A Herdeira do Gelo - Capítulo 12
Com determinação e esforço, Yara conseguiu salvar sua amiga da morte, porém a única chance que tinham de chegar até a cidade foi no momento em que a fumaça das chamas se apagou.
Por sorte, Kanan e Orlen que estavam por perto ouviram seus gritos e as encontraram, as levando até Valravam, onde Lynn ficará aos cuidados dos médicos da cidade até que se recupere.
Logo quando chegou, notou-se que o portão havia sido derrubado e grande parte do muro frontal acabou sendo danificado. Agora, foi ver como sua amiga estava.
A garota se encontrava preocupada com Lynn e devido a isso em momento algum saia de perto dela. Ao seu lado estavam todos os outros cavaleiros na sala também, exceto Jin e Jay.
— Ela ficará bem, não se preocupe. Está em boas mãos, não irá demorar muito até que ela melhore — disse Orlen segurando em seu ombro na tentativa de a tranquilizar.
Próxima da porta estava Christa encostada na parede de braços cruzados, tão preocupada quanto Yara.
— Yara, obrigada por proteger Lynn quando ela precisou. Reconhecemos sua força.
— Ela teria feito o mesmo por mim.
— Sei que sim.
Christa sorriu, até que, sem qualquer aviso, a porta foi aberta abruptamente e seu sorriso logo desapareceu.
Kanan que esperava do lado de fora do quarto, entrou na sala com uma expressão séria, olhou para cada um deles e falou:
— Tudo bem, o horário de visita acabou. Quero todos vocês na minha sala, inclusive você, Yara.
Ela já sabia sobre o que se tratava; era a missão de antes.
Lembrar que não pôde cumprir a promessa feita a Christa a deixou extremamente frustrada, nem conseguia olhar em seus olhos, sentindo que falhou com essa pessoa.
Chegando ao escritório de Kanan, os outros cavaleiros já estavam à sua espera. Yara foi a última a entrar na sala, fechando a porta com delicadeza e se sentando na única cadeira que estava vazia,
— Pode nos dizer o que realmente aconteceu, Yara? Aonde está Eris? Por que ele não está aqui? — perguntou Kanan, indo direto ao ponto.
Naquele momento, ele já previa que o pior tivesse acontecido, mas ainda assim uma pequena chama de esperança ardia em seu interior, o fazendo desacreditar que aquilo pudesse ter acontecido.
— Eu sinto muito… — a resposta de Yara soou triste e cabisbaixa.
— Vocês não o encontraram? E enquanto aos outros desaparecidos? Nada? — Christa tornou a perguntar.
— Era tarde demais…
— Não! — gritou Kanan, batendo na mesa com tanta força que ela por pouco não virou. — Nós fomos tão longe! Estávamos tão perto!
“Ela só pode estar brincando, não tem como Eris ter morrido, isso é impossível!” — pensou ele, em estado de negação.
Estava tomado pelo sentimento de raiva e tristeza, uma mistura de ódio e culpa, ainda não aceitando que seu companheiro havia partido.
— Eris não merecia morrer, ele era melhor do que todos nós…
Lágrimas começaram a ser derramadas por Kanan, encharcando seus olhos como um rio de tristeza, saber que nunca mais veria aquele que por anos foi como um irmão era como perder um pedaço de si.
— Ao menos espero que ele não tenha tido uma morte dolorosa no fim, e que agora esteja em um lugar melhor do que esse — disse Orlen.
— Ele era fraco, mas era sua fraqueza que o fazia forte. Era ele quem colocava esse grupo no lugar! Nós só somos quem somos graças a ele, antes estávamos sendo movidos por um desejo imparável de vingança, mas ele nos mostrou que a vingança não é tudo!
— Me perdoem, eu prometi que o traria de volta, porém não consegui cumprir minha promessa… — respondeu Yara entristecida, olhando diretamente para Christa.
Esperava receber perdão, mas ao invés disso recebeu um olhar de desprezo e ódio.
— Você me prometeu… Você me prometeu que traria ele de volta… Eu acreditei em você, acreditei em suas palavras, mas você não cumpriu sua promessa. Uma verdadeira guerreira sempre cumpre sua promessa e você não é uma guerreira de verdade.
