A Herdeira do Gelo - Capítulo 5
Trilhando seu caminho, Yara acabou por cair nas mãos dos monstruosos e cruéis trolls; sendo salva por uma garota chamada Lynn, que se apresentou como uma guerreira de um esquadrão chamado “Os Cavaleiros da Avalanche”.
Juntas, elas os venceram; graças à fraqueza dos trolls de se transformarem em pedra quando expostos à luz solar e da ajuda de um poder ainda misterioso.
— Nome bonito, soa bem. Combina com você — respondeu Lynn com um sorriso. — Mas o que você faz aqui, tão longe de Valravam? Espere!… Eu nunca te vi antes, de onde você é?
— É… Digamos que eu não viva na montanha, eu vim de lá debaixo.
— E o que você veio fazer na montanha então? Quais são suas intenções? — perguntou desconfiada.
Analisava cada parte de seu corpo, cada pequeno movimento, cada expressão minúscula; esperando com que fizesse qualquer sinal suspeito. E quando Yara notou que estava sendo olhada de cima a baixo, suas bochechas logo tomaram um tom avermelhado.
Também ficando envergonhada, Lynn desviou o seu olhar para um ponto distante e falou: — Desculpa, não é o que você estava pensando.
— Tudo bem… Eu preciso chegar ao topo mais alto da montanha para encontrar minha mãe — continuou ela, ainda sentindo dores da pancada que levou anteriormente na cabeça.
A surpresa logo veio no rosto da jovem, que por sua vez achava ser impossível alguém realizar tal feito, ainda mais no inverno em que se encontravam. Segundo as histórias, nas alturas estava o lar dos dragões e ninguém sequer tinha coragem para pisar lá.
Porém existia uma lenda que dizia que a muito tempo houve uma guerreira de olhos azuis e cabelos brancos que além de fazer o que muitos não conseguiram; chegar ao topo da montanha, também foi capaz de domar um dragão feroz com tamanha facilidade.
— N-No topo mais alto da montanha? Você tá brincando… Não tem como sua mãe estar lá, ninguém seria tão idiota para colocar os pés lá.
— Bem, essa é minha mãe.
— Talvez ela esteja em Valravam, apesar de que temos recebido poucos forasteiros recentemente desde o começo do inverno…
— Você acha? — indagou ela enquanto tentava arrancar sua lança do troll congelado, esta na qual estava presa a criatura.
Yara estava fraca, mal conseguindo se manter de pé e muito menos fazer qualquer tipo de esforço, mas não podia simplesmente deixar sua lança para trás, afinal, aquele fora um presente de sua avó; não só isso como ela também era a única lembrança que tinha dela.
“Você não escolhe a arma, é ela quem escolhe você. Esta arma é a sua vida, jamais perca-a”, certa vez ela lhe disse.
O golpe de um troll realmente não é brincadeira, sua avó estava certa quando disse que eram criaturas perigosas. Era surpreendente como ela ainda conseguia estar de pé mesmo após levar um golpe tão poderoso como aquele, mal estava consciente e mesmo assim se empenhava em buscar forças onde já não tinha.
— Ei, pega leve! Você tá legal? Jesus, sua cabeça tá sangrando! Esqueça essa lança, o que você precisa mesmo é de um médico!
Lynn a puxou à força e ela caiu em seus braços como uma princesa adormecida, acidentalmente fazendo o troll congelado cair para trás e se quebrar em pedacinhos junto de sua arma. Todo o esforço que tivera para recuperá-la acabara de ir por água abaixo.
— Foi mal pela lança…
— Tenho que recuperar minh- — Ela murmurava. As palavras saindo de sua boca inconscientemente.
Por sorte a cavaleira estava mais do que preparada, próximo dali ela havia prendido um cavalo a uma árvore, e foi com ele que levou Yara até a cidade de Valravam, seguindo o norte da montanha.
Dentro de algumas horas, já estavam no portão da cidade.
Esta tinha muros enormes e era muito bem protegida; não era tão grande, mas, ainda assim, haviam muitas casas e construções à vista, podendo se notar também que todas essas construções eram bem antigas, levando ao questionamento de quanto tempo existiam.
Assim que deu as caras, dois homens armados com um arco e flecha apareceram no alto dos muros, estavam para atirar, porém quando perceberam que se tratava de Lynn logo abaixaram suas armas.
— Abram os portões! — gritou a cavaleira.
Sua ordem foi ouvida e os portões se abriram.
