A Herdeira do Gelo - Capítulo 15
Kian começou a realizar uma série de assassinatos desenfreados, um após o outro, e tudo porque queria provar que não era fraco como o seu pai o dizia. Após ter desafiado os mortais, seu pai o chamou de volta e então ele foi até o encontro com o mesmo.
No topo de um grande precipício, ele o esperava. Um homem alto, de cabelos longos e olhos prateados, usando um grande capuz preto, que cobria todo o resto de seu corpo.
— Estou desapontado com você. Você quebrou o tabu e agora ele está furioso — comentou o homem.
— Eu só queria provar que eu não era fraco como você me disse. Eu matei eles pai, eu os fiz sofrer cada segundo e então eles imploraram pelos deuses por sua vida — respondeu ele.
— Eu falei que não era pra você se envolver com os mortais, por que não me escutou? É tão difícil ser útil pelo menos uma vez na vida? — falou, furioso.
— Mas pai…
— Não me chame de pai! — gritou, o interrompendo.
— Você queria que eu fosse forte! Eu provei que sou forte, eu provei que posso herdar o seu lugar! O que mais você quer de mim?! — Kian protestou.
— Eu menti pra você… — revelou, não imaginando como seu filho reagiria a verdade que por muitos anos escondeu.
— O que? O que quer dizer com isso? — Ele quis saber.
— Você não nasceu para ser rei, Kian.
“Quando eu for rei, eu quero ter um exército igual ao seu, pai, e então eu vou perseguir os monstros e vou matar todos eles!” — Se recordou do que sua versão criança falará quando seu pai lhe disse que um dia herdaria o seu lugar.
— Mas esse era o meu direito! — exclamou o jovem, não contendo suas lágrimas.
— Seu direito de nascença, era ter morrido! — retrucou, com as palavras mais cruéis que um pai poderia dizer para um filho.
Após dizer isso, ele o agarrou pelo pescoço e o segurou diante do precipício.
— Não precisava ser desse jeito, meu filho. Este caminho foi de sua escolha — disse, prestes a soltá-lo.
— A escolha dos Deuses é tão inútil quanto os próprios Deuses — afrontou Kian.
— Até mesmo agora, prestes a morrer, você continua a me desafiar? — responderá com frieza. — Você nunca será líder de Mortuorum. O ciclo termina aqui. Adeus garoto.
Então o soltou do precipício, e sabendo que iria morrer, em seus últimos momentos, Kian relembrou de seus momentos mais felizes ao lado de seu pai.
Naquela época, as coisas pareciam diferentes. Ele era feliz, e seu pai, seu pai parecia orgulhoso, seu pai o amava de verdade, mas algo mudou, de repente tudo perdeu a sua cor e seu pai começara a ser mais rígido e a tratá-lo de maneira cruel.
Mesmo que quase não demonstrasse amor pelo mesmo, ele o amava da sua maneira, e ver o filho dizendo que queria ser como ele, o deixava orgulhoso em ter um filho. O que para muitos era impossível de acreditar, afinal, como alguém poderia acreditar que o deus da morte poderia amar alguém?
A morte nunca havia amado alguém em toda a sua vida, já que no reino dos mortos só quem residia eram os mortos, mas então, ela conheceu alguém. Esse alguém o fez perceber que a vida não era sem cor, e que além das trevas, existia algo a mais.
Juntos, eles tiveram um filho, e para eles aquilo mudaria suas vidas por completo, como o começo de uma nova aventura, mas no meio disso tudo, algo terrível aconteceu.
Agora, diante da morte, aqueles segundos pareciam passar como uma eternidade para Kian. Ele nunca imaginaria que algum dia morreria dessa forma, ainda mais pelas mãos do próprio pai. Antes de morrer, a última coisa que viu foi seu pai o dando as costas.
Porém aquele não era o fim, ele sabia mais do que ninguém que a morte não era o fim, para aqueles que tiveram uma vida miserável, o sofrimento eterno era o que os aguardavam após a morte.