Aquelas palavras a acertaram como uma pedra, dentre todas as promessas que um dia faria, essa seria a primeira entre muitas das que não poderia cumprir.
— O que ela quer dizer é que não deveríamos tê-la envolvido nisso, isso foi um erro — esclareceu Kanan — Yara, tem algo que eu gostaria de lhe contar… Nós não temos informação alguma sobre o paradeiro de sua mãe, eu menti para você.
— O que? Então isso quer dizer que…
— Sim, sua mãe nunca esteve aqui. Nem mesmo os moradores mais antigos se lembram de alguém que um dia subiu até o topo da montanha, ninguém nunca chegou lá com vida.
A verdade enfim veio à tona, e toda a esperança que tinha em encontrar sua mãe acabara de ir por água abaixo. Ainda que seu verdadeiro objetivo ajudando aquelas pessoas não fosse esse, receber uma revelação tão inesperada em um momento tão importuno, era chocante.
— Mentiu pra ela, Kanan?! — protestou Orlen.
Ele não respondeu, permaneceu em silêncio.
— Você tem ideia de que ela poderia ter morrido nesta missão e todo o seu esforço teria sido a troco de nada?! Quantas outras mentiras você contou pra gente?! Hein capitão?!
Para Christa aquilo foi a gota d’água. Cansada de ouvir toda aquela conversa, ela caminhou até a porta para se retirar, e no caminho falou:
— Esse grupo está quebrado…
— Me conte tudo, me conte tudo o que aconteceu! Como você o encontrou? Eu preciso saber de todos os detalhes! — exigiu Kanan com extrema urgência.
— Nós seguimos a horda como o planejado, porém encontramos um inimigo em nosso caminho, ele era quem estava por trás de tudo isso.
— Quem? Quem vocês encontraram?!
Interessada na conversa, Christa parou na porta no instante em que colocou a mão na maçaneta.
— Seu nome é… — houve uma pequena pausa em sua fala, mas logo continuou: — Kian, e ele se auto intitula como rei dos mortos.
Ao ouvir o nome, todos os cavaleiros presentes ganharam uma expressão de surpresa e medo em seus rostos. Há anos não ouviam esse nome, mas o nome jamais poderia ser esquecido por eles.
— K-kian…? V-você disse… KIAN?!
Kanan estremeceu, seus braços começaram a tremer e uma tremedeira tomou conta de todo o resto de seu corpo.
— Argh… Eu sabia que aquele desgraçado um dia voltaria para buscar vingança, fomos tolos em não termos nos preparado para esse dia…
Na porta, Christa se encontrava paralisada enquanto segurando a maçaneta, seus olhos amedrontados vidrados no imenso vazio.
— Impossível… Ela não está falando daquele Kian, está? — indagou ela, a voz cheia de pavor.
Somente pelo tom de suas vozes, Yara já poderia ter uma ideia do tamanho problema em que se meteu, contudo, era tarde demais para voltar atrás, teria que ir até o final.
— Mas você o matou, não matou? Responda que sim! — exclamou Orlen.
— Não fomos capazes de o matar, ele escapou. Era ele ou Lynn, e eu não podia simplesmente abandoná-la para ir atrás dele.
Kanan rangeu os dentes em frustração. Agora não só havia um problema, mas sim dois, ou até mais.
— Ele virá atrás de nós, de cada um de nós. Eu sei que vai.
Falava com tanta certeza na voz, que até mesmo podia imaginar o grito de desespero do povo quando a cidade fosse atacada outra vez. Na primeira vez, eles tiveram sorte, já que ninguém saiu ferido, custando apenas o portão da cidade.
— Devemos tomar cuidado. Kian não só é perigoso, como também é alguém dificil de se matar — alertou Orlen.
— Como ele sabia que estávamos atrás de Eris? Isso não pode ser uma simples coincidência, é como se ele soubesse disso e por isso preparou uma armadilha — pela primeira vez, falou o cavaleiro silencioso Jay.
— Onde quer chegar com isso, Jay? — perguntou Kanan.
— Há um traidor entre nós.
“Um traidor? Aqui? Mas quem? Quem poderia ter nos entregado? Pense Kanan, pense!” — pensou Kanan, passando o olho por cada uma das pessoas na sala.
