A Eternidade de Ana - Capítulo 51
Capítulo 51: Perene Abismo
Chegaram à estranha cidade ao final da tarde. A primeira coisa que Ana notou foi a vastidão do lugar. Era um gigantesco buraco no chão, rodeado por arquibancadas improvisadas, uma arena colossal que dominava a paisagem. Ao redor do buraco, poucas construções permanentes podiam ser vistas, mas o cenário era dominado por milhares de cabanas de visitantes e vendedores ambulantes, que se espalhavam como um mar de pessoas.
Os guardas os receberam com desdém, olhando para o grupo de escravistas com um misto de desprezo e indiferença, mas os mercadores pareciam mais relaxados aqui, sabendo que estavam em terreno conhecido.
— Estamos aqui para vender nossas mercadorias na arena — disse Cesar, com uma voz firme.
— Mais um grupo de traficantes, hein? — respondeu um dos guardas, um homem corpulento com uma cicatriz no rosto, cuspindo no chão. — Não estamos precisando de mais problemas aqui.
— Estamos apenas fazendo negócios. Temos escravas de boa qualidade, e sabemos que a arena sempre precisa de novas… atrações.
— Atrações, é? — o homem riu, um som áspero e sem humor. Ele olhou para as mulheres acorrentadas, incluindo Ana. — Espero que valham a pena.
— Nossas mercadorias são as melhores. Garanto que não haverá problemas. Apenas deixe-nos passar.
O guarda ponderou por um momento, então estendeu a mão com uma expressão impassível.
— Verme ganancioso — resmungou Cesar, passando um pequeno saco de moedas firmemente amarrado que estava em seu bolso.
Com uma rápida análise no conteúdo, o guarda acenou satisfeito e deu um passo para o lado, indicando para que passassem.
A cidade era um local vivo, mas de uma forma sinistra e opressiva. Havia tendas de mercadores vendendo de tudo, desde alimentos até armas e poções. O mercado era uma cacofonia de sons e cheiros, e os vendedores gritavam incessantemente as ofertas, mostrando mercadorias exóticas que Ana nunca tinha visto antes. Esqueletos de criaturas monstruosas pendiam em algumas barracas, enquanto outras exibiam peles, chifres e garras. As pessoas passavam apressadas, carregando sacos de moedas e puxando carroças cheias de produtos.
Outros traficantes de escravos exibiam suas “mercadorias” em grades de ferro com orgulho, anunciando as habilidades únicas de cada cativo. Ana observou em silêncio as mulheres e crianças, magras e exaustas, que olhavam para os transeuntes com olhos vazios, a esperança há muito desaparecida.
Monstros em gaiolas eram levados de um lado pro outro. Algumas das criaturas eram grotescas, com múltiplos olhos e membros deformados. Outras pareciam quase humanas, mas havia algo nos seus olhares que indicava uma natureza bestial. Os guardas batiam nas grossas barras de ferro, atiçando os monstros a rugirem e se debaterem para garantir que os espectadores vissem sua ferocidade.
Um fato chamou a atenção da mercenária que se escorava em sua própria prisão, várias pessoas usavam mana das formas mais variadas nas ruas, parecia que uma quantidade avassaladora de manipuladores existia por ali. Havia aqueles que manipulavam pequenas chamas para entreter os passantes ou preparar refeições, enquanto outros faziam demonstrações mais complexas, como levitação de objetos pesados ou criação de ilusões fantasmagóricas.
No entanto, apesar da abundância de magia que não era vista na superfície, Ana notou que todas as demonstrações pareciam estranhamente fracas, como se a mana estivesse sendo restringida ou diluída de alguma forma assim que era liberada.
“Então era disso que os guardas estavam falando, faltam recursos nessa merda de lugar”.
