A Herança do Assassinato - Capítulo 4
— Eu quero que você me treine!!
Raphael ficou encarando Dante por um bom tempo, como se ele não tivesse ouvido direito e se questionava se era aquilo mesmo. Então, após alguns longos segundos de um silêncio constrangedor, Raphael responde o pedido feito a ele.
— Bom, antes de eu realmente responder a sua pergunta, tenho outra pergunta para te fazer…
Naquele momento o clima do ambiente mudou por completo. Ele tinha ficado denso e pesado, até mesmo a postura de Raphael tinha mudado, se um homem relaxado e solto, para algo que mais parecia um comandante militar analisando um novo recruta de seu exército.
— Onde você conseguiu essas cicatrizes?
Aquilo teria pego Dante completamente desprevenido, fazendo com que suas horríveis memórias, dos últimos dois meses que passou na mansão de sua família, algo que ele nunca queria reviver novamente.
Elas voltaram como um flash: as fortes chicotadas, a água congelante e aquele celeiro imundo. Aquilo paralisou Dante, que começou a respirar com mais velocidade, devido à grande carga sentimental que havia tomado conta de seu de seu corpo. Sua mente estava em turbilhão de idéias e lembranças tão intensas, que o jovem não conseguia formular uma frase sequer, porém mesmo assim tentou responder Raphael.
— Mi-m-minha f-família…
As palavras pareciam ser difíceis de serem pronunciadas, elas pareciam ter entalado no meio de sua garganta, que tinha acabado de dar um nó, bloqueando a saída de qualquer fala. Apesar disso, aquelas duas palavras ditas já eram o suficiente para que Raphael entendesse e deduzisse uma grande parte da história daquela pequena criança.
— Entendi, isso já é o suficiente para mim.
O ruivo conseguiu enxergar claramente os sentimentos que estavam habitando no coração de Dante naquele momento, apenas ao encarar aqueles olhos azuis. O medo, angústia, raiva e incerteza. Todos eles tinham se despertado de forma instantânea e com apenas um questionamento.
— Olha garoto… — chamou o ruivo — Pelo que eu entendi, você não tem lá uma das melhores relações com a sua família, mas tem pelo menos alguém com quem você possa ficar?
Novamente, mais um flash, a noite onde tudo começou. Seu pai disse como se não fosse nada, que matou os amigos de Dante. Mesmo não podendo ver os corpos, sua mente já tinha o torturado o suficiente, lhe mostrando milhares das possíveis cenas daquele terrível assassinato.
Este choque tinha sido mil vezes pior do que o anterior, chegando ao ponto de que mesmo parado, Dante ficou encharcado pelo por seu suor e desta vez, o garoto não conseguiu responder a pergunta que Raphael lhe fez.
— Tudo bem, não precisa me responder — O ruivo caminhou para longe — Descanse, amanhã nós terminamos nossa conversa.
E assim foi feito. Dante voltou para o mesmo quarto que tinha acordado e se deitou no seu colchão. Ele podia não perceber, mas mesmo tendo dormido bastante na noite anterior, o seu corpo ainda estava muito exausto e fadigado, pois quando se deitou demorou apenas alguns pouquíssimos instantes para que o garoto caísse no sono. Este que foi atormentado por um de seus mais terríveis pesadelos.
***
Era uma tarde ensolarada, o Sol estava no seu auge, iluminando um vasto e infinito campo de trigos, que ao serem iluminados, ganhavam um forte brilho de coloração dourada.
Em meio aquela imensa plantação de trigo, era possível enxergar um trio de figuras infantis correndo juntas. Harry, Eliza e Dante, todos vestidos com roupas brancas. Com Dante e Harry estando de terno, enquanto Eliza usava um vestido.
— Você tá muito lerdo Dante! — provocou Dante.
— Assim você nunca conseguirá nos alcançar dessa forma! — disse Eliza.
