A Garota e o Contrato da Espada - Capítulo 12
Evelin caminhava pelas ruas da sua cidade natal, no entanto, pelo fato de não ser muito normal as pessoas andarem vestindo quimono na rua, ela tomou o hábito de se locomover nas sombras. Usar tais poderes era algo até mais vantajoso do que andar normalmente, ela se mantinha escondida dos olhos das pessoas normais e tinha uma visão muito melhor do que estava ao seu redor. Evitando a pequena chance de alguém ainda a reconhecer, mesmo após a troca de cor no cabelo e a grande cicatriz no rosto.
A garota teve suas fotos circulando nas redes sociais e nos jornais com frequência. Pelo fato de ser a única herdeira de toda a fortuna da família Vertrag, estava acontecendo um grande tumulto para saber com quem esse dinheiro ficaria. Recusar uma herança milionária parece algo muito idiota de se fazer, mas chamaria muita atenção para a garota. Para alguém que andava assassinando criminosos, atenção era a última coisa que Evelin queria.
— Em todos os meus quinze anos de vida, nunca tive amigos além dos meus pais e os empregados que trabalhavam na nossa mansão, mesmo assim, milhares de pessoas se dizem minhas “melhores amigas” apenas para conseguir um pouco do meu dinheiro… — Disse a garota mentalmente, enquanto via notícia de mais um rapaz se intitulando de “Namorado de Evelin Vertrag”.
— A grande maioria dos seres humanos, são apenas vermes que tentam devorar qualquer maçã que caia da árvore — Respondeu Gier, também mentalmente.
Os dois andavam conversando entre si bem mais que antigamente. Durante suas primeiras caçadas, Evelin passava dias sem trocar uma única palavra com sua espada. Depois do treinamento com Kaori, não conseguiam passar mais que algumas horas sem conversar. Recentemente, o assunto mais recorrente era o seu encontro com o amigo da garota demônio. Por causa de tal encontro, agora os dois se encontravam, indo para o tal porto da cidade.
— Você acha que ele é realmente confiável? — Perguntou Evelin.
— Não sei dizer, mas, de qualquer forma, ir escondido até o porto para checar a situação não vai nos causar nenhum problema. Se realmente tiver um demônio lá, podemos derrotá-lo e ficar mais fortes, se não tiver, pelo menos pude conhecer o tal porto — Argumentou a espada.
A cidade onde ela morava, é localizada em uma ilha no litoral brasileiro, que abriga um dos maiores portos da região. Grande parte da fortuna da família Vertrag, foi gerada lá, como diziam os noticiários com frequência. Apesar de seu pai trabalhar em uma empresa portuária, Evelin nunca havia conhecido o local, afinal nunca saia de casa. De alguma forma, Gier absorveu parte da curiosidade da garota de conhecer o local, que foram intensificadas com as várias matérias sobre assunto que a morte de seus pais gerou.
Enquanto se perdia nos pensamentos sobre sua família, Evelin percebeu algo que fez a sua dúvida sobre a veracidade das informações sobre o demônio no porto desaparecer. Quanto mais se aproximavam do litoral, sentiam cada vez mais forte uma aura estranha. Um sentimento de amargor era emanado do porto, algo de estranho realmente estava acontecendo naquele lugar.
— Essa energia estranha, com certeza é algum demônio, mas não que seja forte. Se tiver alguém aqui, deve ser no máximo um demônio ordinário — Comentou Gier mentalmente.
— De acordo com a Kaori eu deveria ser mais forte que ele, ela disse que eu estava no nível de um demônio superior — Respondeu a garota.
— Não se precipite. Mesmo sendo um demônio ordinário, com certeza tem mais experiência de batalha que você. Tente usar aquela técnica de camuflagem de presença que você aprendeu.
Dentre os poderes que ela conseguiu após matar Ramsés, estava o de esconder sua própria presença, foi com essa habilidade que ele se aproximou sem chamar atenção de Gier. Como Evelin já havia aprendido durante seu treinamento, por ter absorvido diversas almas, sua mera presença emanava uma grande aura assassina, que chamava a atenção até mesmo de humanos normais. Como tal poder não era algo que ela conseguia dizer se estava usando bem ou não por si própria, único jeito de treinar seria botar em prática.
— Eu consegui? — Indagou a garota mentalmente.
— Não sei dizer. Por termos nossas almas conectadas, eu sempre sinto sua presença. Tente se aproximar mais — Respondeu Gier.