De repente, sua jaula parou de se mover com um forte tranco, a tirando de seus pensamentos. Cesar, o líder da caravana de escravistas, desceu de seu assento e começou a montar uma barraca próximo à entrada da cidade arena. Entre os diversos itens que exibia para venda, a espada de Ana repousava sobre a mesa, reluzindo sob a luz fraca. Vários viajantes inspecionavam as mercadorias, mas poucos demonstraram real interesse na lâmina negra.
— Boa arma, mas parece ser apenas aço — disse um mercador, pegando a lâmina e examinando-a de perto, com clara curiosidade.
— É uma boa peça, olhe para as marcas, já passou por muitas batalhas! — respondeu animadamente Cesar, tentando esconder sua decepção. Seu olhar passou rapidamente por Ana, voltando em seguida ao potencial cliente. — Se for para o senhor, faço por um preço justo.
— Bem, é uma boa arma decorativa — o mercador acenou com a cabeça e entregou algumas moedas ao chefe escravista, que aceitou o pagamento sem discutir. Não havia sentido em levar peso inútil, ele precisava se livrar de tudo o mais rápido possível para seguir para a próxima viagem.
Em um canto, Ana observava a cena com a boca torcida, mas a carroça em que estava logo foi levada para um canto escuro do mercado, onde um tipo diferente de público se reunia. Ao longe, notou Cesar a encarando, dando um pequeno aceno zombeteiro de adeus.
Chegando ao local, os homens a empurraram para uma pequena cela de madeira junto das outras mulheres. O cheiro de suor e desespero era sufocante. Um tempo silencioso de uma estranha paz se passou, mas tão rápido quando saíram, os escravistas voltaram, levando todas para um grande pátio cercado, onde um palco simples de madeira desgastada estava montado. Despidas, as mulheres foram colocadas ordenadamente, sendo expostas como mercadorias para qualquer transeunte que caminhasse pelo local.
Os compradores a analisavam com olhares frios, como se fosse simples pedaços de carne. Algumas das mais bonitas foram rapidamente levadas, saindo amarradas com lágrimas nos olhos ao imaginar o sombrio futuro.
Nesse ambiente cada vez mais nojento, uma figura se destacou entre os clientes. Era uma mulher imponente, de quase dois metros de altura e músculos bem definidos que havia ficado parada por um tempo, apenas observando. Seus cabelos eram de uma cor castanho claro e presos em um firme coque, o qual seguia firme apesar dos pesados passos que se aproximavam da barraca.
— A mercadoria de hoje parece fraca, Jorge. O que você tem de melhor pra me mostrar?
— Bem, você quem é exigente demais… te conhecendo, essa aqui deve te agradar — disse um dos mercadores, baixo e com um grande barriga proeminente, puxando Ana para perto e erguendo seus braços para mostrar melhor seu corpo. — Forte, resistente e cheia de espírito. É meio arisca, mas só precisa de um pouco de adestramento.
Mordendo os lábios, Ana se segurou para não atingir os dentes do homem com seu cotovelo, mantendo o controle por pouco. Cada fibra de seu ser queria lutar, mas sabia que sem um plano tudo seria inútil.
Sem dizer uma palavra, a mulher olhou fixamente para ela por um tempo, avaliando-a de cima a baixo com um olhar intenso. Com um movimento rápido, entregou uma bolsa de moedas ao escravista, que aceitou o pagamento com um sorriso satisfeito.
— Vai servir, solte ela — sua voz era suave, mas saiu cheia de autoridade.
— É sempre bom fazer negócios com você!
Jorge jogou a garota para frente de forma brusca, contando o dinheiro recebido enquanto entregava-a à nova proprietária, a qual pegou o pequeno corpo de Ana em pleno ar.
— Suas mãos contam uma boa história — disse a mulher musculosa, sorrindo ao amarrar os pulsos de Ana com firmeza, sem perder tempo. — Calos de um guerreiro não mentem, esses dedos já usaram muito uma espada.
— E isso é bom? — perguntou a rainha mercenária, curiosa com a reação relativamente gentil de sua compradora.
