A Herdeira do Gelo - Capítulo 2
Após muitos anos sem nunca falar com alguém, Yara conhece um duende muito divertido e tagarela; ele conheceu sua mãe, assim como Maíbi, que segundo suas palavras, sua mãe se encontrava no topo da montanha mais alta de Heredem e era lá que ela precisava ir para buscar suas respostas e enfim descobrir o que estava acontecendo com seu reino.
Os dias se passaram e logo Yara estava pronta para subir a montanha.
Com uma forte determinação em encontrar sua mãe, ela estava disposta a encarar os desafios que lhe aguardavam em sua jornada, mesmo que isso significasse colocar a sua vida em risco.
Ainda assim, não queria deixar aquele lugar, afinal, foi ali que teve os momentos mais felizes de sua vida. Ela cresceu a vida inteira naquele lugar e era difícil aceitar que agora ela estaria o deixando para trás, junto com todas aquelas memórias e lembranças.
A criança que vivia dentro dela, clamando por liberdade, finalmente teria o seu sonho se tornando realidade, mas ela ainda se perguntava se era isso que ela queria mesmo. A liberdade para muitos é um sonho distante, mas quando se conquista tal liberdade, se perde todo o resto.
Não sabia se estava realmente pronta para encarar o mundo. Sua avó lhe falara muitas vezes que o mundo era cruel e ela teve certeza disso quando perdeu a única pessoa que amava. Naquele dia, Yara aprendeu algo, ela aprendeu que a dor da perda dói, talvez mais do que possa suportar, e que a solidão não é gentil.
Todos os dias ela sonhava com aquele dia, não havia uma única noite em que seu sono não era interrompido por aqueles pesadelos horríveis, e em todos eles, ela se sentia culpada, culpada por não ter sido forte o suficiente para ter feito alguma coisa.
Esse sentimento nunca a deixou. Em sua mente, suas memórias pareciam mentiras, suas lembranças mais belas pareciam nunca ter existido, já que seus olhos nunca mais poderiam encontrá-la e agora ela só existia em seus pensamentos.
Quis se despedir uma última vez do lugar onde passara toda a sua infância, se recordando dos pequenos resquícios de felicidade que tivera ali.
Chegando no túmulo de sua avó, ela se abaixou e com seus pés afundados na neve, permaneceu em silêncio. Em seguida fechou os olhos e se deixou afogar em lembranças, até que abrindo seus olhos novamente, ela sorriu e falou:
— Obrigada, por tudo…
O coração dela se apertou ao redor do local vazio onde enterrou sua avó, ao lado da casa onde costumava ficar.
Agora, antes de subir a montanha, foi ver Arak e Maíbi. Chegando ao local Yara encontrou a porta entreaberta, provável que Arak e Maíbi estivessem em casa ocupados fazendo algo, mas sem qualquer aviso ela entrou e então falou:
— Eu me decidi. Eu irei subir a montanha.
Desta vez a casa estava muito bem mais arrumada do que a última vez em que esteve lá, como se Maíbi já soubesse que Yara viria e, então, arrumou a casa para recebê-la.
— Yara! V-você voltou! — falou Arak, surpreso em vê-la.
— Eu sabia, eu sabia que você aceitaria, Yara — disse Maíbi. — Então você está pronta?
— Eu estou pronta, mas espero que essa não seja a última vez que nos vejamos — respondeu ela com um sorriso.
Maíbi se virou de costas e pegou um jarro contendo um estranho líquido roxo, depois derramou uma gota em seu dedo e falou:
— Ainda há algo que posso fazer por você para te ajudar em sua jornada. Vamos, chegue aqui.
Com um pé atrás a garota foi até onde a mesma se encontrava, por pouco não esbarrando nas muitas estantes que tinham pela casa e acidentalmente fazendo uma bagunça.
— Ok… e o que é então? — perguntou ela.
— Feche seus olhos.
— O que? Mas…
— Apenas feche seus olhos, confie em mim — insistiu Maíbi.
Os olhos de Maíbi começaram a brilhar forte em cor amarela, estes que antes tinham uma cor escura. Yara fechou os seus olhos e logo em seguida Maíbi tocou em sua testa com seu dedo indicador, fazendo algo despertar dentro de si.