Em seus últimos suspiros de vida, ele prometeu para si próprio que se vingaria de seu pai, mesmo que isso significasse atravessar o inferno para completar a vingança que naquele instante ele tanto desejava.
Enquanto a vida saía de Kian, o exército de Hades surgiu para apanhar o seu prêmio, e quando enfim deu seu último suspiro, tudo ficou escuro. Até que acordou, sendo devorado vivo por demônios famintos em forma humanoide. Acorrentado, ele se debateu até que se libertasse de suas correntes.
Livre de tais correntes, ele avistou uma espada velha no chão e sem pensar duas vezes a pegou, a usando para matar todos aqueles demônios humanóides da qual estavam a devorá-lo. Então, estranhamente suas feridas foram curadas sozinhas.
Exausto, ele caiu no chão e começou a chorar, até que uma voz fora ouvida:
— Kian! Está ouvindo isso? É a sua mãe.
— Mãe? Aonde está você? Eu não a vejo! — disse Kian, desorientado.
— Estou falando do mundo dos vivos, meu filho. Tenho que lhe dizer algo, seu pai o enganou, seus poderes sempre estiveram com você, ele apenas os restringiu porque tinha medo que tomasse o seu lugar, mas parte deles ainda estão com você.
— E o que eu devo fazer agora? Mãe, eu preciso de você! — esperneou o garoto.
— Encontre Lilith, a mãe dos demônios. Ela lhe dará seus poderes de volta e então você saberá o que fazer a seguir. Não tema, você não estará sozinho nessa jornada, Gaia o ajudará.
Kian estava destinado a trazer mudanças tão severas, que abalaria os próprios pilares do inferno. Sua morte era algo que Gaia não podia permitir.
— Você não irá morrer aqui. Este não é o fim, não pra você — surgirá uma voz da escuridão.
— Quem é você? — Ele perguntou.
Vinda da escuridão, uma mulher se revelou. Uma mulher alta, de pele morena, esguia, de corpo curvilíneo e com longuíssimos cabelos claros sedosos que alcançavam o chão, acompanhada de um vestido escuro longo adornado com grandes botões.
— Eu sou a Titã Gaia, conhecida como Mãe da Terra. Eu tenho assistido você por um bom tempo, e estive com você por todos os acontecimentos de sua vida, mas eu não posso mais simplesmente assistir. Nós iremos ajudar você a derrotar Tânatos — disse Gaia.
— Nós? Nós quem? — Kian olhou ao seu redor, procurando encontrar mais alguém.
— Você encontrará outros aliados no caminho, pessoas que te ajudaram em sua vingança. Se vai ou não confiar nelas, quem decide isso é você.
— Certo… Mas de que maneira poderei derrotar meu pai se estou morto? — indagou Kian.
— A morte é uma saída, Kian? Você é um guerreiro ou um covarde? Somente um covarde aceita a morte! — respondeu.
— Eu não sou um covarde.
— Então você precisa lutar. Irei mostrar o caminho para chegar a mãe dos demônios. Somente quando recuperar os seus poderes poderá vencer Tânatos.
Assim se deu início de sua jornada para se vingar de seu pai, com a busca para recuperar seus poderes, tendo nada mais do que sua própria determinação e desejo de vingança em suas mãos.
Enquanto isso no presente…
Depois de uma intensa batalha feroz contra Kian, Yara se viu perdida entre dois caminhos, voltar para os alertar sobre o iminente ataque ou seguir sozinha?
Então ela tomou uma decisão. A garota desceu até o início da montanha para encontrar Maíbi, imaginando que ela poderia ajudá-la de alguma forma. Quando chegou, mal conseguiu se manter de pé e assim que desceu de seu cavalo, desmaiou.
Teve sorte de desmaiar em frente a casa, não demorando muito para que Maíbi e Arak fossem ao seu socorro. Passado um tempo, ela acordou em uma cama, desorientada, tentando se recordar do que realmente aconteceu.
A casa de Maíbi estava exatamente como ela se lembrava, tudo no seu devido lugar, com as paredes velhas feitas de madeira e sua decoração um tanto duvidosa.
