A Herdeira do Gelo - Capítulo 25
As armas voaram ao encontro de Kian, que surpreendentemente não se moveu. Estavam em direção de seu pescoço, contudo, assim que perceberam que não adiantaria, recuaram em passos para trás, aumentando a distância em um metro do adversário.
— Estavam tão perto, por que recuaram agora? — O vilão falava transbordando-se em arrogância.
Certamente a cavaleira também percebeu que aquilo não funcionaria. No instante em que se transformara, não somente sua força aumentou como também a resistência. Se o atacassem agora, suas armas quebrariam no mesmo instante.
Se tem algo que Christa aprendeu com seus treinos para se tornar uma dançarina do sol, era que para vencer seus inimigos confiar somente em sua força não é o suficiente. Precisa usar tudo o que aprendeu de uma só vez, somente assim vencerá a luta.
“Se o inimigo parecer forte demais, impeça-o de lutar. Até mesmo o maior dos gigantes pode cair”, ela se recordou do que um dia sua mestra lhe falara em um de seus treinos.
— Se não posso te quebrar, é só derrubar — disse a cavaleira emanando pura confiança, então colocando todo o peso de seu corpo em sua perna e dando-lhe uma rasteira.
Yara fez o mesmo, por fim fazendo Kian perder o equilíbrio e ir até o chão. Sua queda foi rápida, levando apenas um segundo, o mesmo tempo que uma folha levaria para alcançar o chão. Afinal, se no fim todos somos iguais, qual é o peso de nossas vidas?
Independente das escolhas que fizesse, todas elas a levavam para o mesmo lugar. A luta nem sequer havia acabado e seu destino já estava traçado mesmo antes do fim. Kian havia perdido, não porque era fraco, mas porque seus inimigos tinham algo que ele nunca teria.
Ele perdeu, perdeu para o amor que tinham uns pelos outros, pela confiança que tinham uns nos outros e pelo símbolo de esperança que eles carregavam para aquelas pessoas.
A inveja tomava conta de seu ser e lágrimas de frustração poderiam ser vistas caindo sobre o solo.
“Por que? Por que eu continuo sendo fraco? Mas que droga! Mesmo depois de conseguir tanto poder… eu… eu deveria vencer! Eu deveria ser forte! Eu deveria ser invencível! Então… por quê? Por que não sou forte como ele? O que ele tem que eu não tenho?”
— Poder não é tudo, Kian. Aquelas pessoas possuem algo do qual você não tem, algo que supera qualquer outra coisa. Elas possuem uns aos outros, e é isso o que lhes dá força. E você, você está sozinho, você não tem ninguém. Exceto por mim — respondeu uma voz.
— Você está errada. Poder é tudo o que eu preciso.
Com os olhos marejados em ódio, ele começou a socar o chão repetidamente com toda a força, fazendo o solo estremecer a cada golpeada que acertava o solo. Enquanto seus punhos eram manchados de sangue, ele gritava:
— Mais! Eu preciso de mais! Me dê mais poder!
— Yara, Christa! Se afastem! — exclamou Kanan que observava toda a cena de longe.
Elas fizeram, e mais uma vez o símbolo nas costas de Kian começou a brilhar de forma intensa, emanando um intenso e poderoso calor. Desta vez nada mudou, com exceção de seus olhos, que agora tomaram uma cor amarelada e demoníaca.
O poder que transbordava em suas veias era tanto que temia que seu corpo pudesse explodir a qualquer momento. Era difícil para ele manter todo aquele poder, seu corpo doía e sentia como se seus órgãos fossem queimados por dentro.
— Não é o suficiente… Eu preciso de mais… — Ele murmurava baixinho ao passo que tinha seu corpo consumido por aquele poder.
— Pare Kian! Você está indo longe demais! Se continuar com isso, eu terei que interferir! Não me obrigue a fazer isso… — A voz voltou a falar.
Ele fechou os punhos e levantou com determinação, não dando a mínima para o que a voz dizia, então passando a caminhar em direção à Yara, que logo tomou uma postura defensiva.
Em sua postura, a defesa perfeita. Segurava sua arma com firmeza e confiança. Aquela era a postura de Christa, agora sendo usada por Yara. Ela nem havia se dado conta, mas estava imitando os movimentos de Christa inconscientemente.
Era impossível para ela não reconhecer aquela postura, a forma como empunhava sua arma com confiança e a maneira como posicionava seus pés no chão com firmeza. Aquela com certeza era a postura de uma verdadeira guerreira do sol.
Uma lágrima de orgulho desceu do rosto de Christa.
Tão próximo o vilão se preparou para dar o seu primeiro golpe em uma investida frontal. Yara respirou fundo e se conectou com a força. Através da força ela podia ver o fluxo de seus movimentos e prever cada um de seus ataques, como se houvesse uma corda invisível a guiando.