Ao ouvir aquilo, Dante se forçou a correr mais rapidamente que antes, o que fez com que aos poucos, ele conseguisse se aproximar de seus amigos. O garoto estendeu o seu braço na direção de Eliza, que era quem estava mais próxima dele, mas quando finalmente conseguiu agarrar o vestido da menina, tanto ela, quanto harry somem, deixando apenas as suas peças de roupas caídas no chão.
— Pessoal, para onde vocês foram? — perguntava Dante, assustado — Essa brincadeira não tem nenhuma graça.
Uma forte ventania começou a soprar, levando as roupas embora para o horizonte. O céu perdeu sua cor azul e se transformou em um intenso vermelho carmesim, e o campo de trigo, que anteriormente era dourado e brilhante, se tornou morto e cinza.
Os medos de Dante começaram a se aflorar com aquela situação, ele tentava correr, porém não conseguia, algo muito forte estava prendendo os seus pés. Quando ele olhou para ver o que era, se deparou com inúmeras e horripilantes mãos brotando da terra e se agarrando a ele.
— AAAAAHHHHHH!!
O grito ecoou pelo horizonte, enquanto Dante tentava a todo custo se soltar daquelas mãos, porém isso parecia impossível de se fazer, elas tinham se agarrado nele com muita. Aos poucos, braços inteiros começaram a sair do chão e puxar Dante para dentro da terra, que a cada segundo que se passava afundava mais e mais.
— Alguém!! Por favor!! Por favor, alguém me ajude!!
Os gritos de desespero daquela pequena criança não conseguiam alcançar ninguém, ele estava sozinho.
Por mais que lutasse para voltar à superfície, todo o esforço se mostrava ser completamente inútil, até o momento que toda sua visão foi coberta pela terra e fosse completamente soterrado.
Dante nesse momento se encontrava em uma imensidão repleta de escuridão, com apenas uma luz branca iluminando tanto ele, quanto as milhares de mão que o puxavam para mais fundo. O cenário era amedrontador, ele parecia completamente vazio e vasto, podendo esconder coisas imagináveis para a consciência humana.
Ele podia ouvir vozes, que ficavam mais altas, conforme ele ia se aprofundando naquela imensa escuridão.Elas diziam coisas como:
— Traidor, bastardo, falso, amaldiçoado, assassino.
Quanto mais próximo do fundo, mais gélido o ambiente ao seu redor ficava, como se estivesse mergulhando em um gigantesco lago congelado. Aquilo que entrava em seus pulmões não era ar, mas também não era água e a cada centímetro que o garoto afundava, aquela coisa ia ficando mais densa, o que começou a impossibilitar de respirar.
Aos poucos Dante foi perdendo a sua consciência em meio aquele lago escuro, enquanto as mãos lhe puxavam para mais fundo naquele abismo.
— Socorro… — O que antes era um grito de ajuda, agora saía mais como um sussurro.
Aquele líquido que entrava em seus pulmões já estavam densos demais para ser respirado. Os músculos já não estavam se mexendo como deveria e a visão de Dante foi ficando turva e escura, então aos poucos o garoto foi perdendo sua consciência, enquanto ouvia os sussurros daquelas vozes nos seus ouvidos.
***
A luz do Sol da manhã invadia o quarto de Raphael pela janela, consequentemente acordando o ruivo, que se levantou e foi para a sua cozinha. Lá ele preparou um café e um pão com manteiga.
Enquanto tomava o seu café da manhã, Raphael olhou pela janela e viu algo que o surpreendeu. Dante estava com uma espada de madeira em suas mãos e golpeava o ar com ela. Raphael não sabia exatamente, mas pela quantidade de suor e pela expressão cansada, o garoto devia estar lá antes mesmo do nascer do Sol.
— Pelo visto esse é daqueles que acordam cedo.
Raphael terminou de comer e saiu para o quintal, onde Dante estava treinando.
— A quanto tempo você está aí?
Dante se assusta, pois estava tão focado no seu treino que nem percebe a aproximação do mais velho.
— Eu não sei ao certo — Dante olhou para os campos de trigo que eram iluminados pelo sol da alvorada, o que lhe fez se lembrar do terrível sonho que teve — Só sei que já faz bastante tempo.
— Não conseguiu dormir, não é?