— Como está se sentindo? — perguntou Maíbi, preocupada.
— Hum… Bem, eu acho. O que aconteceu? — Yara quis saber.
— Você desmaiou. Eu até cheguei a achar que você não iria acordar mais — respondeu Arak, um pouco aliviado em vê-la bem.
— Quando a encontramos você estava pálida e fraca demais, então cuidamos de você. Não precisa agradecer, eu estava devendo sua mãe mesmo. Agora, minhas dívidas estão pagas. — Maíbi sorriu.
— Por quanto tempo eu fiquei desacordada? — Ela perguntou.
— Uma semana. Nós fizemos de tudo para você melhorar o quanto antes, mas até mesmo os mais fortes remédios demoraram para fazer efeito.
— Uma semana… Não… Lynn! Eu preciso ajudá-los! — Yara tentou se levantar, mas então sentiu uma dor terrível.
— Não se mexa muito, de um tempo para o seu corpo. Aqui, tome esse chá, ele irá acelerar os estímulos do seu corpo — Maíbi lhe entregou um copo caseiro contendo chá. — Só tome cuidado, está um pouco quente ainda.
— Ah, obrigada — agradeceu, tomando o chá.
— Ouvi dizer que o chá de Maíbi é o melhor chá que você irá encontrar em toda a sua vida — falou Arak.
— Eu já ia esquecendo, eu restaurei o seu braço, não se preocupe com ele, será como se você nunca tivesse o perdido — disse Maíbi.
— Como fez isso? — Ela começou a movê-lo de maneira aleatória, para ter certeza de que ele realmente estivesse lá e não fosse uma simples ilusão criada pela sua cabeça.
— Alguns chamam isso de bruxaria ou feitiçaria, mas eu prefiro chamar de magia — explicou. — Por que não nos diz o que aconteceu?
Em poucos minutos, ela explicou tudo para Maíbi e Arak, que prestaram atenção até o último detalhe.
— Entendo… Então foi isso o que aconteceu… Não esperava que você fosse chegar tão longe em tão pouco tempo — falou Maíbi, impressionada por Yara ter chegado tão longe.
— Eu prometi para ela que o traria de volta, mas eu falhei com ela, agora eles não confiam mais em mim… — murmurou em voz baixa.
— Não foi sua culpa. Por mais que você se culpe por isso, você não pode alterar o passado, mas pode lutar para evitar que mais mortes ocorram — responderá Maíbi.
— E se eles não quiserem a minha ajuda? — perguntou Yara.
— Estou começando a entender. Você veio até aqui porque não sabia o que fazer, é isso?
Yara apenas assentiu com a cabeça, afirmando que sim.
— Aquele que pensa demais, um dia se arrependerá de não ter feito uma escolha. Você faz aquilo que você acha que tem que fazer, sem se importar com as consequências e o que os outros vão achar.
— É isso… Independente se eles confiam em mim ou não, eu tenho que fazer o que eu acho que é certo! — disse, determinada.
— Yara… Eles precisam de você — colocando uma de suas mãos sobre o seu ombro, falou Maíbi.
“Naquela noite, quando o bosque ardeu em chamas, eu não tive escolha, minha avó fez o que ela achou que tinha que fazer, foi sua escolha, porém desta vez, eu tenho uma escolha.” — pensou, decidida.
— Obrigada, agora eu sei o que devo fazer — Yara pensou em Lynn.
— Obrigada? Eu apenas esclareci a sua mente, quem lhe mostrou a resposta foi a força.
Ainda era dia e o dia estava claro. Decidida, assim que se recuperou, saiu em seu cavalo no mesmo dia. Ao longe avistou a cidade em chamas, a verdadeira visão do caos, com seu grande muro tendo sido derrubado. Um exército enorme invadia a cidade e Yara, amedrontada, sentiu um pequeno calafrio.
Ela chegou tarde, mas nunca é tarde para salvar vidas. Diante de todo aquele caos, ela se preparava para sua batalha.