculos iniciais. “Com base no que vi na internet, pensei que a mana afetava apenas o corpo, mas pela reação rápida dele também deve alterar as capacidades cognitivas e mentais. Não foi um ataque que um humano normal conseguiria desviar”.
Paralelo a seus pensamentos, seu corpo se movia como um rio cortando uma montanha, fluindo de forma natural ao redor do homem em postura defensiva. Os punhos de Ana o pegaram desprevenido, a garota mudou o curso dos ataques em pleno ar, atingindo suas costelas direitas.
“Oho, tem uma resistência decente, muito melhor do que o esperado”.
Para ela isso já havia deixado de ser uma luta, tornando-se um cenário de experimentação. Com cada golpe que ela desferiu, o som de ossos quebrando e carne rasgando preencheu o ar, uma sinfonia grotesca de dor e agonia.
“Imagino que a dureza do corpo seja compatível com a quantidade e o controle da mana do usuário… precisarei estudar melhor a extensão dos efeitos da mana em humanos, é uma pena que eu não saiba o rank desse cara…”
Cenários e hipóteses preenchiam sua mente enquanto mantinha o ritmo de seus golpes. Em certo momento, vendo sua defesa tornando-se cada vez mais irrelevante, o Carnífice mudou para uma tentativa desesperada de ataque, dando socos como uma tempestade.
Ana o ignorou, recebendo os pesados golpes de frente. Sua pele ficou roxa a cada punho que a acertava, mas foi como o esperado, seja lá qual fosse o nível desse mercenário, não era o suficiente para um ataque mortal – ao menos não sem armas adequadas.
A multidão, que antes estava tão animada e barulhenta, ficou silenciosa ao testemunhar a brutalidade da luta. Eles assistiam, hipnotizados e horrorizados, enquanto Ana se entregava ao frenesi da batalha.
E então veio o momento culminante, o clímax da luta que a consumiu com uma paixão selvagem. Presa em seus próprios pensamentos internos, Ana lançou-se instintivamente sobre seu oponente com uma ferocidade indomável, seus golpes chovendo implacavelmente. Cada soco era uma expressão de sua superioridade, uma prova de sua supremacia sobre aqueles que ousavam desafiá-la.
Estalos eram ouvidos, mas isso não parecia estar acontecendo no mesmo mundo em que ela habitava. Seu sorriso se aprofundava cada vez mais enquanto sua consciência se dispersava. Até mesmo seus cálculos sumiram em certo momento, deixando espaço apenas a violência existir em seu corpo.
— M-me… des-de… descul-pe… p-por fav-vor… pare…
Uma voz dita com dificuldade a tirou de seu estupor. Ela olhou para seu oponente caído aos seus pés, mal conseguindo formar palavras. Em algum momento, ela o havia derrotado, despedaçado e desfigurado. Ana moveu dois dedos para seus lábios curvados, surpresa com o sorriso selvagem que não queria deixar seu rosto.
A multidão permaneceu em um silêncio mortal, atônita diante da carnificina que acabara de testemunhar. Quando a batalha finalmente chegou ao fim, Ana estava banhada em sangue, seu corpo pulsando com o êxtase da vitória.
— Maldito monstro… — sussurou Madame, sem que ninguém percebesse. Em seguida, anunciou com uma voz dominante. — A Eterna venceu a disputa. Hoje, nasce uma nova rainha mercenária entre nós!
Um novo choque atingiu a multidão com as palavras discursadas, não era todo dia que reis e rainhas surgiam. Gritos de empolgação substituíram o silêncio perturbador que preenchia a arena. Era algo irracional, mas todos sentiam que a mulher ensanguentada que se erguia triunfante sobre o campo de batalha estava destinada a reinar como uma verdadeira guerreira, uma rainha entre os destroços de inimigos derrotados.
— Rainha mercenária? — as palavras se desenrolaram baixinho na língua de uma Ana confusa. Ela não tinha ideia do que tal posição representava, mas o anúncio atiçou seu forte desejo de estar no topo.
Envolta no silêncio que seguia a tempestade de aplausos, Ana contemplava o emblema negro com detalhes de bronze em suas mãos. A coroa estilizada, um símbolo de poder e reconhecimento, pesava mais do que seu tamanho sugeria.
“Hm, preferia algumas moedas”, ela brincou mentalmente, guardando a peça em seu bolso. Um vislumbre de curiosidade brilhou em seus olhos.