Segundos depois uma estranha sensação lhe veio, durante esses poucos segundos ela pode ver centenas de memórias da qual não eram suas, e em uma delas, viu sua avó, mas essa estava muito mais jovem do que conhecera, juntamente com uma outra mulher ainda desconhecida.
— Agora, abra os olhos — falou Maíbi com uma voz calma e relaxante. — Me diga, depois disso você sente algo de diferente em você?
— Eu… Eu não sinto nada de diferente, o que você fez?
Naquele instante Yara sabia que algo dentro dela havia sido despertado, apenas não sabia o que era ainda, porém sabia que a partir daquele momento, sua vida mudaria por completo.
— Com o tempo você perceberá, não se preocupe. A mudança que hoje corre em você, quem decidirá se irá usar isso para o bem ou para o mal é você, esse é um caminho que somente você pode trilhar. Suas escolhas serão as escolhas que decidirão o futuro.
— Espere… Isso é algum tipo de enigma ou coisa do tipo? É que eu realmente não entendo o que a senhora fala — retrucou Yara.
— Bem, descubra sozinha.
— Eu falei, Maíbi é sempre estranha, mas eu já me acostumei com todo esse mistério que ela faz — falou Arak.
O duende estava sentado em um banquinho pequeno de madeira feito inteiramente para alguém de seu tamanho.
— Eu sou estranha pra você então? — perguntou Maíbi.
— Estranha seria pouco. Pelo menos Yara deve me entender…
— Mas enfim… Te desejo boa sorte, espero que consiga encontrar as respostas que busca — falou a mesma e sorriu logo após.
Dito isso, a garota se despediu de ambos e foi ao encontro da trilha para subir a montanha. Sentiu um forte Déjà vu, quase como se já tivesse vivido esse dia, suas memórias estavam confusas, mas ela tinha certeza que em algum momento já havia passado por isso, ainda que também acreditasse nunca ter saído daquele bosque.
Chegando até o início da trilha, ela encontrou um pequeno e barbudo anão que aparentava ter 50 anos ou mais. Ele usava uma armadura de ferro simples e enferrujada, e ao seu lado se encontrava uma enorme criatura de quatro patas, carregando armas e ferramentas de tudo quanto é tipo e tamanho.
— Porcaria, ande logo! Sua besta de quatro patas! — O anão empurrava a criatura que se recusava a caminhar.
Pensando que talvez aquele senhor precisasse de alguma ajuda, ela se aproximou. Sua avó sempre dizia que quando tivesse a chance de ajudar alguém, deveria fazer sem pensar duas vezes.
— Ei! Você precisa de ajuda, senhor?
— Senhor? Está me chamando de velho? Eu só tenho 52 anos! — retrucou o homem.
— D-Desculpa! Eu não queria… — tentou se explicar, mas sua voz foi interrompida.
— Porra, se eu precisasse eu já teria pedido. Eu sei me virar, espere… Você é um menino ou uma menina?
Por um segundo o anão parou para analisar se o que estava vendo em sua frente era um garoto ou uma garota, mas não encontrou uma resposta.
— Isso realmente importa? — Yara perguntou.
— Que seja. Essa merda não quer andar de jeito algum, Tordek me havia falado que ela seria uma boa escolha para os negócios, mas pelo jeito ele me enganou.
A criatura parecia irritada e por isso insistia em não se mover, qualquer esforço parecia inútil, além do mais a criatura era pesada demais até mesmo para empurrá-la ou a obrigá-la a andar.
— Um momento, me deixe tentar algo — movendo-se para perto da criatura, Yara começou a acariciá-la. — Tá tudo bem amiguinha, você consegue, eu sei que você pode fazer isso.
Em seguida a criatura que antes se recusava a sair do lugar começa a caminhar, parecendo ter gostado da garota.
— Menina, né? Puta merda, você é mesmo mágica, garota! — falou o anão, surpreso. — Onde aprendeu a fazer isso?
— Eu… Eu não fiz nada, acho que ela só deve ter gostado de mim, apenas isso.
— Comigo a mal educada nem ao menos perguntou o meu nome, então não perguntei o dela também.
Yara sempre dava nomes aos pássaros que ela encontrava pelo bosque perto de sua casa, mesmo que ela nunca se lembrasse deles. Acreditava que os animais pudessem a entender e essa era a forma que encontrava para mostrar respeito.
