A Garota e o Contrato da Espada - Capítulo 0
Em seu quarto Evelin, uma jovem garota com um corpo esbelto, pele pálida demonstrando não ser acostumada com a luz do sol e longos cabelos prateados, estava praticando música em seu piano de cauda. Por ser de uma família rica ela reside em uma grande mansão, seu quarto por sua vez é grande o suficiente para ser confundido com um pequeno apartamento. O tamanho exagerado do cômodo tem um propósito, por ter uma saúde fraca, a garota passou sua vida inteira dentro da mansão, quase nunca vendo o lado de fora.
— O sensei estava certo quando disse que música era difícil de aprender — Resmungou Evelin.
Os últimos raios de sol do dia esquentavam o quarto naquele fim de tarde. Quando algo interrompeu o suave som do piano.
— Senhorita Evelin, o jantar já está pronto — Disse Erica, a empregada da família, após bater à porta.
— Já estou indo! Poxa, achei que conseguisse aprender essa música antes do jantar… — Respondeu Evelin, que se retirava do acento do piano indo direção a porta.
— O que teremos… — Começou a dizer enquanto abria a porta, porém parou subitamente ao se deparar com que havia do outro lado.
Erica, que além de ser a empregada da família serviu muitas vezes como babá de Evelin, agora estava com seu corpo erguido no ar com uma lança atravessando seu estômago. A jovem garota congelou ao ver sua velha conhecida espumar sangue pela boca.
— Eu mato você depois — Disse uma grande criatura encapuzada que carregava a lança.
O ser misterioso apenas abandonou Evelin congelada ao pé da porta e se afastou ainda carregando o cadáver preso em sua lança.
— Você quer sobreviver…? — Disse uma voz estranha, que trouxe a garota de volta ao mundo.
Era uma voz grossa que anestesiava o medo dela, apesar de nunca ter ouvido ela em toda a sua vida. Evelin procurou em todo canto a origem da voz, mas não achou.
— No armário… Quebre a terceira tábua… Me encontre… — Continuo a voz misteriosa.
Evelin estava em um impasse, qual seria menos perigoso? A criatura encapuzada ou a voz misteriosa que vem do armário? A garota escolheu a segunda opção. Fechou a porta e foi até o local citado. Dentro havia uma enorme coleção de roupas que juntas poderiam ter valor equivalente ao de um carro. Afastou as roupas e foi dando toquinhos na madeira com os ossos dos dedos, percebeu que a terceira tábua parecia ter algum tipo de vão atrás. Enfiou suas unhas na lateral do pedaço de madeira e tentou arrancá-lo. Por ter uma saúde frágil, seus músculos eram muito fracos, mas com uma força misteriosa ela conseguiu arrancar a tábua.
— Me encontre… — Repetiu a voz.
Atrás da abertura recém formada no fundo do armário, havia um buraco na parede com uma caixa de madeira. A misteriosa caixa não é parecida com nada que Evelin já tenha visto em sua vida, parece ser algum tipo de antiguidade com alguns arabescos desgastados enfeitando ela.
— Muito bem… Abra a caixa… Me liberte… — Pediu a voz.
Analisando a fechadura da caixa, a garota percebeu que ela provavelmente tinha algum tipo de selo, mas que já havia se desfeito por causa do tempo. Ao abrir, uma pequena nuvem de poeira saiu de dentro, confirmando a hipótese de Evelin, que ninguém abria aquela caixa a muito tempo. Dentro, em cima de um forro acolchoado velho, havia uma espada quebrada. A arma em questão já não tinha mais a sua lâmina, apenas um pequeno fragmento de metal mostrava que um dia uma lâmina esteve lá.
— Me manche com seu sangue… Profana-me… — Suplicou a voz
Quase hipnotizada pela misteriosa voz, ela cortou sua própria mão com o pedaço de lâmina quebrada remanescente.
— Muito obrigado… Resolverei o resto por você… — Disse a voz com um tom de alívio.
Evelin desperta, de alguma forma ela caiu no sono. Ainda confusa após ter acordado, limpou seus olhos com a mão. Foi quando percebeu que ela estava encharcada de sangue. Com medo do que poderia ver, levantou o olhar e visualizou ao redor de si mesma. Ela estava ajoelhada no que parece um dia ter sido o salão principal de sua casa, que no momento estava destruído. Ao seu redor havia alguns corpos mutilados, ela foi capaz de contar quatro quando foi interrompida.
— São sete no total — Era a voz misteriosa novamente. No entanto, ela parecia mais revigorada agora — Vejo que finalmente despertou. Temi que o impacto tivesse sido muito grande para o seu pequeno corpo e nunca mais acordasse — Continuou.
— O que houve…? Onde estão meus pais? A Erica… — Questionou a garota procurando a origem da voz.
Olhando ao seu redor percebeu que a possível origem era uma espada fincada no chão logo a sua frente. A arma possui-a uma longa lâmina prateada que transmitia uma grande pureza, combinada com uma guarda que formava um par de asas que carregavam no meio um grande orbe vermelho parecido com um olho. Sua empunhadura era feita de linhas douradas entrelaçadas que seguiam até chegar a um grande cristal azul que parecia ser o pomo.
— Mortos. Infelizmente não tivemos tempo de salvá-los. Meus pêsames — Respondeu, que apesar de parecerem palavras de consolação, o tom em sua voz era de uma frieza inimaginável.
A mente de Evelin se inundou de lembranças de seus dias felizes ao lado de seus pais e sua fiel empregada, Erica. Por seus pais serem muito ocupados com trabalho, ela passava a maior parte do tempo apenas com Erica. No entanto, quando presentes, seus pais eram bem amorosos. Lágrimas começaram a rolar pelo rosto pálido e deixaram um rastro quando passavam sobre as manchas de sangue nas bochechas da garota. Ela estava sozinha e não sabia o que fazer.
— Se acalme — Disse a espada.
Com essas duas palavras, todo sentimento de tristeza desapareceu da cabeça da jovem. Era como se todo o trauma de perder as únicas pessoas que amava tivesse desaparecido.
— O… O que houve? — Perguntou curiosa, enquanto limpava as lágrimas no rosto.
— Sua casa foi atacada por demônios, demônios de contrato para ser mais exato — Respondeu.
— Demônios?
— Os próprios lacaios do Rei do Inferno.
— Mas por que?
A confusão da perda agora havia sido trocada pela confusão sobre os invasores de sua casa.
— Aparentemente o seu pai não fez os devido cumprimentos ao novo Rei, o que enfureceu a coroa— Explicou a espada.
— O que meu pai tem a ver com o Rei do Inferno?
— Seu pai era um demônio de contrato também. Há muitos que decidiram viver vidas mundanas entre os humanos, mas isso não faz com que suas obrigações como demônios desapareçam.
Agora, o que já não fazia sentido para a garota, fez menos sentido ainda.
— Meu pai? — Perguntou incrédula.
— Sim, mas não temos tempo para sua ignorância sobre a sua própria árvore genealógica. Logo os protetores de sua terra vão chegar e será difícil explicar a situação — Disse a voz misteriosa cortando o raciocínio de Evelin.
— Protetores do que? — Questionou ela.
— Acredito que o nome formal deles aqui é “polícia”.
A polícia. A garota se perguntou por que ninguém havia aparecido ainda após toda essa destruição e carnificina.
— Precisamos ser rápidos. Eu já detectei um possível esconderijo. Me tire daqui e siga minhas instruções — Continuou a espada.