A Garota e o Contrato da Espada - Capítulo 10
Após finalmente resolverem grande parte de suas desavenças, Gier e Evelin continuaram seu treinamento intenso na floresta. Kaori ensinou a garota alguns movimentos básicos de esgrima e novas formas de controlar sua respiração em sincronia com seus movimentos. Ela conseguiu aprender tudo muito rápido com ajuda de sua espada em diversos aspectos. O próprio peso da arma parecia estar mais leve. No período de três dias, Evelin passou de uma pessoa que age por puro instinto, para uma espadachim com total domínio sobre o básico.
— Acho que depois de tudo isso você consegue enfrentar um demônio de nível superior de igual pra igual
— Comentou Kaori vendo os resultados do treino.
— S-Superior…? — Perguntou Evelin ofegante.
— Sim, ué. Você não conhece os ranques de força dos demônios?
— Nunca ouvi falar.
— Gier, por que você não explicou isso pra ela?
— Ah, sim. Eu sempre estive no topo, então todos eram igualmente fracos para mim — Respondeu a espada com toda naturalidade possível.
— Esnobe — Disse a garota demônio, ainda incrédula com a resposta.
— Enfim — Continuou ela — Para medir o poder dos demônios existem seis ranques. Do mais fraco para o mais forte seriam: Inferior, Ordinário, Superior, Lorde, Rei e por último, Imperador. Os ranques também representam seu status social. Em teoria o Rei do Inferno deve obrigatoriamente estar no mínimo no ranque Rei.
— Por que “em teoria”? — Indagou Evelin.
— O Rei atual ascendeu até o seu cargo através de um golpe militar. Sua força real nunca foi posta à prova, e como alguém que conheceu ele pessoalmente, sei que ele não tem tal poder — Explicou Kaori.
— Então o atual Rei seria o antigo “General mais fraco do mundo”? — Perguntou Gier.
— Sim. Assim como ninguém nunca soube como ele se tornou general, é um mistério como ele chegou até o trono.
Após essas respostas, um silêncio tomou o ambiente. Até que a garota de cabelo roxo retornou a falar.
— Bem, eu já te ensinei o básico e tenho outras coisas pra fazer além de ser sua babá. Hoje eu vou voltar pra casa com o mestre e deixo você livre pra fazer o que quiser a partir de agora — Disse ela.
— Entendo, eu nem sei como agradecer por toda ajuda que você nos deu… — Respondeu Evelin.
— Não me agradeça. Eu só fiz tudo isso a pedido do homem que te deu esse quimono. Por mim, teria sido mais fácil eliminar você do que te ensinar a controlar seus poderes.
— Ah, havia esquecido sobre ele. Afinal, quem é esse homem misterioso?
— Seu nome é Issac, o Imortal. Ele provavelmente irá atrás de você assim que retornar de viagem. Aliás, outra coisa antes que eu esqueça. Assim que eu ir embora, é muito provável que alguém venha te atacar. Isso só não aconteceu ainda por causa da minha presença. Tome cuidado.
Assim que terminou de falar, Kaori partiu sem deixar brechas para perguntas.
— O que devemos fazer agora? — Indagou a garota.
— Não sei ao certo, talvez devêssemos ir atrás de Yuki… — Começou a dizer Gier, quando foi interrompido.
— Isso não será necessário — Disse uma voz masculina misteriosa — Agora que a favorita do Rei não está mais no meu caminho, posso finalmente matar você.
Procurando quem estava por trás dessas palavras, Evelin enxerga um vulto descendo das árvores. O dono da voz era um sujeito alto e esguio de pele pálida, vestindo um estranho terno azul-marinho.
— Quem é você?! — Exclamou a garota entrando em pose de batalha.
— Eu? Eu sou o verdadeiro general d’água! — Esbravejou o homem — Quando soube que aquela cadelinha de gelo fugiu de uma mestiça qualquer, eu soube que essa era a minha chance de obter o meu lugar por direito!
A criatura misteriosa se aproximava lentamente de Evelin. De suas mãos surgiram o que parecia ser algum tipo de chicote feito de água. Apesar dele manter seus braços parados, os dois tentáculos se mexiam freneticamente de forma independente.
— Parece que esse cara é o antigo general d’água, que perdeu sua posição ao ser derrotado por Yuki. Tome cuidado — Disse Gier mentalmente para a garota.
Evelin por sua vez, não deixou o oponente tomar a iniciativa e desferiu o primeiro golpe. Usando sua espada ela tentou um corte na vertical, mas sem nem mesmo mover um músculo, um dos chicotes ricocheteou o golpe da garota.
— Isso é inútil. Entre os generais eu era conhecido como o que tinha a melhor defesa. Nada consegue se aproximar de mim quando eu estou com meus chicotes! — Gritou o demônio.
Ao terminar de falar, foi sua vez de atacar. Um dos chicotes se alongou e acertou em cheio o ombro de Evelin. A água corta como navalha a pele da garota. Assim que ela recebeu o golpe, recuou imediatamente.
— Não adianta correr, eu alcançarei você aonde quer que esteja!