— Espera, quem é aquela com Lynn? — perguntou um dos homens que estava em cima dos muros.
— Idiota, isso não importa! Aquela mulher está ferida, veja! — retrucou o segundo, dando-lhe um tabefe por trás da cabeça.
— Cara, por que me bateu?
— Eu sei lá, talvez porque você tenha merecido?
Adentrando-se no portão da cidade, uma multidão de pessoas se reuniu em volta da cavaleira no momento em que esta desceu de seu cavalo.
Estavam todos agitados. As muitas vozes da multidão sobressaiam umas às outras: “Vejam, é Lynn! Ela voltou!”, “Lynn está de volta!”, “Graças a Deus… nossos problemas estão resolvidos”, “Meu filho não terá mais que passar fome!”
E em meio a tantas vozes, uma acabou se sobressaindo mais que as outras; grave e imponente:
— Saiam do caminho!
No mesmo instante o povo foi silenciado. Era impressionante como uma única pessoa podia acalmar todo um grupo de pessoas agitadas, mas, este não era qualquer um, este era Kanan, o líder do esquadrão dos Cavaleiros da Avalanche.
Um homem alto, de cabelos longos e volumosos, alaranjados feito as chamas de um fogo ardente, tão belos como a juba de um leão, e em seu caminhar, os mais respeitosos passos.
— Eu disse que deveríamos esperar! O que deu na sua cabeça para sair numa patrulha sozinha assim no meio da noite?! — protestou, sua voz impondo respeito aos demais presentes.
— Eu estou bem! — respondeu ela no mesmo tom.
Ele respirou fundo, se forçando a manter-se calmo, e então diminuindo seu tom de voz até que tivesse a certeza de que ninguém ouviria, falou:
— As coisas já não são as mesmas de antes Lynn, antes éramos sete e agora… — Houve uma pausa em sua fala. — Faz ideia do perigo que estava correndo lá fora?
Os moradores observavam surpresos a situação, era raro ver Kanan discutir com um de seus companheiros, a coisa realmente estava feia; não só para os cavaleiros como também para o povo.
Quando as coisas saiam de controle, os cavaleiros sempre davam um jeito, porém desta vez eles não tinham uma solução.
— Ao contrário de você, eu estava fazendo algo! — retrucou Lynn, dando uma resposta à altura.
— Agir sem pensar não vai nos levar a lugar algum!
— Nós nem ao menos sabemos se ele está morto ou não, ele pode estar em qualquer lugar lá fora, com medo, com frio e sozinho… Se você não decidir fazer algo, nós nunca o encontraremos!
— E você tem noção de quantas pessoas contam com a gente dentro desses muros? Sei que você se preocupa com ele, mas essa gente precisa de você. Se perdermos você também… Eu não sei o que faríamos sem você, nós não podemos perder mais ninguém.
Ela tinha noção de que o que fez naquela noite foi uma ação desesperadora, Kanan estava certo; mas ainda assim encontrou algo.
— Encontrei uma pista de onde ele deve estar.
A surpresa logo veio em seu rosto, estava para dizer algo, porém logo desistiu. De todas as coisas que ele esperava ouvir, essa com certeza não era uma delas.
— Precisamos conversar em particular — disse Kanan sentindo desconforto dos moradores.
— Mas e quanto a garota? Bem, ela salvou a minha vida, acho que devo uma a ela.
— Traga-a também.
A cavaleira assentiu, levando seu cavalo para o estábulo que ficava próximo a uma plantação de frutos congelados e depois colocando-a sobre seu ombro. Yara não pesava muito, era bem magra, então não teve dificuldades para a carregar.
Logo a multidão também se dispersou, indo para suas casas e voltando aos seus trabalhos.
Saindo de toda aquela confusão, Yara finalmente sentiu que estava pronta para abrir os olhos. A dor de antes havia sumido magicamente e ela se sentia tão bem como jamais esteve.
— Sem trolls, sem trolls… — falava repetidamente, torcendo para que dessa vez acordasse em um lugar menos hostil.
E quando seus olhos se entregaram à luz, se viu em um quarto cercado de janelas e paredes feitas de pedra. Na janela estava Lynn, parada de bruços enquanto pensativa. Seu olhar parecia distante, em outro lugar.
— Ha! Eu sabia! Sem trolls! — pulou-se de alegria. Uma felicidade um tanto quanto contagiante.
— Ah, você acordou. Que ótimo — respondeu com um sorriso no rosto, se virando para Yara, que tentava entender onde estava e quantas horas haviam se passado desde que apagou.
