A Eternidade de Ana - Capítulo 53
Capítulo 53: Gloriosa Submissão
— Vai apostar na Glutona hoje? — perguntou um homem de barba rala e olhar astuto ao seu companheiro. — Ela está invicta até agora, e a abertura da temporada promete.
— A Glutona? — o outro respondeu, franzindo o cenho em surpresa. — Ela vai lutar este ano também?
— Sim, haviam diminuído a frequência das suas lutas para manter o interesse. Mas sinto que vai ser um espetáculo!
Eles estavam encostados em uma das muitas barracas que circundavam o grande buraco no solo. O burburinho ao redor era quase ensurdecedor, com pessoas se empurrando para fazer suas apostas e discutir as próximas lutas do dia. Com passos lentos e uma conversa descontraída, foram em direção à arquibancada, misturando-se à multidão excitada. A atmosfera estava carregada de expectativa e energia.
Dentro da arena, a luz diminuía a intensidade aos poucos, ajustando a ambientação de forma a criar longas sombras que dançavam nas paredes de pedra. As cadeiras estavam lotadas, com pessoas de todas as partes do abismo, todas ansiosas para ver o início da brutal época dos gladiadores. Os tambores começaram a rufar, sinalizando o começo da cerimônia.
As portas se abriram lentamente na parede central, revelando Ana. Roupas leves feitas de couro azul, adequadas para a mobilidade e a velocidade, delineavam seu corpo esguio, dando um toque charmoso e sutilmente sensual à sua aparência. Uma armadura de metal simples adornava seus ombros, estendendo-se até os pulsos, sendo mais um enfeite para o público do que utilizada para proteção real.
Com um leve alongamento e um largo sorriso, começou a caminhar em direção ao centro da arena. A plateia rugiu em saudação, aplausos e gritos se misturando em um som ensurdecedor.
— Senhoras e senhores! — anunciou o locutor, uma voz rouca e tão empolgada quanto o público. — Bem-vindos à abertura da temporada de gladiadores! Hoje, temos um espetáculo especial para vocês. Apresento-lhes nossa campeã do ano passado… Glutona!
“Nunca vou me acostumar com esse apelido…”, pensou Ana, corando levemente enquanto fazia uma reverência graciosa. Tal nomeação surgiu naturalmente pelas ruas, vindo de seu peculiar hábito de devorar as criaturas que derrotava, um ritual que se tornou um espetáculo por si só, algo que o público passou a adorar.
Sem mais espera, dez portões ao redor da arena se abriram simultaneamente, e dez lobos vermelhos, cada um do tamanho de um homem adulto, emergiram, rosnando e mostrando seus dentes afiados. Seus olhos brilhavam com uma fúria selvagem, e suas patas batiam na terra com um peso ameaçador.
Ana começou a se mover, dançando pela arena com uma graça mortal. Seus movimentos eram fluidos e relaxados, quase como uma coreografia ensaiada. Ela esquivava, saltava e desferia golpes precisos, sua adaga cortando o ar com um silvo agudo.
Um dos lobos saltou em sua direção, suas mandíbulas prontas para fechar em torno de seu pescoço, mas Ana girou no último momento, com a afiada lâmina encontrando o torso do lobo e o cortando profundamente. O animal caiu ao chão, sangue jorrando da ferida aberta.
Outro lobo tentou atacá-la por trás, mas ela já havia previsto o movimento. Com um salto elegante, ela passou por cima da criatura, aterrissando atrás dela e cravando sua lâmina em seu flanco. Todos a encaravam com olhos bem abertos, e pequenos binóculos brilhavam com uma sutil luz violeta por toda parte enquanto seus usuários infundiam mana, podendo assim ver o embate de perto, cada movimento da gladiadora levando-os ao êxtase.
Os lobos caiam continuamente, aumentando a intensidade da torcida. O sangue escorria pelo chão, tornando o solo cada vez mais carmesim. Ana estava no controle, e as criaturas notaram isso, com as últimas três feras se afastando de sua oponente em meio a fracos rosnados e pernas tremendo.
— Oh, vocês me lembram de uma época muito, muito distante — sussurrou ela. O som se perdia em meio aos gritos, mas os lobos estranhamente se acalmaram com o tom que misturava múltiplas frequências.
Era como se sentissem uma estranha confiança nela, como se reconhecessem algo familiar e ancestral em sua presença. Ana caminhou lentamente em direção a eles, com a arena entrando em silêncio total.
— Não tenham medo — murmurou, com um olhar turvo e perdido em memórias. Com um gesto suave, começou a acariciar suas cabeças, sentindo o calor da pele e a textura do pelo. — Eu também já fui uma criatura selvagem, sem lar ou propósito, vagando pelas sombras.
Os lobos tremiam ainda mais intensamente sempre que a mão da garota se aproximava, um tipo de temor irracional se apossando de seus corpos. Mas de forma hesitante e curiosa, os olhares deles encontraram o dela. Uma sensação de segurança e respeito foi transmitida a partir dos profundos olhos cor de mel.
— Quando eu estava sozinha, tinha alguns cachorros. No começo, tão fofos e assustados como vocês… — continuou a garota, sua voz baixa e suave, como se estivesse confidenciando um segredo aos lobos. — Eles eram meus companheiros leais. Vivemos juntos por muitos anos.