Obedecendo o comando da espada, Evelin continuou andando em direção a fonte de todos esse amargor. Quando finalmente entrou nas instalações do porto, era perceptível o quão influenciados os trabalhadores estavam sendo por essa energia ruim. Ninguém naquele lugar parecia expressar alguma felicidade, todos estavam com caras sérias e com muitas expressões de tristeza e o que mais se ouvia eram os suspiros dos trabalhadores. Até mesmo Evelin já estava começando a se sentir mal apenas por estar naquele lugar.
— Que tipo de demônio soltaria essa energia negativa? — Indagou ela.
— Não sei dizer. Pelo que parece, isso não deve ser algum tipo de maldição intencional. Por algum motivo esse sentimento parece tão natural…
Apesar do mal estar, os dois continuaram sua busca. Além da energia ruim no ar, nada parecia estranho. Evelin não entendia nada de como um porto funciona, então não poderia dizer, com certeza, que tudo estava certo, no entanto, tinha certeza que a única coisa sobrenatural no lugar era a melancolia coletiva que pairava no lugar.
Observando atentamente, Evelin foi capaz de notar algo que se destacava. Em cima de um dos grandes guindastes do porto, havia uma pequena figura humanoide sentada. Essa pessoa estava em um lugar que não deveria ser acessível normalmente, com certeza não era alguém trabalhando.
— Ali, em cima daquele guindaste. Será que é ele? — Perguntou Evelin.
— Aparentemente sim, mas ele não parece fazer nada demais. Não está usando nenhuma magia ou algo parecido. Ele está apenas sentado lá — Respondeu Gier.
A garota resolveu se aproximar para ver de perto do que se tratava. Usando as sombras e ocultando sua presença, ela se aproximou calmamente da figura humanoide no guindaste. Quando estava perto o suficiente, podia ver com clareza como ele era. Parecia ser um rapaz jovem, usando algo que lembrava um terno preto, pele clara e um longo cabelo azul que chegava até quase o meio das suas costas. O garoto aparentava realmente estar apenas observando a paisagem, enquanto emanava uma aura triste e melancólica.
Ao estar a menos de cinco metros de distância, ela sacou Gier que já tomou a forma de espada preta, prontos para o combate. Enquanto Evelin caminhava com cautela até seu alvo, ele pareceu sentir o cheiro de algo e acabou saindo do transe que estava. Imediatamente olhou para trás, mostrando uma face polida com um belo par de olhos verdes. No início, seu rosto demonstrava alegria, mas assim que seus olhos encontraram o da garota, o sorriso virou uma expressão feroz de decepção.
— Quem é você? — Perguntou o rapaz com uma voz jovem.
— Evelin Vertrag, vim aqui para… — Ela começou a se apresentar, quando o rapaz a interrompeu.
— Vertrag!? — Exclamou com uma expressão de surpresa — Você é filha do senhor Vertrag? Onde ele está? Por que ele não aparece no porto a meses? Ele está bem?
Sem dar nenhuma brecha, ele encheu Evelin de perguntas. Ao ouvir o garoto questionar sobre seu falecido pai, ela foi tomada pela tristeza e continuou em silêncio. O rapaz por sua vez, pareceu perceber o que estava acontecendo.
— Então é verdade… Eu já sabia disso, só não queria acreditar — Disse ele enquanto voltava a se sentar na beira do guindaste — Como pode alguém tão forte como ele morrer assim. Deve ser culpa da família humana dele, com certeza atrasaram ele
Ao ouvir as palavras do garoto, Evelin fechou o punho que segurava a espada com mais força. Sua tristeza estava prestes a se tornar raiva e ódio.
— O que você disse? — Indagou ela, enquanto lentamente se aproximava do garoto.
— É a família humana que ele tinha. Sempre falava pra ele que era perda de tempo socializar com humanos, eles morrem tão fácil. Aposto que ele morreu defendendo a vaca da mulher dele ou aquela pirralha que ele chama de filha… — Continuou ele, quando percebeu a aproximação de Evelin — Ei! Que isso? O que você quer?
— Nada demais… Eu só queria te mostrar o quão fácil um demônio morre.
Com apenas um movimento, liso e limpo, ela decapitou o rapaz. O corpo se deitou sobre o guindaste e a cabeça acabou caindo no mar.
— Você não acha que isso foi muito impulsivo? Concordo que ele foi escroto, mas talvez tivesse informações úteis sobre seu pai e seu passado — Perguntou Gier.
— Pelo pouco que ele disse, deu pra perceber que ele definitivamente não conhecia meu pai. Se esse merda realmente fosse próximo dele, com certeza não diria coisas tão absurdas. O que importa é que agora estou mais forte e que ninguém vai incomodar o porto de novo — Explicou Evelin.