Não demorou muito para que o clima entre os cavaleiros ficasse ainda mais tenso, a desconfiança logo se implantou no ar, fazendo-os desconfiarem uns dos outros.
— Ele tem razão, as coisas estão estranhas demais, apenas Lynn saiu ferida nesta missão, enquanto por outro lado… — concordou Jin, direcionando seu olhar para Yara.
— O que?! Você está me acusando?! — perguntou a garota apontando para si mesma — Eu nem sequer era pra estar aqui!
Quase como se a julgassem pelo olhar, todos dirigiram seus olhares para Yara, exceto por Orlen, que parecia não compreender o real motivo daquela acusação.
— Mas se esse fosse o caso, por que ela não a matou? Por qual motivo ela iria deixá-la viva? — retrucou Kanan.
— Para ganhar nossa confiança. Se parecesse que ela a tinha salvado, logo ela conquistaria nossa confiança, apesar de que o fato dela ter salvo Lynn não me faz confiar nela — disse Jay, exalando desconfiança.
— É provável que ela tenha matado Eris e logo depois inventou uma história para justificar seus atos — falou Jin em tom acusatório.
— Isso não faz o menor sentido! Lynn é minha amiga! — protestou ela.
A verdade é que não importava o que dissesse, mesmo que fosse inocente, estava sozinha, sem ninguém ao seu lado, ou ao menos era o que achava. Jay colocou todos contra ela, sem nem sequer lhe dar a chance de se explicar.
— Yara poderia mesmo fazer uma coisa dessas? Mesmo se colocando em risco assim como todos nós? Não acham que podem estar exagerando demais? — perguntou Orlen.
— Sinceramente Orlen, eu não sei, mas nestas condições precisamos aceitar todas as possibilidades ou se não acabaremos tendo ainda mais vítimas — respondeu Kanan, considerando a possibilidade.
Apesar de todas as acusações e suposições contra Yara, Christa se mantinha incerta quanto a isso, ainda sem uma resposta para dar, devido a isso apenas o silêncio fora deixado por ela.
— Como podem me julgar sem ter prova alguma?! Ele está mentindo, é óbvio que ele é o traidor! Como vocês não enxergam isso?
Desde o início, sempre soube que havia algo de errado com aqueles dois, sua intuição dizia a verdade a respeito dos irmãos da noite. Certamente escondiam um segredo, e segredos matam.
À essa altura, ela não fazia mais ideia do que dizer para provar sua inocência, a única chance que tinha de provar sua inocência seria se Lynn estivesse lá para desmentir a acusação feita por Jay.
— Sinto muito, Yara… — disse Kanan.
Se vendo sem nenhuma alternativa de defesa, Yara é julgada por conspirar com Kian e é presa até que os cavaleiros decidam se ela tem ou não algum envolvimento com o que está acontecendo.
Agora, passado algumas horas desde que chegou à cidade, já era noite e ela se encontrava diante de uma pequena e apertada cela que se localizava no subterrâneo da cidade, refletindo sobre como poderia provar sua inocência e se livrar de tal acusação.
“Eu preciso convencê-los de que sou inocente e sair daqui o quanto antes, mas não há prova alguma que diga isso…” — pensou a garota.
Ela sabia que se continuasse dentro daquela sala, provavelmente não conseguiria prova alguma que a ajudasse, entretanto o único jeito de provar sua inocência era capturando Kian e o trazendo vivo até a cidade.
´”É isso, preciso me livrar dessa cela e ir atrás de Kian, somente assim confiaram em mim!”
Determinada a ir atrás de Kian sozinha, mesmo sabendo dos riscos e perigos que poderia enfrentar, ela decide encontrar uma maneira de escapar da cela.
Sua primeira tentativa foi entortar as grades da cela com suas mãos, mas faltou-lhe força, as grades eram resistentes demais. Depois teve a ideia de congelá-las usando seu poder, mas nada aconteceu.
Estava certa de que não sairia daquele lugar tão cedo, não havia nada que pudesse fazer a não ser sentar e chorar, e foi o que ela fez.
— Por quanto tempo irá ficar choramingando? Garotas como você não deveriam chorar assim — disse Orlen, lançando-lhe um sorriso.
— Orlen! O que você está fazendo aqui? Você acredita em mim, não acredita?