— Você ao menos tem alguma consideração por ela? — Ela perguntou.
— Bem, se ela fizer o trabalho dela direito, eu cuidarei bem dela, é assim que funciona.
Ouvindo isso a criatura se virou para o Anão e cuspiu na cara do mesmo, mostrando entender o que eles falavam, e aparentemente não tendo gostado do que acabou de ouvir.
— Argh!.. Filha da puta! — reclamou o anão.
— Idiota — murmurou Yara e soltou uma leve risada.
— Mas e então garota, me diga você, você veio conhecer as incríveis mercadorias do grande Travok?! — animou-se o Anão — Acredito que você já deve ter ouvido falar de mim alguma vez!
Ele puxou algumas espadas e machados que estavam sendo carregados pela criatura e os colocou sobre o chão.
— Não, não, não!… Eu… — Ela tentou se explicar.
— Os melhores equipamentos de todos os sete reinos, você só encontra aqui! — continuou ele, interrompendo Yara. — Temos armas de tudo quanto é tipo, espadas, arcos, martelos, machados, armaduras, escudos… O que você irá querer?
Antes que Yara pudesse falar algo ele a interrompeu mais uma vez.
— HA! Já sei! Eu sei algo perfeito para você! — falando isso ele pegou uma espada enorme, tendo dificuldade até mesmo para levantá-la. — Não… Na verdade, eu acho que isso seria pesado demais para você, que tal isso então?! — dessa vez o Anão puxou uma espada um pouco menor, feita de um metal muito brilhoso. — Não… Isso também não… Uma espada não é nada a sua cara. Hmmm… Vejamos, um arco talvez?
— Eu não pedi nada… — falou a garota.
— O que? Você não quer comprar minhas mercadorias? Mas que caralho, por que não falou logo? — disse o Anão virando as costas e indo em direção a uma trilha que havia logo ali.
A trilha era estreita e íngreme, caminhar por ela seria uma tarefa extremamente difícil e cansativa. A jornada seria longa, para chegar ao topo demoraria cerca de meses.
— Espera! Você também vai subir a montanha? — Ela quis saber.
— O que você acha? Não é óbvio? É claro que vou! Os negócios de onde venho não estavam sendo os melhores, então decidi tentar a sorte na montanha, disseram que lá os negócios costumavam ser melhores.
— Eu também irei subir a montanha, preciso achar minha mãe no topo mais alto da montanha, que tal subirmos a montanha juntos?
Era notável a empolgação na voz da menina. Para alguém que passou tempo demais sozinha, uma companhia não lhe faria mal.
— Com você? Tá de sacanagem, né? Pelo amor, eu não mereço isso, mas não mesmo — disse o Anão, mal humorado. — Por um acaso eu virei alguma babá ou coisa do tipo?
— Ora, vamos lá! Myla até mesmo gostou de mim já!
Ao ouvir isso a criatura se alegrou, como resposta fazendo um som bem agradável, demonstrando ter gostado do nome.
— Viu? Ela gostou do nome, a partir de hoje ela se chamará Myla, não é, Myla? — mais uma vez acariciou a mesma, esta na qual retribuiu.
— Sério? Esse é o nome que deu pra ela? — disse ele caindo em gargalhada. — Até mesmo eu que não sou bom com nomes sei que esse é um péssimo nome.
— Ei! O nome combina perfeitamente com ela! Olhe para ela e me diga se ela não tem cara de Myla — Yara falava se referindo ao animal.
Ele a olhou com um olhar de tamanha desaprovação e já se arrependendo da ideia, ele falou:
— Se for mesmo me acompanhar, só não me encha o saco, garota. Esse seu jeito bobo e alegre me irrita, e se você se ferir ou algo do tipo, a culpa não será minha.
Ela assentiu com a cabeça.
— Mas… Como você se chama? Ainda não me falou o seu nome.
— Travok.
A resposta foi seca, como já era de se esperar.
— Legal… Eu me chamo Yara! — respondera a garota estendendo sua mão para o mesmo.
— Vamos logo, eu não tenho o dia todo — ignorando-a, ele a empurrou de sua frente, certamente Travok não estava para fazer amizades.
