A Herdeira do Gelo - Capítulo 23
Quando Jin está quase matando Kian, ele diz a ela sobre saber onde está seu irmão Sunn, um garoto de ainda 10 anos de idade que há semanas está desaparecido.
Ela acaba hesitando na hora de matá-lo e Jay começa a falar sobre seus deveres como membro da família da ordem dos assassinos, o que consequentemente acaba gerando uma discussão entre ambos.
Com a discussão acontecendo, Kian se vê diante da oportunidade perfeita para atacar Jin pelas costas, então perfurando seu peito e retirando seu coração com as mãos, depois o espremendo sobre sua cabeça e se banhando em sangue.
— Isso é lindo… a morte é maravilhosa! — falou ele em êxtase enquanto olhava para os céus.
Diretamente dos céus, quase como uma resposta dos deuses, um corvo de cor verde se revelou sobrevoando os arredores. O céu se abriu e as nuvens se dissiparam, transformando-se em um céu nublado.
— Jin! — gritou Jay no momento em que o corpo de Jin chegou ao chão e uma poça de sangue começou a se espalhar no local.
Ele soltou sua espada e em seguida correu até o corpo de sua irmã sem pensar duas vezes, o segurando sob seus braços e a chamando pelo nome enquanto seus olhos se marejaram em um mar de lágrimas.
— Jin…? Jin acorda! Nós vamos dar um jeito nisso! Vamos cuidar de Sunn juntos, você prometeu! Era a nossa promessa!
Sua vida inteira foi matando pessoas, nunca sentiu o peso que é perder alguém querido. Entretanto, naquele instante ele havia perdido a pessoa que mais importava para ele, sua irmã, aquela que praticamente viveu ao seu lado em todos os momentos de sua vida.
Aquela promessa nunca mais poderia ser cumprida, já que nunca mais se encontraria com aqueles olhos.
Se lembrou do que um dia ela lhe falara:
“Irmão, por que nós matamos as pessoas? Todas aquelas pessoas… Elas mereciam mesmo morrer? Afinal, o que somos nós? Nós somos… monstros? Eu não quero que Sunn me veja desta forma…”
Estava tão obcecado pela missão que até mesmo esqueceu do que de fato importava, se tornando uma casca vazia e sem emoções, um verdadeiro monstro.
Após um minuto de silêncio, tornou a fechar os olhos, abaixou a cabeça em reverência e respirou profundamente. Ao abrir os olhos, levantou-se e caminhou calmamente em direção a Kian
— Seu… seu psicopata de merda! Eu vou matar você! — gritou, a voz cheia de ódio. — Vai pagar por isso!
— Você acabou de perder a unica chance que tinha de me matar, ainda não percebeu? Aprenda a encarar as consequências de suas ações!
Em seu semblante, a mais pura maldade. Um verdadeiro semblante desgraçado. O encarava com tanto desprezo no olhar que o cavaleiro por tão pouco não se sentiu amedrontado.
— É verdade, é tudo minha culpa… — pegou-se sua espada do chão e pressionando-a com força, continuou: — Mas… mesmo assim… eu vou matar você!
O vilão riu, dando gargalhadas secas e cruéis.
— É uma piada? A poucos instantes atrás você estava para se juntar a mim e agora quer me matar?
Colocando uma de suas mãos no chão, Kian invocou um de seus soldados mortos-vivos, e então puxou uma espada velha do mesmo. Logo o soldado se desfez em uma fumaça esverdeada que fora deixada para trás, desaparecendo no ar.
— Não se preocupe, logo mais irá se juntar à sua irmã e ambos se tornaram parte do meu glorioso exército — Kian se vangloriava enquanto falava.
Ao longe podia se ver Christa, ela já tinha subido até o topo da muralha e agora corria ao encontro do deus do caos.
— Infelizmente teremos que deixar nosso confronto pra outra hora. Nos encontraremos de novo, esteja certo disso Kian — disse Jay por fim.
Caminhou-se até perto da borda e se preparou para pular, até que, de costas para Kian, uma voz foi ouvida:
— Jay! O que está fazendo?!
Aquela era a voz de Christa, que assim que viu o corpo ensanguentado de Jin estirado no chão, arregalou os olhos e congelou.
Em um último olhar, Jay se virou para ela e falou:
— Christa… Você estava certa, você sempre esteve certa. Este grupo está quebrado, e talvez eu também esteja…
Dito isso, deu as costas e pulou para fora dos muros.
