A Eternidade de Ana - Capítulo 17
Capítulo 17: Prótese
O sutil brilho do luar contrastava com a expressão sombria da garota. Sentada em um quarto escuro, ela lia e relia os complexos livros e artigos, absorvendo seu conteúdo como se seu corpo se alimentasse disso.
“Droga, isso vai complicar minha vida”, um ponto em comum de todos os textos lidos a incomodava: a criação de ferramentas mágicas exigia o uso de mana. Para a sorte de Ana, isso era apenas em sua confecção, se bem feito, o equipamento poderia ter certa autonomia absorvendo mana da atmosfera.
Se levantando da cadeira, Ana alongou seu corpo com uma grande espreguiçada. Seus músculos ficaram cada vez mais tensos com a correria dos últimos dias, então considerou as poucas horas de leitura como seu período de descanso. Com um olhar relaxado, ela se apoiou na janela.
A noite tecia um véu de serenidade sobre o mundo, suas ruas e edifícios cintilando sob um manto de orvalho. “Há uma beleza silenciosa na escuridão”, Ana refletiu, perdida na dança das sombras e luzes que apenas a noite conhece.
Com um salto pela janela do segundo andar, ela foi em direção a sua nova forja. As 3 moedas de ouro restantes deste mês foram usadas para equipá-las de forma básica, assim como comprar alguns materiais comuns. Felizmente, com a alta disponibilidade de materiais do novo mundo, o aço era extremamente barato.
As ruas jaziam em silêncio, um testemunho do mundo adormecido. Ana, com suas roupas desgrenhadas de dormir, movia-se como uma sombra entre as construções antigas. Seus pés descalços tocavam os frios ladrilhos de pedra e a suave brisa passava por seus cabelos soltos. Ela estava com saudade de sentir o mundo com seu corpo, já que estava evitando velhos hábitos que não se adequam à sociedade. Sempre que ela esquecia que não estava sozinha, centenas de olhares eram lançados em sua direção, a deixando desconfortável.
“Assim que eu me cansar, vou morar em alguma floresta por aí. Não me lembrava de como essa paz é boa…”, enquanto devaneava, pegou seu celular do bolso e iniciou uma chamada.
— Hm? Ana? Aconteceu alguma coisa? — A voz de Felipe era confusa e sonolenta, deixando claro que estava em meio a seu sono.
— Aconteceu sim, me encontre no covil.
— Covil? Do que você está falando?
— Covil, forja, campo de treinamento, sei lá! É difícil nomear um lugar que serve pra tudo. Apenas vá.
— Certo… mas no meio da madrugada? — A voz de Felipe vacilou entre a sonolência e a surpresa. — Não podemos esperar até de manhã?
— Vamos lá, não reclame, apenas vá. Finalmente chegou a hora de te ajudar.
— Me ajudar? Ah, certo! Estarei ai em alguns minutos. — supondo que Ana estava falando de se encontrar com o ferreiro que reconstruiria seu braço, a mente de Felipe despertou, fazendo-o responder com uma voz animada e desligar o celular.
“Parece que encontrei minha cobaia”, Ana deu um sorriso torto, seus olhos animados viam o horizonte de possibilidades que iam além dos muros da cidade. Cantarolando sons aleatórios, ela se dirigiu para o local de encontro.
Ana adentrou a forja vazia, o coração palpitante ante a promessa do que estava por vir. Primeiro, ela distribuiu cuidadosamente a lenha no forno, cada pedaço colocado para maximizar a circulação do ar e a eficiência da queima. Com a lenha arrumada, ela virou-se para os foles, ajustando-os meticulosamente para garantir uma oxigenação perfeita.
— Faz tanto tempo, velho amigo — enquanto organizava as ferramentas de trabalho com precisão meticulosa, cada uma em seu lugar designado, ela murmurava palavras de loucura que eram perdidas no fogo.
As chamas dançaram à vida, consumindo a madeira com uma fome voraz. Movendo-se para as foles, Ana as preparou com cuidado, garantindo que o ar alimentasse as chamas até que se tornassem um rugido poderoso. Cada ferramenta, cada pedaço de metal, estava em seu lugar, esperando pela alquimia que viria.
Ali, naquele instante de preparação, Ana dançou com as sombras e a luz, as chamas refletindo em seus olhos a promessa de novos começos. Este não era apenas o prelúdio de uma noite de trabalho; era o despertar de um novo capítulo em sua jornada, cada centelha uma estrela nascendo em seu universo de possibilidades. Enquanto aguardava Felipe, o coração de Ana batia em uníssono com o calor da forja, pronta para moldar o futuro com as próprias mãos.
— Você viu como eu melhorei? — ela murmurava, lançando um olhar para o vazio onde ele costumava estar. — Lembra quando você duvidava que eu conseguisse manusear o martelo? Olha pra mim agora.
Uma risada era compartilhada com o ar, sua visão ficou borrada com lembranças, vendo sombras que não existiam acenando pelos cantos. Naquele momento, alguém entrou pela porta principal, quebrando seus pensamentos de insanidade.
— Oi Ana, estou aqui. — vendo a forja já preparada, sua animação cresceu ainda mais, cheia de antecipação — Você conseguiu contato com o ferreiro que me disse? Posso conhecê-lo?
Ana ficou sem entender por um momento, até lembrar que não havia esclarecido o mal entendido de antes. Com um giro e uma profunda reverência, ela se apresentou novamente ao homem de um só braço.
— É um prazer, sou Ana, a artesã.
— O quê…?
— Vai ficar ai com cara de tacho? Sou uma pessoa de muitos talentos!
