A Eternidade de Ana - Capítulo 42
Capítulo 42: Subsolo
Os olhos de Ana analisaram rapidamente as criaturas à sua frente. Os lagartos gigantes pareciam se mover com uma estranha sincronia, seus corpos musculosos ondulando com precisão predatória.
— Precisamos de uma estratégia — disse Felipe, tentando manter a calma. — Eles são muitos e estamos exaustos.
— Se passarmos despercebidos, talvez possamos evitar uma luta — sugeriu Júlia, embora a dúvida em sua voz fosse evidente.
Ana balançou a cabeça, seus olhos focados nas criaturas.
— Não podemos correr esse risco. Se formos atacados no meio da travessia, estaremos vulneráveis. Melhor lidar com eles agora, enquanto ainda temos algum controle da situação.
Com um aceno de cabeça, o grupo se preparou para a batalha. Felipe ajustou sua prótese, carregando o último cartucho rúnico restante, uma fina bala com propriedades de ar. Sua existência se baseava em manter o poder com a pressão do vento para disparos a longa distância, mas, não podendo correr o risco, ele planejava utilizá-la a queima roupa. Júlia, por outro lado, ergueu seu martelo, os músculos tensos em antecipação.
— Vamos tentar atrair apenas um deles — disse Ana, dando um passo à frente e lançando uma pedra em direção ao lagarto mais próximo. A criatura virou a cabeça com um silvo ameaçador, avançando em direção ao grupo.
A batalha começou com um estrondo. Ana saltou para o lado, desviando-se das mandíbulas da criatura, enquanto Felipe tentou acertar suas costas com uma estocada de seu sabre, o qual foi repelido pelas duras escamas. Felizmente, no mesmo instante, Júlia trouxe seu martelo para baixo com um golpe poderoso, esmagando a cabeça do lagarto.
— Não são tão fortes quanto parecem — sorriu a garota ruiva, balançando a arma para tirar os restos.
No entanto, o barulho atraiu a atenção das outras criaturas. Elas se aproximaram rapidamente, e logo o grupo se viu cercado.
— Mantenham a formação! — gritou Ana, cortando metade do crânio de um lagarto que passou a seu lado. — Não deixem que nos separem!
Felipe e Júlia lutaram ao lado dela, com o jovem servindo de isca enquanto a garota esmagava qualquer coisa que corresse ao seu lado. A exaustão pesava sobre eles, mas a determinação em sobreviver os impulsionava.
— Que droga! Achei que conseguiria manter isso para uma emergência — gritou Felipe, sendo obrigado a disparar a bala restante na cabeça de um dos monstros que conseguiu fincar os dentes em sua perna esquerda.
— E tem alguma emergência maior do que essa? —gritou Júlia, atingindo um lagarto que disparou em direção a Alex, que foi deixado deitado no centro da formação.
Com um esforço concentrado, conseguiram derrubar algumas das criaturas, uma por vez. Vendo os companheiros morrerem, os largados tornaram-se mais hesitantes e, por fim, abocanharam alguns dos mortos de sua própria espécie e os arrastaram para a ponte de pedra, devorando-os lentamente enquanto encaravam a Ironia Divina com cautela, uma rendição velada para uma briga que poderia voltar a acontecer a qualquer momento.
— Não parece que vamos conseguir atravessar. Vamos descansar aqui por agora, parecem ter comida suficiente por enquanto…
Enquanto falava, Ana ajudou Júlia a deitar Felipe ao lado de seu irmão. Sua perna sangrando precisava de primeiros socorros. Em silêncio, o grupo armou uma pequena fogueira, sempre mantendo a mesma vigia que os lagartos mantinham neles.
Ana pegou um dos lagartos mortos e o arrastou para perto do resto do grupo. Com cortes precisos na região do abdômen da criatura, ela começou a remoção da pele. Ossos, músculos e carne saíram sem resistência.
Após uma breve olhada para os estranhos órgãos, a mercenária decidiu não utilizá-los. A princípio, pensou em descartá-los no rio, mas acabou optando por jogá-los em direção dos seus inimigos recentes, os quais, apesar de confusos, lançaram um tipo de olhar agradecido.
— Júlia, coloque um pouco de carne sobre a fogueira, vou descansar um pouco.
— Nós vamos comer isso? — exclamou a caçadora, com uma clara expressão de nojo.
— Já verifiquei que não existem toxinas na carne.
— Mas…
— Você tem ideia melhor? Não sabemos quanto tempo ficaremos aqui, não podemos gastar nossa ração seca sem pensar.