Sabendo da presença da mesma, ele direcionou seu olhar para Christa, que o respondeu com um olhar intimidante. A expressão que antes era de espanto, agora deu lugar ao ódio e ao rancor.
— Olá Christa, ou devo a chamar de a dançarina? — a pergunta foi propositalmente rude, sabia que não usava aquele título a um tempo.
Não era surpresa alguma para ela que Kian a conhecesse pelo título que carregava como cavaleira, porém aquele título não lhe trazia boas memórias e ele sabia bem disso.
— Não estou aqui pra isso. Vá pro inferno Kian — retrucou friamente.
Enquanto caminhava em direção ao seu inimigo, começou a girar sua lança sem parar, acendendo-a em chamas e cobrindo todo o seu braço esquerdo. Queimava tão intensamente que até mesmo podia sentir o calor batendo em seu rosto.
Sabendo que a espada que carregava em mãos não seria o suficiente para o proteger do calor de Christa, ele logo soltou sua espada e tapou o rosto com os braços, esperando que aquilo fosse o proteger. Mesmo daquela distância, ainda podia sentir sua pele queimando como se estivesse de frente a um enorme forno.
“Como ela pode aguentar todo esse calor? Isso é humanamente impossível… Será que ela é mesmo humana?” — pensou Kian.
— Deve estar se perguntando como alguém consegue aguentar tanto calor, é simples, eu sou o seu inferno — respondeu ela.
Partindo para o ataque sua lança foi de encontro à Kian, descendo em direção ao seu ombro, e então obrigando-o a usar um de seus braços para bloquear o ataque.
Usando ataques seguidos e coordenados, ela começou a pressioná-lo cada vez mais e mais. Não tendo outra escolha, ele recuou até o ponto em que seus golpes não o alcançariam. A cada ataque desferido, suas chamas se acendiam ainda mais.
— Vejo que é uma mulher bem esquentadinha… — comentou enquanto olhando para o dano causado em seus braços.
Somente com os poucos ataques recebidos, o dano já era visível, era certo que aquilo deixaria marcas graves de queimadura.
Christa não atacava com vontade, estava se segurando. Ela analisava cada ponto fraco em sua defesa, cada pequena brecha, cada pequena falha. Não lutava com força, mas com a inteligência. Essa era Christa, uma verdadeira especialista no combate.
A defesa de Kian por sua vez era falha, ainda que fosse eficiente, ele era lento. Se seus olhos não pudessem acompanhar seus movimentos, seu corpo também não poderia.
— Estilo do sol, segunda forma… — sussurrou ela.
A arma começou a girar através de seus dedos delicados, fazendo um som ao se mover pelo ar, um zumbido baixo e grave. Christa inspirou, expirou, e a lança acelerou aos poucos.
O tom de sua passagem pelo ar mudou, deixando de ser um zumbido grave e se tornando um tom mais alto. A lança se movia com rapidez, rápida demais para ser vista.
Seus movimentos ficaram ainda mais rápidos, tão rápidos que nem mesmo Kian conseguia acompanhar. Ela começou a passar sua lança de uma mão a outra, tal como uma labareda flamejante, e seus dois braços logo se cobriram em chamas.
Era belo, mas mesmo assim fechou os olhos. Ela não precisava ver, precisava escutar. Sua lança não era apenas uma arma. Ali, naquele momento… era um instrumento.
Com movimentos confusos e imprevisíveis, não se sabia com qual das mãos ela iria atacar, era impossível de prever. Até mesmo para um deus como Kian isso estava além de suas capacidades.
Pela primeira vez, Kian foi superado por um mortal.
“Com qual das mãos? A direita? A esquerda? As duas? Não dá pra saber! Droga, eu sou um deus! Eu deveria ser invencível!”
Christa deu-se seu primeiro movimento. Inicialmente teve a impressão de que a lança estivesse vindo de cima, depois de baixo e, por fim, de todas as direções possíveis. Observar aqueles movimentos de tão perto era hipnotizante para seus olhos.
Antes que pudesse pensar em qualquer coisa, ela falou:
— Lento demais.
E então teve seu corpo perfurado inúmeras vezes em diversos pontos diferentes, sem ter qualquer chance de reação. Caindo de joelhos no chão, sentiu cada gota de sangue se esvaindo de seu corpo e de sua boca cuspiu-se sangue.
Parando sua lança, as chamas logo se apagaram.
Seus braços agora tinham uma aparência repugnante, pulsando em carne viva, porém ainda assim, parecia não sentir nenhum incômodo.