— Pensei sobre o que você falou hoje mais cedo e acho que acredito em você. Você se colocou em risco assim como todos nós, quando você nem ao menos precisava ter aceitado fazer parte disso tudo. Seu lugar não é em uma cela.
Dito isto, Orlen abriu a porta da cela com uma chave, a libertando daquela sala imunda e apertada.
— Tem certeza disso? Não é perigoso pra você estar aqui a essa hora? Afinal, não há guardas por aqui? — perguntou Yara
— Se os guardas são sua preocupação, veja por seus próprios olhos — Orlen deu um passo para o lado, deixando o caminho livre para Yara.
Ela se esgueirou para olhar o corredor e logo percebeu que este estava vazio, não havendo uma única pessoa.
— Para onde foram os guardas? — indagou ela, confusa.
— Yara, é pro outro lado…
— Ah, verdade!
Quando se virou, avistou um dos guardas tirando um cochilo de braços cruzados enquanto estava sentado contra a parede. Ele roncava tão alto que seu ronco poderia facilmente ser confundido com o ronco de uma besta adormecida.
— Vamos indo, ele pode acordar a qualquer momento — disse Orlen o mais cauteloso possível para que o homem não acordasse.
Yara assentiu, deixando com que ele fosse na frente.
Com o caminho livre, eles caminharam tranquilamente até a superfície. À esta hora o número de moradores nas ruas era mínimo, tendo somente alguns poucos bêbados e moradores de rua nas ruas, além de alguns guardas na qual patrulhavam a cidade durante a noite.
— Como passou por todos esses guardas sem sequer ser notado? — perguntou Yara surpresa.
Para um homem tão grande quanto Orlen, passar despercebido por alguém era impossível, além do seu tamanho que já não ajudava, não era lá tão silencioso quanto os irmãos da noite.
— Acontece que eu não preciso passar despercebido por eles, porém se me virem andando com você, perguntaram o motivo, e então estaremos encrencados — respondeu ele. — Vamos ser cautelosos, não saia de trás de mim em hipótese alguma.
— É você quem manda, chefe!
A cidade estava escura e os guardas estavam patrulhando usando lanternas para enxergarem no escuro, entretanto, devido a falta de luz das casas que se encontravam todas apagadas, poderiam caminhar despercebidos entre as sombras das casas.
Orlen a guiou até um beco estreito, passando por todos os guardas de maneira cautelosa e evitando chamar a atenção dos mesmos. O beco se encontrava ainda mais escuro do que o resto da cidade e sem a presença de qualquer iluminação, Orlen acidentalmente esbarrou em algo.
Um som estridente foi ecoado a fora quando Orlen se esbarrou com uma caixa de madeira, chamando a atenção de um dos guardas que caminhava próximo dali, este na qual correu para investigar o barulho.
— O que foi isso?! Quem está aí?! — gritou o homem, apontando sua lanterna para o beco.
— Ah, me desculpe! Eu já estava de saída, só precisava levar essa caixa a pedido do meu capitão!
Segurando uma enorme e pesada caixa de madeira se encontrava Orlen, torcendo com todas as forças para que o homem não perguntasse o que havia nela. Na verdade, seu medo não era que ele descobrisse o que estava na caixa, mas sim quem estava na caixa.
— Sem desculpas, cavaleiro. Não ficou sabendo das novas regras da cidade? Todos devem respeitar o toque de recolher e se retirar para suas casas antes das 21:00, inclusive os cavaleiros — falou o guarda em tom autoritário.
— O que? Ninguém me informou sobre um toque de recolher! Mas que droga! — resmungou, forçando uma expressão de raiva em seu rosto.
— Dessa vez eu deixarei passar, porém será a última, caso volte a acontecer irei reportá-lo para o rei e você terá de resolver isso pessoalmente com ele — por fim disse o homem, abrindo caminho e liberando a passagem de Orlen em seguida.
Soltou um leve suspiro de alívio, porém quando estava para dar as costas o guarda chamou sua atenção mais uma vez, o que o deixou extremamente tenso com a situação.
— Espere um momento, o que há de tão importante dentro dessa caixa?
Ele estava torcendo para que o guarda não o fizesse essa pergunta, até que o fez. Quem estava lá era Yara, que para esconder sua presença se encolheu e entrou dentro da caixa, esperando que passasse despercebida por quem quer que estivesse se aproximando.