Novamente, em um movimento súbito, o homem atacou. Dessa vez fez um corte profundo na perna de Evelin. Para tentar se esconder do alcance de seu inimigo, a garota usou as sombras para se esconder atrás de uma árvore que estava fora do campo de visão de seu oponente.
— Quando eu ouvi sobre você, achei que talvez fosse daqueles casos raros de mestiços que conseguem ser superiores aos demônios comuns. No entanto, parece que eu estava errado. Você é apenas uma mestiça qualquer.
Outro golpe feroz foi desferido. O demônio cortou a árvore em que a garota se escondia acertando em cheio seu peito, sendo jogada pra longe.
— Não adianta correr nem se esconder. Eu posso fazer isso de olhos fechados!
— Você fala demais! — Esbravejou a garota, que fez uma rápida investida com o intuito de fazer uma estocada em seu oponente.
Antes mesmo que ela se desse conta, seu golpe já havia sido amparado por um chicote enquanto o outro acertava suas costas. Evelin caiu ofegante no chão, enquanto tossia uma grande quantidade de sangue.
— D-Droga… Esses chicotes são muito chatos — Murmurou a garota, enquanto se levantava.
— Acho melhor recuarmos, você ainda está cansada do treinamento — Disse a espada mentalmente
Seguindo as ordens de Gier, após levantar ela tentou recuar, no entanto, um dos chicotes a agarrou pela cintura puxando ela de volta para a batalha.
— Eu não vou deixar você fugir. Vou estraçalhar seu corpo e depois levarei como presente para o Rei! — Gritou o demônio enquanto se virava na direção da garota.
— Matar uma mestiça qualquer vai consertar a sua honra por perder para uma mulher? — Indagou Evelin, que se apoiava no chão com ajuda da espada.
— O que você está fazendo? Está querendo morrer? — Perguntou Gier mentalmente.
— Eu tenho um plano — Respondeu ela.
O comentário de Evelin pareceu afetar seu oponente. A velocidade de seus chicotes aumentou drasticamente, no entanto, seus movimentos ficaram mais oscilantes.
— O-O que você sabe pra dizer isso?! Você é só um zero à esquerda, mas, mesmo assim, aquela vadia fugiu de você com o rabo entre as pernas. Matando você provarei que sou superior a ela! — Esbravejou o homem com raiva.
Outro ataque foi na direção de Evelin, no entanto, ela conseguiu desviar do impacto por pouco.
— Acho que entendi… — Comentou Gier — Os demônios de alta classe têm muito preconceito com aqueles que não controlam um dos quatro elementos. Ser derrotado por Yuki, que controla um subelemento, deve ter ferido seu ego.
— Ela fugiu? Ou ela viu o quão fraca eu era e me deixou ir embora? Me matar só vai provar que você está fazendo o trabalho sujo que nem um subelemento faz! — Comentou a garota, imitando o sarcasmo habitual de Kaori.
— C-Cale a boca! Apenas morra! — Gritou o demônio emputecido.
O homem partiu para o ataque novamente, no entanto, pela primeira vez ele moveu seu corpo inteiro e não apenas seus chicotes. Ele começou uma série de golpes contra Evelin, que os defendia com dificuldade. Enquanto ele atacava, ia se aproximando da garota, que por sua vez recuava a cada golpe.
— Você! Uma mera mestiça, acha que pode contra alguém como eu?! Eu, Ramsés, o quinto filho, a muralha impenetrável! Coloque-se no seu lugar, vadia — Esbravejou.
Enquanto recuava, a garota acabou sendo presa por uma árvore que estava bem atrás dela. Percebendo a situação, Ramsés se aproximou e cercou ela com seus chicotes. Evelin estava encurralada.
— Como eu disse, você não é páreo para mim! Diga suas últimas palavras, mestiça!
— Evelin Vertrag — Murmurou a garota.
— O que… — Começou a perguntar o demônio, quando foi interrompido com uma faca cortando sua jugular.
— Evelin Vertrag, é o nome da mestiça que matou você — Respondeu ela enquanto se afastava do demônio.
O homem caiu de joelhos no chão, tentando parar o sangramento com suas mãos. No entanto, era tarde, o corte havia sido profundo demais. Seu terno estava manchado com seu próprio sangue, que escorria sem parar entre seus dedos.
— Co… Co.. — O demônio tentava dizer algo, mas suas cordas vocais também haviam sido cortadas.
— Você fala demais — Comentou Evelin, que com Gier, novamente em sua forma de espada, decapitou o rapaz com apenas um golpe.
Após a sua primeira luta de verdade contra um demônio, a garota saiu vitoriosa, deixando um corpo inerte para trás. Enquanto isso, em algum lugar muito distante, duas figuras misteriosas assistiam ao fim do duelo através do que parecia ser uma bola de cristal
— Parece que o senhor estava certo no final das contas — Comentou um deles.
— Fufufu. Parece que a senhorita Kaori fez um grande achado — Respondeu o outro, que aparentava ter bem mais idade que seu jovem companheiro.