O garoto apenas negou com a cabeça. Raphael então pega uma outra espada de madeira em sua casa e fica de frente a Dante, o que gerou curiosidade para o mesmo.
— Dante, venha e me ataque com tudo.
— Como assim?
— Eu só quero checar uma coisa — Raphael tinha uma expressão rígida em seu rosto.
— Então está bem, já que você insiste — Dante concorda, mesmo achando bem estranho aquele pedido.
Dante segurou com força o cabo da sua espada de madeira e então avançou com grande agilidade na direção de Raphael e lhe desferindo um golpe vertical com sua espada, que foi facilmente amparado pelo adversário.
— Só isso que você tem muleque?
— Nem perto!!
Após o golpe anterior, Dante girou na direção de Raphael e aproveitou da força do movimento para acertar um golpe nas costelas do ruivo, que facilmente bloqueou o ataque, utilizando de sua espada e contra atacou Dante, dando um chute em suas pernas e o derrubando.
— Você é bem ruinzinho, pensei que seria melhor do que isso.
— Você não viu nada!! — Tinha um tom de raiva na voz de Dante.
O garoto se levantou e novamente ficou de frente para Raphael. Dante não perde seu tempo e avança mais uma vez na direção de Raphael, desta vez desferindo uma enxurrada de ataques rápidos, um em seguida do outro, porém mesmo assim, o ruivo conseguia bloquear todos com facilidade.
Ver aquilo deixava Dante com um ódio profundo em seu coração, a cada golpe que era bloqueado, o rapaz colocava ainda mais força, que chegou ao ponto de que os ataques deixaram de ser ágeis e precisos, se tornando apenas brutos.
Com essa mudança, Raphael pode ver e se aproveitar de uma enorme brecha que o garoto havia criado. O ruivo aparou um dos golpes de Dante, fazendo ele abrir completamente sua guarda e em seguida, Raphael desferiu um golpe com a espada na barriga de Dante, que foi lançado para longe com a força do impacto.
Caído no chão, faltou pouco para que o garoto vomitasse. Ele sentiu que tudo que comeu no dia anterior, quisesse sair.
— Já chega — Raphael abaixou sua espada — Acho que já está bom por hoje.
— AINDA NÃO!!!
Dante levantou e encarou Raphael. Estava nítido em suas expressões, toda a raiva e o ódio que estava contido naquele rapaz.
— Eu ainda posso lutar!! — Dante estava ofegante — Eu ainda tenho muito para te mostrar!!
— Você não está em condições, se continuar vai morrer ou eu vou te matar sem querer!!
— NÃO!! EU NÃO VOU MORRER AGORA!!!
Dante segurou com força a sua espada e avançou na direção de Raphael. Durante o caminho ele concentra quantidades absurdas de mana na sua espada de madeira até que:
CRAASH!!!
A espada de madeira explode na mão de Dante, se despedaçando e gerando uma onda de choque, que foi forte o suficiente para derrubar Dante.
— Você é um idiota mesmo — Raphael apoia a sua espada de madeira no ombro — Você devia saber que não se concentra tanta mana de uma vez em uma arma tão frágil. Você é mais burro que eu pensei.
Enquanto Dante estava caído, pode ser algum som vindo dele. Era um choro.
— Droga… — o garoto se levantou um pouco, ficando ajoelhado e apoiado sobre as duas mãos, enquanto lágrimas caiam de seu rosto — Por que eu sou tão fraco?! Eu não consigo proteger ninguém!!! Porque?!
Um forte nó havia se formado na garganta de Dante e um buraco enorme se abriu no meio do seu coração.
Raphael olhando a situação, solta um suspiro e diz;?;
— Você parece ter passado por um trauma terrível e está guardando uma terrível raiva. Uma escuridão está tomando conta de você e se você não dominar ela, ela que irá te dominar.
Dante encara o mais velho, ainda com muitas lágrimas em seus olhos.
— Como eu faço isso?!
— Não se preocupe, moleque — Raphael abre um sorriso de empolgação — Eu irei te ensinar tudo o que você precisa.