Em seguida, ambos começaram a caminhar pela trilha, indo em direção ao topo da montanha. Passado-se horas, o dia já estava escurecendo e eles ainda se encontravam no meio daquela trilha escura e fria.
— E pra onde você quer ir exatamente, Travok?
— Para a cidade de Valravam, localizada na parte mais baixa da montanha, que também é a menos fria — respondeu o Anão.
— E quantas pessoas vivem lá? — quis saber.
— Eu sei lá porra, como eu vou saber se eu nunca estive lá?
Era estranho como o nome lhe parecia familiar mesmo nunca tendo o escutado ou sequer ter estado lá, talvez em sua vida passada ela tenha visitado aquele lugar em algum momento.
— Parece legal, um dia quero poder visitá-la! — disse a garota, com a voz cheia de animação.
— Humpf… E comprar minhas mercadorias ninguém quer, né?
Enquanto conversavam, Yara sentiu um mal pressentimento, parecido com o que sentiu quando encontrou Arak no bosque, mas desta vez de maneira muito mais intensa e ameaçadora.
— Espere! Tem algo de errado… Eu estou sentindo algo… — alertou ela, mudando totalmente sua postura.
Podia sentir aquela sensação reverberando pelos seus arredores, como se fosse um sinal para ficar em alerta.
— Do que você está falando, menina? Você está maluca? — indagou Travok, se virando para a mesma. — Se isso for uma brincadeira, saiba que eu já estou velho demais pra isso.
“É a mesma sensação de quando senti estar sendo observada? Não… Agora é diferente, eu consigo sentir um forte desejo de matança por trás dessa sensação! Mas quando foi que meus instintos ficaram tão aguçados?”, pensou Yara.
Acreditando que tudo isso fosse paranoia sua, Travok se virou para voltar a caminhar, no entanto, no momento em que se virou, o mesmo se deparou com uma fera monstruosa a sua frente, pulando em sua direção.
A Fera tinha a aparência de um lobo, com dentes enormes e garras muito afiadas, e em um piscar de olhos, Yara apareceu em sua frente segurando as garras da fera com sua lança, salvando o anão por um triz.
Com tudo isso acontecendo, Myla se assustou e correu em direção às árvores, logo se perdendo da visão deles.
Yara usou toda a sua força para empurrar a fera com a lança, jogando-a para trás e a fazendo correr de volta de onde viera.
— HA! Eu acho que consegui assustar ele — disse a garota pulando de empolgação pelo feito que acabara de fazer. — Mas para onde foi Myla?
— Eu não teria tanta certeza… — falou Travok tendo um mal pressentimento quanto a isso.
Na verdade, a fera não estava assustada, apenas tinha ido chamar o seu bando, e agora, vindo da mata surgiram outros 5 lobos selvagens iguais àquele, todos com um grande desejo de matança. Seus olhos tinham uma cor avermelhada, cor essa que representa o sangue e a morte.
— Puta merda… E o que a gente faz agora? — perguntou o Anão assustado, enquanto se afastava lentamente dos Lobos.
— Eu não sei, correr talvez?
— Me parece uma boa ideia, você realmente sabe usar a cabeça garota.
Os lobos uivaram para os céus e lentamente caminharam em direção a ambos, cada vez mais os cercando; até que eles decidiram correr para a floresta para onde foi Myla, os lobos os perseguiram e então não vendo outra maneira de escapar dessa situação, eles avistaram uma caverna e logo foram ao encontro da mesma, na intenção de despistar o bando.
— Ali! Uma caverna! — apontou Yara.
Assim que entraram na caverna, se viram em total escuridão, mas logo esse problema foi resolvido, já que Travok levava um isqueiro em seu bolso. O que eles não sabiam, é que esse era o menor dos problemas, sem que soubessem eles entraram na Toca dos Lobos e o líder dos lobos teria acabado de acordar de seu sono, tendo um enorme lobo de pele branca na frente de ambos, muito maior do que os anteriores.
— Droga, acho que não deveríamos estar aqui… — falou Travok espantado com a enorme criatura a sua frente. — Ele não parece tão contente em nos ver…
— A saída! — gritou Yara se virando para trás.
Em seguida, antes que pudessem voltar de onde vieram, os Lobos de antes os alcançaram. Estando agora cercados de ambos os lados e sem nenhuma saída, só restando uma única opção, lutar.
Travok – O anão