A Eternidade de Ana - Capítulo 50
Capítulo 50: Ominoso Destino
— Covardes! Malditos filhos da puta! — bradou a garota, sua voz ecoando no ar pesado. Seu rosto estava contorcido de raiva e frustração, enquanto suas palavras saíam como veneno.
Não aguentando mais, um dos homens, alto e musculoso, avançou com os punhos cerrados e a intenção clara em seus olhos.
— Não danifique a mercadoria — ordenou friamente outro, levantando a mão para interrompê-lo. Ele estava sentado com um cigarro na boca, seus cabelos loiros escorrendo por seus ombro. Seu tom autoritário contrastava com a postura relaxada no banco da carroça.
Relutantemente, o homem parou antes de dar o soco ao ouvir as palavras de seu chefe, mas em resposta cuspiu em Ana, um gesto de desprezo que a fez ranger os dentes.
A memória de como tudo aconteceu ainda estava fresca na mente da garota. Ao se aproximar da caravana que viu ao longe, foi cercada por homens montados em estranhos cavalos azulados, em suas mãos armas de fogo que brilhavam com a luz das tochas presas nas carroças.
A luta acabou antes mesmo de começar. Não havia o que fazer, a garota nua simplesmente largou a espada e levantou as mãos, sendo rapidamente subjugada e jogada junto com outras escravas. A sensação de impotência a corroía por dentro.
O ambiente ao seu redor era repugnante. O cheiro de suor, sangue seco e desespero pairava no ar dentro de cada uma das várias gaiolas, todas cobertas por lonas pretas. As outras mulheres estavam em estados variados de sofrimento, algumas chorando silenciosamente, outras murmurando palavras de consolo ou rezas desesperadas, e algumas apenas com olhares vazios em direção ao nada. O chão de madeira era duro e sujo, coberto de detritos e manchas escuras cujo odor indicava tempos de negligência.
Uma jovem ao lado de Ana, com olhos inchados de tanto chorar, virou-se para ela ao ver os inúmeros xingamentos.
— Se você não ficar quieta ele vai descontar em todas nós quando ninguém estiver vendo… — murmurou, a voz trêmula e sem convicção.
Ana apenas deu um aceno e fechou os olhos, tentando bloquear o ambiente degradante e encontrar algum resquício de força interior. Mas a raiva, a impotência e o nojo eram avassaladores.
Os momentos que se seguiram foram lentos e pesados. Os escravistas passavam de vez em quando, rindo entre si, ocasionalmente puxando alguma das mulheres para fora da jaula. O som das botas pesadas ecoando no chão de pedra era um constante lembrete do cativeiro. Ana estava cada vez mais consciente do peso das correntes em seus tornozelos e pulsos, um peso que ia além do físico.
— Mais uma palavra e você vai se arrepender — sussurrou um dos guardas quando Ana estava prestes a começar a xingar novamente.
Ela encarou o homem com olhos furiosos, mas manteve o silêncio, considerando o aviso da inocente garota de antes. Sabia que eles estavam apenas esperando uma desculpa para machucá-las. A mercenária respirou fundo e se forçou a olhar ao redor, tentando avaliar a situação. As mulheres ao seu lado eram jovens e velhas, magras e robustas, todas com marcas de sofrimento em seus rostos.
Algumas horas depois, a caravana parou. Os homens começaram a descarregar algumas mercadorias em uma pequena cabana, e Ana observou com crescente inquietação. A noite estava caindo, mas não havia estrelas no céu subterrâneo, apenas a fria escuridão. Uma brisa leve a fez se encolher, não haviam dado roupas a ela depois de a encontrarem, e todo o ferro ao seu redor tornava o ambiente congelante.
Um dos homens que estavam descarregando se aproximou da jaula e abriu a porta, um sorriso cruel podia ser visto em seu rosto.
— Vamos, todas vocês, saiam. Vamos nos divertir um pouco antes de continuar.
As mulheres hesitaram, mas não havia escolha. Uma a uma, saíram da jaula, os olhares baixos e os corpos tremendo de medo. Ana foi uma das últimas a sair, e o homem a empurrou com força, fazendo-a quase cair.
— Vá, mercadoria. Mostre algum respeito.
Ana resistiu ao impulso de se jogar contra ele ali mesmo, tentando manter a compostura enquanto era levada junto com as outras para uma área aberta.
Os mercadores montaram um acampamento improvisado, com algumas fogueiras iluminando a escuridão. Eles jogaram as mulheres no chão e começaram a jantar, lançando os restos conforme terminavam para as escravas se alimentarem.
Ana pegou um osso com alguns restos de carne e o olhou por um instante. Para os outros, a comida era miserável, mas para Ana, era um banquete. Fazia tanto tempo que não comia algo decente que até os restos lhe pareciam um manjar. Ela sorriu enquanto mastigava, ignorando os olhares curiosos e desconfiados ao seu redor.
— Há quanto tempo não como algo tão macio? — murmurou para si mesma, quase rindo da ironia.
Logo bebeu a água suja que lhe deram, sentindo a garganta arder. O líder da caravana observava a cena com interesse. Seu olhar era frio, mas ao mesmo tempo pareciam sorrir de forma desconfortável. Um toque de crueldade se escondia em sua expressão, contrastando com sua postura relaxada e aparentemente gentil.
Ele sabia que a garota à sua frente não era normal, o ambiente que a encontraram não era um no qual um simples civil conseguiria sobreviver, mas desde que ela resultasse em lucro, ele não ligava pras suas origem, estava feliz.