Madame, com sua aura sempre enigmática, quebrou o silêncio.
— Eu fiquei surpresa, você definitivamente é forte, mas não deveria ser capaz de matar um caçador de rank D.
“Rank D? Não é o mesmo das criaturas?”, enquanto ponderava, a lembrança da surpresa que teve ao ver seu oponente desviar de seu primeiro ataque veio a sua mente. “Ah, faz sentido! É muito mais difícil lutar com algo que usa puramente os instintos. O corpo daquele cara definitivamente não era mais fraco que o meu, mas seus movimentos eram tão previsíveis…”, terminando seus devaneios, ela voltou a focar na conversa.
— Esse parece ser seu limite. Sem mana, não há espaço para crescer — Madame caminhou até uma janela, olhando para o horizonte que começava a se pintar com as primeiras luzes do amanhecer. — Apesar disso, ser uma rainha mercenária não se resume à força. É sobre talento, e isso você parece ter de sobra. Hoje te dou a oportunidade de moldar o futuro de nossa companhia.
— É interessante e tudo mais… mas o que há para mim, financeiramente falando?
— Oh, dinheiro, sem dúvida. Isso sempre será nossa prioridade — um sorriso preencheu os lábios de Madame enquanto fazia um gesto exagerado para instigar a garota a olhar para as pilhas de ouro ao seu redor. — E claro, liberdade. Mas há mais. Você enfrentará desaf…
— Você está em um teatro? — Ana interrompeu o animado discurso. — Mas que droga! Detalhes, Madame. O que exatamente eu ganho e quais são meus deveres?
Madame encarou Ana, atônita com a reação repentina. Sua expressão escureceu, perdendo sua empolgação inicial.
— Um salário generoso, o valor integral de suas missões, sem comissões da taverna, e direito a uma equipe. Afinal, você é uma rainha. — disse em tom de brincadeira — Claro, você terá que cumprir uma missão de classe especial a cada, no máximo, 15 dias. Se preferir, existe a possibilidade de fazer várias missões seguidas, podendo assim ficar um maior tempo sem trabalhos obrigatórios. As missões não são fáceis, mas pagam bem e se adequam a seu nível de coroa.
— Nível de coroa?
— São marcos de progresso. Bronze Fundador, Prata Patrono, Ouro Aficionado, Platina Protetor, Diamante Visionário e Iridium Supremo. As seis coroas reconhecidas por mercenários de todo o mundo.
— Por que complicar com coroas? Não seria mais fácil usar os ranks de caçadores?
— Você é uma pessoa triste, não é mesmo? — A frustração de Madame era palpável. — Mercenários pegam trabalhos que uma pessoa em sã consciência evitaria. Cada vez que saímos por aqueles portões temos a chance de não voltar.
— Não sei se entendi seu ponto…
— “Rank A”, “Rank F”,“Rank C”. Pelo amor de Deus! Estamos em um mundo mágico! Todas as histórias que vimos em filmes e quadrinhos quando crianças agora podem ser experimentadas na pele. Me diga, Ana, por que não aspirar mais do que o ordinário em um mundo com tantas possibilidades?
Ana ouviu, sua mente oscilando entre a impaciência usual e uma reflexão inesperada. As palavras infantis ecoavam, provocando um turbilhão de pensamentos. Ela se recordou vagamente dos dias anteriores ao apocalipse, uma existência marcada pela monotonia de uma rotina exaustiva, onde sonhar parecia um luxo inalcançável. A vida era uma sequência de dias sem cor, cada um tão previsível quanto o anterior.
Agora, em uma realidade reescrita, Ana percebeu a ironia da situação. Madame estava certa; havia algo profundamente cativante em poder sonhar novamente, em um mundo repleto de perigos e maravilhas. As palavras inicialmente irritantes em sua teatralidade, passaram a vibrar com uma verdade inegável.
A mudança não foi repentina, mas as sementes de um novo começo foram plantadas. Ana percebeu que, apesar de tudo, o mundo oferecia a ela uma tela em branco. Apertando os dentes e se forçando a ao menos tentar viver como lhe havia sido sugerido, Ana respondeu.
— Então… sou uma fundadora de bronze, certo?
O sorriso de Madame voltou a aparecer ao notar que a estranha garota sentada a sua frente havia aceitado suas palavras.
— Sim, ao menos por enquanto. Espero que mostre-nos o que mais você pode fazer.
— Eu vou.
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