Desferiu-se uma série de golpes seguidos contra a mesma, porém em todos eles não teve sucesso. A defesa de Yara era incrível, diferente de Christa que tinha sua defesa compensada pelo ataque. A postura da cavaleira era inteiramente focada no ataque, mas se combinada com seus sentidos e sua forte ligação com a força, seria imparável.
Kian sentiu uma leve pontada em seu peito, como se estivesse sendo alfinetado por algo pontudo, e então enquanto arquejava ele falou:
— Ouvi falar sobre você antes, sabia? Sua mãe é Quionne, a deusa do gelo, estou certo?
Yara não fazia ideia do que ele estava falando, apesar de o nome lhe ser familiar, afinal aquele era o nome de sua mãe.
— O que? Está mentindo… Você não sabe nada sobre a minha mãe!
— Eu sei muitas coisas. Sua mãe foi a deusa responsável por trazer o fim dos gigantes, não de forma direta, mas foi ela quem influenciou Odin a exterminar os gigantes de nosso mundo.
— E como você saberia disso? — retrucou ela.
— Seus pais não lhe ensinaram história? Os gigantes foram mortos a mais de 3.000 anos atrás.
Se ela bem recordava, era estranho como sua avó nunca lhe contava sobre os gigantes em suas histórias, da mesma forma que também não contava sobre sua mãe. E sempre que começava a falar sobre os tais gigantes, ela simplesmente mudava de assunto, ou a mandava para cama dizendo que já era tarde demais.
— Não lhe dê ouvidos! Esse cara é louco! — exclamou Christa, estando logo atrás de Yara.
— Eu fui mandado aqui pra matar você, mas eu já não sei se quero fazer isso. Me fizeram pensar que éramos inimigos. Odin queria nos colocar uns contra os outros, porque ele tem medo da gente.
— Odin? Como Odin sabe sobre mim? — Yara quis saber.
— Ele sabe de tudo.
A essa altura Kian acreditava que Kanan estava fora de jogo, porém o que não sabia era que ele não era o único presente que era difícil de ser derrubado. Desde quando era apenas um garoto, quando o assunto era aguentar pancada, ele era o melhor.
Orlen e ele sempre se metiam em confusões e quando o final da tarde chegava acabavam aparecendo com o olho roxo.
Lembrar daquela época o deixava animado e lhe dava forças para continuar lutando. Mesmo ferido, ele se levantou e se esgueirou com cuidado para perto de Kian, então levantando sua espada contra o mesmo e gritando:
— Morra!
Esperava pega-lo de surpresa, mas ao invés disso recebeu um soco desprevenido no estômago, consequentemente voando alguns metros de distância e batendo as costas em uma parede de tijolos.
— Capitão! — gritou Christa.
A parede de tijolos desabou em cima de Kanan, o soterrando entre os destroços. Seus ossos estavam quebrados, não podia mais se mover.
— Yara! Ajude Kanan!
— Não, eu estou bem! Precisam acabar com isso agora, ele está em seu limite, acabem com ele! — exclamou ele.
Christa partiu mais uma vez para cima do vilão, que desta vez esquivou com facilidade e com um ataque certeiro acertou o seu braço esquerdo com toda a força, o quebrando no mesmo instante. Em seguida se virou para finalizar Kanan e suas pernas se congelaram.
Com suas pernas congeladas, ele direcionou seu olhar para a garota e apenas riu. O gelo outra vez se rompeu e ele caminhou até onde estava Kanan e começou a retirar os destroços de cima do mesmo.
Pouco a pouco a face do cavaleiro ia se revelando e um sorriso maléfico se abria no rosto de Kian.
— Aí está você! Como gostaria de morrer? Prefere uma morte rápida ou uma morte lenta? Na verdade, sou eu quem escolho!
Ele o agarrou pelos cabelos ruivos, agora bagunçados, e começou a socá-lo com força, dando um soco atrás de outro, e mais outro e mais outro… Sangue era jorrado para todo o lado e Kanan aos poucos tinha sua visão se esvaindo; em sua visão, o mais puro vermelho em sangue. Tudo que antes era belo, agora aos poucos perdia sua cor.
— Yara! Faça alguma coisa! Você precisa fazer alguma coisa! — gritava Christa com a voz cheia de desespero. — Ou senão… ou senão…
Em completo choque, Yara se encontrava. Estava parada enquanto tremia com sua arma em mãos sem saber o que fazer. Queria fazer algo, mas não sabia se podia, Kian era poderoso demais e sua avó nunca a preparou para enfrentar algo como isso.
Com seus punhos manchados em sangue, ele continuava:
— Não estou ouvindo sua voz, o que foi que aconteceu? Por que você não grita? Está com sono?! Deixe-me te ajudar então!