Ana apertou o pescoço do lobo à sua frente com dedos firmes, trazendo desespero imediato à pobre criatura, mas o mesmo não ousou se mexer. Seus instintos diziam que se o fizesse, o monstro de expressão nostálgica a sua frente o esmagaria.
— Eu sabia conversar com eles, entendia seus olhares e rosnados. Mas… — Ela parou por um momento, sua adaga cravada no chão enquanto olhava para os espécimes caninos restantes. — Acabei os deixando de lado durante minhas viagens. Eles não conseguiram manter o meu ritmo, uma grande pena. Eu espero que vocês não me decepcionem desta forma.
Sua mão se afrouxou, e pegando sua arma de volta, apontou-a para seus ouvintes.
— Curvem-se — ordenou, a voz firme, mas ainda gentil.
Houve um momento de tensão palpável, mas então, lentamente, os lobos cederam. Um a um, eles se curvaram, abaixando as cabeças em submissão. O reconhecimento da esmagadora força e liderança era claro.
Sem desviar o olhar, Ana caminhou até um dos corpos caídos. Com um golpe preciso de sua lâmina, abriu o peito da carcaça.
—Não queria me sujar tanto hoje — resmungou, mas seguiu enfiando a mão na cavidade torácica. — Hoje teremos um banquete compartilhado! Comam! — ordenou com uma voz implacável, erguendo o coração para reforçar suas palavras.
Os três sobreviventes, aterrorizados, obedeceram, rasgando os corpos dos companheiros com dentes vorazes enquanto milhares de olhos os assistiam em êxtase. O som dos ossos quebrando e da carne sendo rasgada ecoava pela arena, uma sinfonia macabra que combinava com o espetáculo brutal.
Ana deu uma mordida no órgão vermelho em suas mãos, completando a contragosto o ritual que esperavam dela, o sangue escorrendo pelo seu queixo. Depois de garantir que os lobos continuassem a devorar os corpos, Ana caminhou até o portão da arena.
— Quando terminarem, mande-os para o meu galpão. Eles são minha posse agora.
O guarda assentiu, surpreso e um pouco intimidado pela frieza nos olhos de Ana. Ela se virou para a multidão uma última vez, levantando a mão ensanguentada em um gesto de vitória. A arena explodiu em aplausos e aclamações, celebrando a sua campeã.
“Bom, agora é hora de me lavar”
Ela caminhou para dentro com passos rápidos, suas pernas doendo de cansaço, apesar de não ter feito muito esforço. Passou pelas celas dos outros gladiadores, muito semelhantes à sua cela quando foi recém comprada, recebendo olhares de admiração e inveja. Alguns sorrisos de zombaria e acenos levemente crueis foram enviados para os cativos, mas logo seus passos a levaram até a sauna do local, um pequeno luxo que havia conquistado com suas repetidas vitórias.
Após uma breve ducha no chuveiro externo para tirar o excesso de sangue, entrou no local. O vapor quente a envolveu, proporcionando um alívio imediato para seus músculos cansados e o cheiro de carvalho vindo das paredes acalmou sua mente. Já sentada em um banco simples, mas bem esculpido, estava sua dona, com os olhos fechados e uma simples toalha dobrada sobre as grossas pernas.
— Você se superou hoje, Glutona — disse Cassandra com um sorriso, seus olhos se abrindo lentamente e percorrendo o corpo de Ana.
— É, foi uma boa luta — respondeu, sentando-se ao lado da grande mulher. Com um puxão rápido, soltou o laço que prendia seus cabelos, fazendo-os cair sobre seus ombros.
— Eles realmente te amam lá fora. Eu quase me sinto ciumenta — Cassandra brincou, sua mão se moveu gentilmente para tirar uma mecha de cabelo do rosto de sua escrava.
— Quase?
— Quase — confirmou, aproximando-se um pouco mais.
Ana apenas riu, afastando-se do olhar vulgar da mulher ao inclinar-se para trás. Ao fechar os olhos, sentiu o calor começar a relaxar seus músculos.
— Não entendo como pode ter ciúmes de um rato.
— Vai continuar com isso? Eu confio em você, e você tem mais liberdade que qualquer um aqui.
— Minha incrível “liberdade” não passa de uma ilusão frágil. Não pude colocar um pé fora desse local por um ano inteiro.
— Vamos, Ana, você sabe que ainda é minha escrava, não sabe? Existem limites que não podem ser cruzados se eu quiser manter minha autoridade por aqui.
Ana suspirou, deixando o calor penetrar ainda mais em seus ossos. Tentou deixar os pensamentos de lado e apenas ficar contente em ter um momento de paz. Cassandra riu pela falta de resposta, arrumando-se novamente no banco e voltando ao momento de descanso.
— Hoje fui ao mercado de escravos novamente. Cesar completou mais uma volta, ele está na cidade novamente.
— Quer realmente falar desse tipo de assunto comigo? — Ana perguntou, seu tom levemente irritado não sendo capaz de esconder totalmente sua curiosidade.
— Bem, achei que gostaria de saber que encontrei mais algumas boas mercadorias, ele é realmente capaz no que faz. Alguns parecem promissores, estou curiosa para saber se eles vão conseguir tirar nossa estrela do pódio.
— Espero que eles sejam pelo menos um pouco decentes. A última leva que você trouxe não passava de um bando de inúteis.
— Não se preocupe, dessa vez não vou te decepcionar — disse Cassandra, com um sorriso confiante crescendo em seus lábios. — Eu consegui uma Sombra!
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