— Okay… então não podia ter avisado antes?
— Me esqueci — respondeu ela, dando de ombros.
— Entendi… — Felipe suspirou e se sentou na bancada próxima a porta. Ele olhou ao redor do pequeno galpão, a fornalha acesa dava um ar misterioso ao local, e as ferramentas dispostas no balcão o encheram de expectativas.
“Bom, só posso torcer pelo melhor. Se foi ela quem forjou a peça de antes, deve estar tudo bem”, pensou ele, lançando um profundo olhar em direção a Ana.
— Certo, chefe. Então por onde devemos começar? — Felipe decidiu apenas ver os resultados, então questionou a garota que mantinha um sorriso bobo no rosto.
— Começamos pegando as medidas exatas de seu braço esquerdo. Depois, seguimos para a fornalha, vou modelar a prótese em aço. Bem, por fim temos que aprender a aplicar as runas de engenharia mágica nela. Simples, não?
— Ah, falando assim parece simples sim, mas… o que você quer dizer com “aprender”?
— Não foque tanto nos detalhes, apenas me siga, o fogo já está quase na temperatura de derretimento do aço — disse a garota, fugindo da pergunta.
Com meticulosidade impecável, ela verificou os contornos do braço restante de Felipe. Cada curvatura dos músculos e tendões foram esboçados em seu caderno, e o processo de modelagem foi simulado repetidamente em sua mente.
Ana posicionou-se diante da fornalha, onde o calor emanava como um sopro do próprio coração da terra. Ela avaliou novamente a liga de metal escolhida, sorrindo ao constatar que tinha a durabilidade adequada. Com um gesto firme, alimentou novamente o fogo com a lenha preparada, finalmente chegando a uma chama perfeita para o trabalho que tinha em mente.
O aço começou a aquecer, adquirindo um brilho vermelho-alaranjado que parecia capturar a essência do amanhecer. Perfurando a massa incandescente utilizando um pequeno espeto de aço, garantiu que a maleabilidade estava ideal.
— Vamos começar — sussurrou ela, entrando em seu próprio mundo. O fogo à sua frente era tudo que existia nesse momento.
Com o martelo em mãos, ela começou a moldar a prótese, cada batida no metal quente era calculada e precisa, uma sinfonia de faíscas. As proporções precisas foram impostas ao metal, garantindo uma ergonomia adequada para o item.
“Não é algo que alguém comum possa fazer, ela é incrível”, pensou o caçador. Os golpes seguiram por horas a fio, o brilho do amanhecer já entrava pelas frestas das janelas. Felipe ficou em silêncio o tempo todo, com medo de que suas palavras quebrassem o ritmo que emanava o poder da criação. Era apenas uma cena repetindo-se incessantemente, mas seus olhos não conseguiam se desprender das costas de Ana.
Quando chegou a hora de gravar as runas, Ana finalmente fez uma pausa, respirando fundo. Com um pedaço de carvão, ela desenhou cuidadosamente os símbolos representando controle e movimento ao longo do aço recém moldado, cada um era um vórtice de potencial mágico.
— Venha aqui, vou precisar da sua ajuda nessa parte — sua voz estava seca após tanto tempo em meio ao calor escaldante.
— O que preciso fazer? — saindo de sua hipnose, Felipe se aproximou da bigorna.
— Não sei exatamente como explicar… preciso que mantenha um fluxo suave de mana enquanto termino o processo. Consegue fazer isso?
Felipe pareceu pensativo por um momento, mas logo respondeu de forma afirmativa.
— Acredito que sim, desde que seja o mesmo que faço para fortalecer as armas durante as lutas… Vamos tentar.
Ana respondeu com um aceno. Vendo que Felipe começou a fazer sua parte, ela começou a cantarolar baixinho o conhecimento que havia estudado, tecendo a mana transmitida nas linhas do metal. Então, utilizando um pequeno maçarico, aqueceu cada runa individualmente, ativando-as com o calor da chama e o poder de sua vontade.
O processo foi longo e demorado, dezenas de runas foram escritas em cada centímetro do aço. Por fim, ela mergulhou a prótese formada na água, aumentando sua resistência através do tratamento térmico. O som de sua criação se solidificando era como música, uma harmonia entre o fogo, o metal, e a água. Um polimento suave foi aplicado, garantindo a suavidade da superfície. Ana observou a peça, agora resfriada, com um olhar de satisfação.
— Veja — ela sussurrou. — não é só aço. É sua vontade materializada, é futuro. Experimente!
Ela havia criado não apenas um substituto para um membro perdido, mas uma obra de arte que encapsulava a essência da magia, da ciência, e do espírito humano. A prótese, agora completa, brilhava sob os primeiros raios de sol, um testemunho do novo mundo representando o poder de transformar sonhos em realidade.
Felipe a colocou cuidadosamente em seu ombro vazio. Uma estranha força de sucção comprimia a peça contra seu corpo, trazendo uma sensação de união que não condizia com algo feito de metal. Era como se seu braço tivesse voltado a existir.
— É surpreendente — murmurou ele, uma clara admiração adornava sua voz. A ponta dos dedos do novo braço tremiam levemente. — Mas… não parece funcionar.
Os dois se encararam por um momento. Um sorriso torto apareceu em seus rostos e uma gargalhada inesperada provinda do cansaço preencheu o ambiente.
— Não é como se eu esperasse conseguir de primeira. Nada nunca é tão fácil pra mim — com um suspiro longo, Ana jogou a prótese de volta na fornalha. — Esse vai ser um dia beeeem longo.
A fole começou a avivar novamente o fogo.
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