A Eternidade de Ana - Capítulo 41
Capítulo 41: Mortos
Ofegante e coberta de sangue, Ana olhou para seus companheiros. Eles estavam exaustos, feridos, mas vivos. O chão da câmara estava coberto de corpos e sangue, e o silêncio que se seguiu à morte de Maurice era quase palpável.
— Conseguimos — murmurou Júlia, sua voz trêmula. — Finalmente.
— Não acabou ainda — enquanto falava, Ana endireitou-se com dificuldade e focou em sua audição danificada, tentando identificar um baixo ruído que era ouvido ao longe.
Em paralelo, Felipe examinou o piano. As teclas estavam manchadas de sangue, e a estrutura do instrumento estava danificada pela luta, mas ele pôde notar as intrincadas inscrições que adornavam o instrumento.
— Não há tempo a perder — disse ele, deixando de lado as runas desconhecidas com certo pesar. Ele adoraria ter isso em mãos para suas melhorias na engenharia, mas não era sua área de atuação principal, dificultando sua compreensão do misterioso item. — Precisamos nos mover antes que mais seguidores apareçam.
— Parece que estão vindo dos três lados, muitos deles — disse a rainha mercenária, levantando a cabeça. Seus olhos ainda fechados destacavam sua contínua concentração. — Vamos para o fundo da câmara, peguem Alex e posicionem-se.
Ao longe, os passos tornando-se cada vez mais claros. Seguindo as ordens de sua líder, o grupo se reuniu na parede mais afastada do grande salão.
— Espera… tem algo aqui! — exclamou Felipe, arrastando longas cortinas carmesins que cobriam as paredes.
Uma pequena e desgastada porta estava no local. Sua estrutura simples de ferro dava a impressão de algo sem importância, mas sua posição estrategicamente escondida atrás de um altar quase escancarava que sua existência não era comum.
Os seguidores começaram a aparecer, um por um. Não pareciam estar com a estranha loucura vista na luta, mas seus semblantes agitados deixavam claro sua busca por algo. Notando os membros da Ironia Divina, sacaram suas espadas e começaram a se aproximar.
— Temos que ir agora — disse Júlia, ajudando Alex, que não conseguiu se manter em pé nem mesmo nesse curto período, a se levantar. — Não podemos enfrentar mais ninguém nesse estado.
Com um aceno de concordância, eles correram para a porta e se apressaram para dentro. Um corredor estreito os aguardava, a escuridão era quase total. As frias paredes de pedra, quase apertadas demais para uma pessoa passar, davam uma forte sensação claustrofóbica e um tênue odor fétido flutuava pelo ar, um odor que parecia ter a intenção de afastar intrusos apenas com sua existência, mas o grupo não podia recuar agora.
— Alex, vou precisar que você faça um último esforço… Não há trancas na porta. — disse Ana, apontando para as manoplas amarronzadas. — Uma corrente de ar parece vir lá de baixo, então não se preocupe em sufocarmos, apenas impeça-os de continuar.
O jovem fez um sinal de que entendeu e, se soltando dos braços de Júlia, deu um soco no chão com o resto de sua energia, As já estreitas paredes se juntaram, tirando a porta da visão de todos.
Quase que no mesmo momento em que a parede se fechou, um forte som foi ouvido, como se um pesado golpe tivesse acertado a pedra.
— Parece que não vai ser o suficiente.
Reagindo a ordem de Ana antes de precisar ser dita, o caçador socou novamente o chão, dessa vez um pouco mais baixo nas escadas, criando uma nova parede. Isso continuou a cada poucos degraus, criando camadas e mais camadas de proteção. O som dos perseguidores se afastava aos poucos, mas ocasionalmente se ouvia o forte estrondo de uma parede sendo derrubada.
— Eu não consigo continuar… — falou o garoto, baixinho, após construir por volta de dez paredes. Seus braços pararam de se mover, sua mana estava quase esgotada e os ossos de seus braços pareciam estar em posições levemente erradas após serem lentamente esmagados pelo forte recuo das luvas atingindo o chão.
— Você já fez o suficiente — Júlia afastou uma das mechas do cabelo do jovem enquanto dizia palavras calorosas. Seus olhos se marejaram ao ver o sorriso de Alex para ela antes de perder a consciência em seus braços.
O corredor levou a um tipo de caverna. A água se infiltrava pelas fissuras do teto em pequenas gotas, criando camadas de estalactites que davam um ar mágico, mas sombrio, ao local. A brusca mudança de paredes belamente esculpidas pela rústica paisagem natural causou certo estranhamento ao grupo.
— O que é isso? — perguntou Júlia, sua voz um sussurro na escuridão.
— Não sei, mas precisamos continuar — respondeu Ana. — Temos que sair daqui antes que eles cheguem.
Com passos cuidadosos, avançaram pela passagem subterrânea. O cheiro intenso e nauseante aumentava a cada passo. Rastros vermelhos eram ocasionalmente vistos pelo caminho, atiçando a imaginação quanto às atrocidades que ocorriam ali.