Júlia franziu os lábios, entendendo que as palavras de sua líder não estavam erradas. Pegando os pedaços sangrentos, ela começou a montar uma pequena grelha improvisada sobre o fogo, utilizando pedras próximas e as facas que levavam em suas mochilas.
Dando uma última olhada para o grupo, Ana fechou seus olhos. Ela era uma das únicas que estava em posição de lutar no grupo, então sentiu a necessidade de manter sua energia no máximo
Era um mundo branco e infinito. Nele, nada existia, mas ao mesmo tempo parecia que tudo poderia ser contido.
— Ei, eu estou morta?
— Já te disse antes, eu não sei, sou só uma lembrança mal feita.
— Não vem com essa merda, eu parei de sonhar há muito, muito tempo atrás — resmungou a garota, franzindo a testa. — Não pode ser uma coincidência que você esteja sempre aqui.
— Bem, você me pegou, mas não estou mentindo — riu o anjo, cobrindo sua pequena boca com uma das mãos. — Sou um resquício preso no tempo, uma lembrança do que já fui um dia.
— Um resquício… então você não sabe o que aconteceu?
— Apenas até o momento em que o selo foi colocado em você, mas pelas suas visitas, imagino que o meu eu completo já não esteja a seu lado.
— Certo, mas me diga, eu estou morta? — repetiu a garota milenar, dessa vez com um tom mais sério.
— Por que me pergunta isso?
— Eu não sou capaz de absorver mana. Desisti de pensar profundamente nisso, mas descobri recentemente que geralmente isso só é possível em uma situação… quando estamos mortos.
Com as palavras de Ana, o sorriso de Gabriel mudou, tornando-se o mesmo que a garota já vira milhares de vezes no passado, um sorriso radiante que não era refletido em seus olhos.
— Mana? — sua voz tremia, uma indignação surgindo do fundo de seu âmago — Como está o mundo atualmente?
— Não tenho como explicar isso muito bem… a Terra e uma tal de Aurórea viraram um só e… bem, você foi puxado por umas correntes estranhas no processo. Por sinal, você podia ter me avis…
— Quieta, desgraçada! — cortando as palavras de Ana, Gabriel gritou palavras ríspidas. Sua expressão era de uma fúria genuína, algo que Ana nunca havia visto nos seus mil anos juntos. — Não sei o que minha outra versão incompetente fez, mas pelo jeito você é apenas outro erro, não melhor do que todas aquelas sombras ignorantes.
Sem qualquer aviso, a cópia afundou no chão, deixando o local em um silêncio pacífico. Ana suspirou e sentou-se em meio ao nada, ela já esperava que essa conversa não levasse a lugar nenhum.
— Ana! Ana! Acorda, por favor! — com um tom de desespero, Júlia chacoalhou a adormecida rainha mercenária, a tirando de seus devaneios.
Ana despertou imediatamente, sua expressão mudando de confusão para alerta em segundos enquanto tirava a espada de sua bainha, preparada para o que viesse.
— O que houve? — perguntou, a voz tensa.
— É o Felipe. Ele está com febre e… tem pus amarelo saindo da ferida — a voz da garota tremia levemente durante a explicação.
Ana guardou a arma e se ajoelhou ao lado do garoto, examinando rapidamente a ferida. Ele estava delirando, a perna claramente infeccionada.
— O que houve? — perguntou, a voz tensa.
“Não vamos ter tempo para tratar isso da forma adequada”, pensou, sentindo o intenso odor pungente do ferimento. Os lagartos estavam inquietos, suas cabeças levantadas e corpos tensionados, como se esperassem um momento de fraqueza do grupo.
— Aqueça as lâminas no fogo — ordenou ela. — Vamos precisar fazer isso rápido e com o máximo de precisão possível.
Júlia assentiu, correndo para cumprir a ordem.
— Vai ficar tudo bem. Vamos tirar você dessa — Alex, o qual havia acordado a pouco em um estado ainda enfraquecido, estendeu a mão para o irmão, murmurando palavras de encorajamento com uma voz cheia de preocupação.
— Felipe, isso vai doer, mas pense pelo lado bom… — murmurou Ana com um sorriso, pegando uma longa faca ainda em um escarlate fervente das mãos da caçadora ruiva e posicionando-a sobre a perna do garoto. — Você vai ganhar uma nova prótese pros seus testes.
Colocando força no utensílio em sua mão, ela fez o corte, e o grito de Felipe ecoou pela caverna, misturando-se ao som da água gotejando e ao farfalhar inquieto dos lagartos.
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