— Entenda, esse mundo é fodido. Não me culpe por seu azar — disse o homem loiro, a voz carregada de ironia e indiferença.
Ana o encarou por um momento, seu olhar penetrante transmitindo toda a sua raiva e desprezo. Mas não respondeu, apenas continuou a comer. O homem deu uma leve risada com o gesto da garota, se afastando em seguida do local com um balançar de ombros.
— Quanto você acha que vamos conseguir por essa carga?
— O chefe disse que os compradores estão ansiosos. Mulheres jovens sempre têm um bom preço.
— E as outras?
— Elas podem trabalhar nas minas. Sempre há demanda por trabalho barato.
Os fragmentos de conversas chegavam aos seus ouvidos, previsões de um futuro que poderia ser pior que a morte. Sabia que precisava encontrar uma maneira de escapar, mas a vigilância era apertada e as chances de sucesso, mínimas.
Depois de comer, algumas das mulheres foram empurradas de volta para a jaula, enquanto outras eram puxadas com olhares desesperados para as tendas de alguns dos homens.
— Não toquem nas que parecem virgens, elas valem mais intactas — murmurou um deles, puxando a mulher ao lado de Ana. A garota observava a cena com um crescente nojo. Sua raiva era palpável, e isso a tornava uma figura ameaçadora, o suficiente para que ninguém se aproximasse dela. Ao menos por enquanto.
A noite se arrastou lentamente, com os gemidos e sussurros das outras prisioneiras preenchendo o lúgubre silêncio. Ela não conseguiu dormir. Sua mente estava em constante alerta, procurando por qualquer oportunidade, qualquer fraqueza que pudesse explorar.
No entanto, os homens estavam preparados. Enquanto alguns continuavam com brutais abusos, guardas armados revezavam a patrulha do perímetro do acampamento, ela sabia que tentar escapar agora seria suicídio. Precisava de um plano, de um momento de distração, algo que pudesse virar a situação a seu favor
“Entenda, esse mundo é fodido. Não me culpe…”, as palavras de antes ecoaram em sua mente, alimentando sua raiva e determinação. “Parece que mesmo sem Aurórea, existe um lado do mundo que eu não experimentei em meus mil anos. A sombra da humanidade.”
— Eu vou sair daqui, não importa o que aconteça — ela olhou para a escuridão, fazendo uma promessa silenciosa a si mesma com baixas palavras.
Os dias se transformaram em semanas. As escravas foram diminuindo conforme a caravana avançava, algumas sendo vendidas em estranhos estabelecimentos isolados, algumas sendo deixadas como trabalhadoras a serem exploradas na coleta dos mais diversos recursos e algumas sumindo misteriosamente após as noites de suposta diversão do grupo.
Às vezes, durante as refeições, Ana ouvia novos fragmentos de conversas, entendendo aos poucos sobre a sociedade macabra em que se encontrava. Além de Ana, que nenhum comprador se interessou após encontrar o furioso olhar, e duas mulheres mais maduras, apenas as mais belas garotas sobraram na gaiola. As porções de comida foram aumentadas nos últimos dias, e os abusos deixaram de ocorrer, como se estivessem preparando as peças para exibição.
— Esse lugar é uma maldição. Nunca vi uma terra tão estéril de mana — disse um dos homens, na casa dos vinte e poucos anos, com a voz carregada de frustração.
— Calma, rapaz, amanhã devemos chegar à cidade. Lá, pelo menos, podemos nos fortalecer antes de qualquer outra viagem — respondeu outro, bem mais velho, assentindo com a cabeça e um leve tapa nas costas de seu companheiro.
Nesta noite, enquanto mastigava um pedaço meio comido de um estranho vegetal, prestava especial atenção às vozes que a rodeavam. A informação sobre a escassez de mana chamou sua atenção a princípio, mas não viu muita utilidade em saber disso após refletir um pouco sobre o assunto.
Analisando os arredores, ela viu um vagão que geralmente ficava ao fundo, e para sua surpresa sua espada estava jogada entre outras tralhas amontoadas. Pelas palavras de antes, as oportunidades de fugir estavam acabando. Não conseguia pensar o que aconteceria se fosse vendida, mas sabia que não era o que desejava, então centenas de planos começaram a se formar em sua mente.
“E se eu disparar em direção a ela agora?”
“E se eu saltar em um dos cavalos?”
“E se eu fizer as principais escravas de refém?”
Infelizmente, nenhum de seus planos se concretizaria, pois uma bota marrom como terra molhada voou em direção ao seu rosto neste instante. Uma aura amarelada parecia rodear o borrão, e a velocidade absurda somada a ação totalmente inesperada a pegaram desprevenida.
“Forte! Extremamente forte!”, seu corpo se jogou para trás por reflexo em uma tentativa de sair do caminho, mas o chute ainda atingiu seu queixo de forma precisa, fazendo gotículas de um vivo líquido vermelho se espalhar pelo ar. “Talvez o nível de um rank B? Não havia a menor possibilidade de fugir desde o começo…”
— Eu já vendi escravas o suficiente para saber o que esse olhar significa — disse o líder da caravana, limpando as gotas de sangue que respingaram em seu sapato. — Não pense em nada estúpido, garota.
— Mas que droga, Cesar, digo, chefe — uma voz amedrontada, mas repreensiva, foi ouvida ao fundo. — Não podia só jogar ela na gaiola? Vamos vendê-la amanhã…
“Cesar. Eu vou me lembrar desse nome…”, pensou a garota, caindo para trás enquanto perdia a consciência.
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