De repente, um vulto foi visto no fim do caminho. Seus passos eram arrastados e sua figura desengonçada movia-se lentamente, como se estivesse lutando contra a própria existência.
Com a espada negra em punho, a mercenária disparou, já preparada para um amplo corte diagonal. Conforme se aproximava, a figura se revelou. Era um seguidor das sombras, mas algo estava terrivelmente errado com ele. Sua pele estava pálida, quase translúcida, e seus olhos estavam vazios, como se a vida tivesse sido drenada dele. Ele estendeu a mão em um gesto de súplica, seus lábios movendo-se sem emitir som.
“Ele está… morto?”, pensou ela, questionando-se sobre o estranho ser, mas sem parar seus movimentos. Um corte rápido e preciso arrancou a cabeça do seguidor, o corpo desabando no chão com um baque surdo.
— Mas que merda é essa? Como podem existir mortos-vivos por aqui? — sussurrou Felipe, chegando um instante depois do ataque. Apesar de baixo, seus olhos estavam arregalados, e sua voz mais exaltada que o normal.
— Há algo estranho sobre isso? — Ana não pôde deixar de perguntar, ao notar que Júlia, assim como o garoto da prótese, mantinha uma expressão excepcionalmente surpresa.
— Você não sabe? Bem, talvez não seja tão surpreendente, não foi algo tão divulgado… mortos-vivos foram registrados menos de cinco vezes nos dez anos que ficamos em Aurórea. É muito estranho que um deles tenha aparecido aqui.
Enquanto explicava, ele encostou com a ponta da bota no corpo da criatura, como se para garantir que estava realmente morto.
— Como todos sabem, seres vivos perdem a mana ao morrer, sendo ela absorvida por outras criaturas próximas, purificando seus corpos e os deixando mais fortes, tanto fisicamente quanto mentalmente. É como se parte da vitalidade do ser morto fosse transferida para o resto do mundo. Mas os… “zumbis” são diferentes. Ao invés de perder a mana, ela fica presa em seus corpos, mas sem fluir por suas veias, apenas estagnada. Com essa raridade, quase nenhum estudo foi feito sobre eles, mas ao que parece não podem absorver mana e perdem seu raciocínio, param de evoluir.
— Vão contra a natureza, seres sem mana são repugn… — Júlia, após cortar explicação de Felipe e soltar palavras quase que automaticamente, rapidamente cobriu a boca com sua mão livre, encarando Ana com olhos arregalados.
— Oh, não ligue para isso, não é a primeira vez que deixam claro o quão bizarra eu sou — respondeu a rainha mercenária com uma gargalhada abafada, notando o arrependimento da garota ruiva ao recordar-se de que ela própria não tinha mana. — Vamos, esse assunto fica pra mais tarde, primeiro precisamos sair daqui.
O grupo continuou pela caverna, a tensão crescendo a cada passo. Eles revezavam o carregamento de Alex, mas o caçador inconsciente inevitavelmente tornava-os mais lentos. O cheiro de morte era quase insuportável, e a sensação de estarem sendo observados nunca os deixava. As paredes de pedra pareciam fechar-se ao redor deles, e o ar estava ficando cada vez mais denso.
Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, chegaram a um ponto onde a estreita caverna se expandiu para um grande bioma subterrâneo. A visão que se desdobrou diante deles era inesperada: um vasto espaço subterrâneo, iluminado por uma estranha bioluminescência que emanava de fungos gigantes e cristais espalhados pelas paredes e teto.
— Isso é… incrível — murmurou Júlia, olhando em volta com olhos arregalados.
— Nunca vi nada assim antes — disse Felipe, seus olhos brilhando com o mesmo fascínio.
O local era denso, com uma vegetação estranhamente opaca e árvores torcidas que pareciam se contorcer em direção à luz dos cristais.
“Parece que temos água passando por aqui, isso é um bom sinal”, pensou Ana, tentando identificar a origem de um sutil chiado que passava ao fundo.
Seguindo o som, logo encontraram um rio subterrâneo, suas águas brilhando com a mesma luz bioluminescente dos fungos. A correnteza era lenta, mas a água parecia profunda.
— Precisamos atravessar. Vamos procurar um lugar mais raso.
Enquanto seguiam a sugestão de Ana, avistaram uma ponte de pedra natural que parecia promissora. No entanto, ao se aproximarem, viram que estranhas criaturas, semelhantes a lagartos gigantes com escamas que se assemelhavam ao musgo que cobria a beirada do rio, estavam espalhadas pela área, algumas bebendo água, algumas apenas descansando e outras que seguravam o corpo putrefato de mais um seguidor morto-vivo, o qual ainda se movia com fracos agarrões nos répteis que devoravam seu estômago.
— A vida não pode facilitar as coisas pelo menos uma vez? — resmungou Ana, tirando novamente a espada da bainha.
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