Kian se preparou para dar o golpe final, mas quando enfim seu punho se aproximou do rosto de Kanan, teve seus dois braços segurados por uma força misteriosa. Aquela era Lynn, que acabara de chegar no campo de batalha ao lado de Orlen.
— Você não vai o matar! Eu não vou deixar! — falava Lynn com determinação na voz.
— Não importa quantos de vocês apareçam, contra um deus números não são nada. Vocês só estão atrasando o inevitável. Eu sou inevita-
Sua fala foi interrompida quando mais uma vez suas pernas foram congeladas por um gelo frio e congelante. Ouvir Lynn tão determinada encheu Yara de coragem para lutar, ela não iria desistir tão fácil.
— Por que?… Por que você não desiste? Por que você insiste em lutar?! Por que não aceita a derrota logo de uma vez criança?! Aceite que perdeu! — seus olhos se enchiam de ódio enquanto falava cada uma das palavras que saiam de sua boca.
— Infelizmente eu sou teimosa demais.
— O único que perdeu aqui é você! — retrucou Orlen, abraçando-o com força por trás e o prendendo a si.
Ainda perdendo muito sangue e com o rosto completamente deformado devido aos socos que levou, Kanan sorriu e riu na cara do vilão.
— Desgraçado! Eu vou matar você! Você vai morrer! — Kian se debatia desesperadamente. — Me soltem! Eu vou matar todos vocês!
— Você foi avisado — sussurrou uma voz em seu ouvido.
O símbolo cravado nas costas de Kian parou de brilhar e o chifre que tinha em sua testa desapareceu, então voltando para sua forma original, em seguida perdendo sua consciência nos braços de Orlen, que logo o soltou no chão aliviado.
Em seus últimos respingos de consciência, antes que apagasse por completo, uma visão da força lhe foi mostrada. Nela, se podia ver a silhueta de uma mulher de cabelos longos carregando uma lança em mãos, o lugar estava frio e a sensação do frio congelando sua pele logo se espalhou por todo o resto de seu corpo.
Diante da mulher, um homem um pouco maior, cujo também tinha cabelos longos que batiam em suas costas e uma barba igualmente longa, ele carregava um martelo consigo e estava em posição de ataque, pronto para atacá-la.
Naquele instante, nuvens negras tomaram conta dos céus e uma tempestade se iniciou, e então uma voz sussurrou:
— A garota… Ela é o Ragnarok. Ela trará a ruína de nosso mundo.
E então, sem qualquer aviso, tudo se apagou e seus olhos enfim se entregaram à escuridão.
Kian caiu, e junto dele se foi toda a frustração que ele carregava por mais uma vez ter falhado consigo mesmo. Sua mãe sempre acreditou que pudesse ser um bom menino, mas ele sempre foi o oposto disso.
“Desculpa mãe… Eu falhei… De novo…”
Kian caiu, e junto dele se foi todo o sentimento de frustração que ele carregava por mais uma vez ter falhado consigo mesmo.
Sua mãe sempre pensou que pudesse ser um bom menino, mas ele sempre foi o oposto disso. Uma das únicas certezas que teve depois daquele dia, é que seu pai estava certo, ele não nasceu pra ser rei, e que sendo deus ou não, todos podem cair um dia. Até mesmo o pior dos monstros também pode aprender com seus erros.
Depois daquele dia, de uma certeza ele teria, sendo deus ou não, qualquer um pode cair um dia. A ruína vem para todos.
Até mesmo o pior dos monstros também pode aprender com seus erros.
A batalha parecia ter acabado, mas ainda tinham algo a se preocupar, provavelmente ainda tinham muitas pessoas feridas. Yara rapidamente correu ao encontro de Kanan para checar seus batimentos e teve a certeza de que ele ainda estava vivo.
— Ele está vivo, mas está inconsciente.
Quando as coisas se acalmaram, Yara abraçou Lynn aliviada por ambas estarem bem e alguns guardas se aproximaram para receber o relatório do combate. Um deles chegou em Christa e perguntou:
— Senhorita, o que devemos fazer agora? Devemos matar ele?
— Não, não vamos o matar. Kian viverá.
A resposta chocou a todos presentes, esperavam ouvir aquilo vindo de Kanan, mas de Christa…
— Nãooooo! Ele precisa morrer! Ele matou Eris! — protestou Lynn insatisfeita com a decisão.
Orlen a segurou com força e Lynn desabou em seus braços, não poderia aceitar que o assassino de seu melhor amigo não seria punido da maneira como deveria.
— Guardas, tirem-o daqui e levem Kanan para um médico urgentemente — ordenou Christa para os guardas, que assentiram sem questionar.
— Isso ainda não acabou, a verdadeira guerra ainda está por vir… — disse Orlen olhando pensativo.