— Depende somente de você.
Com a resposta ambígua, jogou a nova escrava sobre seu ombro e começou a se esgueirar pelas vielas agitadas ao seu redor, parando minutos depois em frente a um pequeno portão de ferro. Apesar de estar apenas em uma entrada de serviço, Ana suspirou com a visão que se desenrolava diante de seus olhos. Um anfiteatro de arquitetura gótica detalhada seguia até onde a visão podia ver. Imenso, amedrontador, imponente. Era uma construção inimaginável.
“Parecia muito menor de longe, mas isso é verdadeiramente incrível!”, pensou, vendo como era o estranho “buraco” de perto.
— Então eu estou indo para a arena? Irá me colocar para lutar?
— Lutar? Não hahaha… você será a atração no espetáculo de abertura — disse a mulher, sua voz saiu em meio a uma sutil risada. — Lave-se, deve estar apresentável para o público.
Com estas poucas ordens, Ana foi jogada em uma pequena cela de preparação, onde a escuridão e o cheiro de sangue fresco a cercavam. Podia ouvir os rugidos distantes de criaturas e os gritos da multidão ansiosa por entretenimento. Um pequeno balde com água e sabão estava encostado na parede do fundo, e sentada no chão frio, a garota começou a se limpar, sentindo toda a sujeira das últimas semanas saindo lentamente da sua pele.
Pouco mais de uma hora após chegar, a porta da cela se abriu novamente, e sem mais explicações, uma muda de leves roupas de linho foram jogadas em seu colo. Era um conjunto branco bem ventilado, o tecido era agradável ao toque e contrastava com o sujo lugar ao seu redor.
— Vista-se rápido, todos estão te esperando.
— Eu vou voltar? — a voz de Ana estava serena, e seu olhar fixo nos olhos da mulher corpulenta.
— Provavelmente não.
As duas caminharam em silêncio em direção à arena. Os pés descalços de Ana, recentemente limpos, já voltavam a se sujar com a terra seca. Ao chegar ao local, a luz brilhante a cegou momentaneamente, mas logo seus olhos se ajustaram à visão da arena lotada. A multidão rugia de excitação, e se Ana não soubesse que era o provável palco de seu fim, se deixaria contagiar pela animação.
— Pode ao menos me dizer o que vou enfrentar?
— Você será o sacrifício de Dellos, a fera da boa sorte.
— Terei uma arma? — perguntou a mercenária, apontando para seu corpo nada protegido como se para ressaltar sua já baixa probabilidade de sobrevivência.
A mulher apenas balançou a cabeça em negação, como se a resposta para tal pergunta fosse óbvia. Tambores começaram a rufar conforme o portão se abria, e com um empurrão leve, ela jogou Ana para dentro do local.
Assim que ouviu o estrondo das barras de ferro se fechando às suas costas, soube que não tinha mais volta. Seu olhar se centrou na jaula em meio ao enorme cenário, a qual se abria lentamente. Uma criatura de três metros de altura saiu assim que um pequeno espaço da grade se abriu. Seu pelo misturava simetricamente partes brancas com partes pretas, e seu aspecto dava a impressão de que era meio desengonçada. Apesar disso, as muitas cicatrizes ao longo de seu corpo denunciavam suas inúmeras batalhas. Suas garras afiadas brilhavam sob a luz, e seus olhos, pequenos e inteligentes, observavam o ambiente com uma intensidade perigosa. As patas grossas terminavam em dedos curtos e robustos, projetados tanto para agarrar quanto para rasgar, e seu corpo musculoso se movia com uma agilidade surpreendente para seu tamanho.
“Mas isso é a porra de um panda!”, pensou Ana, antes de fogos de artifício brilharem no topo da arena.
— É com grande prazer que dou como aberta a temporada de gladiadores de Tenebris! — gritou o locutor, e a multidão explodiu em aplausos e gritos. — Que o espetáculo comece!
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