— Quem está rindo agora?! — gritou Christa, levantando sua cabeça enquanto puxava seus cabelos e o forçava a olhar diretamente em seus olhos. — Olhe para mim! Olhe nos meus olhos seu desgraçado!
— Se acha que vou morrer aqui, está enganada… — cuspia sangue enquanto falava cada uma das palavras que saiam de sua boca.
— Até mesmo perto do fim continua a ser um canalha!
Todo o seu corpo doía, sentia como se tivesse sido alfinetado diversas vezes seguidas. Tão fraco ele começou a murmurar algumas palavras sem sentido. Christa se aproximou para ouvir o que ele dizia e então o mesmo cuspiu em seu rosto.
Com um semblante de ódio e desprezo estampado em sua feição, ela limpou o seu rosto e com a mão que estava livre lançou-lhe um murro, acertando bem no meio de sua cara e o fazendo cair para trás.
— Está doendo, não está?! Como é estar no lugar de todas aquelas pessoas a quem fez sofrer?! — exclamava enquanto observava Kian sofrer pelas consequências de suas próprias escolhas.
Assistir Kian agonizando de dor no chão era tão prazeroso quanto ver as pessoas que destruíram sua família queimando em agonia em seu próprio inferno enquanto ela assistia tudo.
Usando as últimas forças que lhe restavam, com muita dificuldade ele se arrastou até o corpo de Jin, criando então um rastro de sangue por onde passava, e estendendo o seu braço sussurrou: — Acord… — antes que terminasse de falar, Christa cortou sua mão fora.
Kian berrou de dor, uma de suas mãos acabara de ser arrancada por Christa, que agora sorria enquanto observava todo o seu sofrimento.
— Lilith… Me dê forças… — tentava falar, mas não tinha mais forças.
— Tente se salvar o quanto quiser, nada irá lhe salvar do seu sofrimento. A morte é a única coisa que lhe aguarda!
Para toda a dor causada, para todo o sofrimento causado, ela lhe causaria o dobro. Por todas as vidas tiradas, por todas as famílias destruídas, ela devolveria tudo em dobro. O faria sofrer até seu último suspiro, sua morte seria lenta e dolorosa.
— Não se preocupe, seu sofrimento só está começando.
“Essa mulher… Acha que pode me matar? Ela não é humana, essa mulher é um demônio! O demônio de Valravam!” — Kian aos poucos era tomado pelo desespero enquanto tinha sua vida sendo arrancada de seu corpo.
Christa o agarrou pelos cabelos e começou a arrastá-lo até a beira, então o erguendo no ar e dizendo:
— Mudei de ideia, você vai morrer agora. Que seu inferno seja o pior de todos, espero que você queime até não sobrar mais nada.
Quando o enfim soltou, seu corpo caiu imovel no chão, aparentemente sem vida. Kian finalmente estava morto.
Kanan viu o seu corpo chegar ao chão e logo correu para conferir se estava mesmo morto. Quando viu os inúmeros buracos em seu corpo sentiu um leve enjoo e seu estômago se embrulhou.
Ao que tudo indicava era impossível ele ter sobrevivido, ninguém sobreviveria caindo daquela altura, ao menos ninguém normal.
Alguns minutos depois, Christa apareceu ofegante, estava com uma aparência horrível. Somente agora ela notou o estado em que se encontrava seus braços.
— Não deveríamos tê-lo matado… Precisávamos ser um exemplo para o povo! Um símbolo de paz! — exclamou enfurecido.
— Fiz o que tinha que ser feito. Se você não pode, eu faço.
— Então é isso? Simplesmente acabou? — perguntou Kanan olhando para a cidade em chamas.
Nas costas de Kian, um símbolo começou a brilhar fortemente sem que tivessem notado. Suas feridas logo começaram a se curar e uma nova mão surgirá no lugar da que perdeu, porém esta tinha uma cor negra.
“Lilith, mãe dos demônios, eu lhe peço, liberte meus poderes”, pediu de joelhos para a mesma.
“Essa é a primeira vez em muito tempo que um deus aparece aqui, sua presença me é uma surpresa. Posso conceder o seu desejo, porém Isso lhe custará caro, esteja certo disso. Pactos não costumam sair baratos.”
“Nenhum preço é alto demais para completar a minha vingança.”
Em troca de seus poderes, Kian aceitou fazer um pacto com a mãe dos demônios, um dos principais pilares do inferno. Ainda no chão, ele sussurrou:
— Despertem agora…