— Quer mesmo saber? — perguntou de volta, esperando que o mesmo mudasse de ideia, por mais improvável que isso fosse.
— Idiota, é claro que eu quero! Vamos, me mostre o que tem dentro dessa caixa! Isso é uma ordem, cavaleiro!
— São apenas frutas, nada demais! — respondeu Orlen tentando o convencer de não abrir a caixa.
Impaciente o guarda pegou e abriu uma das caixas que se encontrava jogada no beco, se surpreendendo com o que viu, eram realmente frutas.
— Eu não lhe disse? São apenas frutas, senhor.
— Humm… Certo, você pode ir.
Assim que saiu do beco, caminhou até um pequeno estábulo, passando o mais longe possível dos guardas para evitar que mais deles os parassem, e por sorte chegaram em segurança.
O guarda estava tão distraído com sua ronda que nem sequer notou que Orlen estava indo para o lado errado, a mansão dos cavaleiros ficava do lado contrário ao estábulo.
— Uh!… Essa passou perto! — falou Yara logo após sair da caixa apertada em que se encontrava. — É difícil me espremer em uma caixa tão pequena, espero não ter que passar por isso uma outra vez.
— Chegamos.
O Estábulo por sua vez não era tão grande, havendo alguns poucos cavalos, um total de 12 cavalos.
— Você ainda não me falou do porquê está fazendo isso — disse a garota ainda sem entender o motivo pelo qual ele estava a ajudando.
— Você não entenderia… De repente eu cansei de ver as pessoas sofrendo… Você deve aproveitar a chance e ir embora daqui o quanto antes. Por favor, vá e não volte nunca mais.
Por trás daquele rosto gentil, um homem que viu muitas mortes, talvez mais do que possa suportar. Uma guerra não só apenas traz morte, como também deixa cicatrizes. Cicatrizes que nem mesmo o tempo pode curar.
— Não estou entendendo… Eu posso ajudar vocês!
— Yara… Você já viu uma guerra de perto? Logo mais isso aqui irá virar um mar de sangue e eu não quero que você esteja aqui para ver isso. Você é jovem demais…
— O que é a guerra? — ela quis saber.
— A guerra está em todos nós. Todos os dias lutamos contra uma guerra constante contra nossos maiores inimigos…
Ainda que Orlen tentasse sempre manter um sorriso no rosto, era impossível não notar a dor que ele carregava em seu olhar. Até mesmo a maior das muralhas poderia um dia cair.
Mesmo que aquela pudesse ser uma pergunta insensível, ela queria perguntar. E então perguntou: — E quem você perdeu?
— Minha família… Eles vieram a falecer logo no início da guerra quando os Elfos do gelo nos atacaram e tudo o que havia me sobrado era meu pai, até que o assassinaram. Kian fez isso.
— Elfos do gelo…
Jamais poderia esquecer daqueles que a tiraram de sua avó.
Naquele dia, o bosque ardia em chamas, não por completo, claro, mas o suficiente para que a fumaça preenchesse o ar ao seu redor. Sua avó respirou fundo. Ela sabia o que precisava fazer, porém não sabia se iria funcionar, mas estava sem opções. Decidida então ela falou diante de um grande exército de elfos:
— Corra o mais longe que puder e não olhe para trás! Yara!
Relutante sobre o que fazer, a pequena Yara se encontrava em choque, completamente paralisada.
— Confie em mim, eu ficarei bem, eu prometo. Minha pequena Yara… — disse ela com um sorriso em seu rosto, em seguida dando-se as costas e indo de encontro aos elfos.
Acreditando que tudo ficaria bem, ela correu para dentro do bosque o mais rápido que pôde enquanto segurava o seu choro, sem sequer olhar para trás, entretanto mal sabia a inocente criança que aquela seria a última vez da qual veria aquele sorriso.
— Sabe… Não é culpa sua que eles não confiem em você. Todos perdemos algo, mas Kanan… Ele perdeu muito mais do que apenas uma família, ele perdeu duas famílias… Desde então ele tem dificuldades em confiar nas pessoas…
— Eu entendo. Obrigada por confiar em mim, Orlen — despediu-se, pegando um dos cavalos e se retirando da cidade, aproveitando que o portão não estava totalmente fechado.