Se fosse para chutar, diria que menos de 5 horas se passaram. Pelos raios de luz que se adentravam no quarto, sabia-se que ainda era dia.
— Onde estou? Que lugar é esse? E por que isso é tão macio? — Ela se perguntava enquanto acariciava o colchão.
— Você está em Valravam, seja bem-vinda! Só é uma pena que você não tenha chegado no melhor dos momentos… E você nunca teve uma cama?
— Isso é uma cama? Vocês dormem nisso? Tá brincando, isso é melhor do que o paraíso! — disse a garota impressionada. — Por que é que eu nunca tive uma dessas?
Tudo naquele lugar era algo novo para Yara, era como se estivesse descobrindo um novo mundo.
Paredes fortemente resistentes, janelas de vidro, uma cama extremamente confortável e um tapete belíssimo feito por um grande artesão. Para quem sempre morou em um barraco em toda a sua vida, estar em um lugar assim era como estar em um verdadeiro paraíso.
— Naquela hora, como fez aquilo? — Lynn quis saber. — Sabe do que eu estou falando.
Agora que ela tocou no assunto, Yara não fazia ideia. Sua avó nunca a contou que podia fazer tal coisa. Seria possível isso ter alguma ligação com o que Maíbi disse?
“O poder de sua mãe corre em suas veias… A mudança que hoje corre em você, quem decidirá se irá usar para o bem ou para o mal, é você. Esse é um caminho que somente você pode trilhar…”
“Então era disso que estava falando…”, Ela não tinha dúvidas de que aquilo tinha a ver com Maíbi.
— Eu não tenho ideia… — respondeu com sinceridade.
— Você por acaso não é uma bruxa não, né? Ou é? — perguntou Lynn de forma evasiva. — Não que eu tenha algo contra elas! Eu amo as bruxas de coração! Elas são incríveis e fazem coisas ainda mais incríveis!
“Primeiro sou chamada estranha, agora de bruxa. O que mais vem a seguir? Aberração? Estou começando a questionar o que de fato há de errado comigo. Será minha aparência ou outra coisa?” — tornou a pensar.
— O que? Não! Claro que não!
— Ah, não? Eu disse que as bruxas são incríveis? Eu quis dizer que elas são malvadas e feias! — tornou a corrigir-se.
— Nisso eu concordo — disse uma voz máscula e nada delicada.
Adentrando-se no quarto, um homem se revelou. Com dois metros de altura e músculos do tamanho de uma montanha; uma verdadeira muralha humana. Seu cabelo parecia uma moita de tão cheio que era.
— Eu sou Orlen, é um prazer te conhecer — respondeu com um forte aperto de mão, acompanhado de uma piscadela.
— Obrigada. Eu sou Yara.
Somente com seu aperto de mão, já se podia sentir a tamanha força que possuía, uma força sobre-humana.
— O Capitão exige a presença de vocês em seu escritório. Compareçam em 5 minutos — disse em tom autoritário.
— Bem, é melhor nós irmos então… — falou Lynn.
Yara assentiu.
Seguindo para fora do quarto, caminharam por um longo corredor, até que chegaram a uma porta entreaberta e, quando adentrando-a, se depararam com uma sala ou o que deveria ser um escritório, com papéis revirados por todo o lado. Uma completa bagunça.
— Perdoe-me pela bagunça, tenho estado bastante ocupado nos últimos dias — explicou, organizando alguns papéis e os colocando em ordem alfabética. — Mas… Eu não entendo… Por que tudo tem que dar tão errado, justo agora?! Por quê?!
Tomado pela frustração, ele bateu na mesa em um momento de descontrole, jogando os papéis para longe e os bagunçando ainda mais.
Yara tivera a infelicidade de aparecer na pior das horas, algo de muito sério estava acontecendo em Valravam e talvez essas pessoas precisassem de sua ajuda. Kanan parecia ser um homem respeitado, mas que agora estava quebrado.
Lynn fechou a porta e ambas se sentaram em uma cadeira em frente a mesa, aguardando para ouvir o que tinha a dizer.
— Antes que me esqueça, eu me chamo Kanan. Soube que é uma guerreira e que quer encontrar sua mãe. Mas se quiser qualquer informação a respeito, terá de trabalhar por isso.
— Onde quer chegar? — perguntou ela, levantando a sobrancelha.
— Uma troca de favores, que tal? Você nos ajuda e nós a ajudamos em troca, não acha justo? — sugeriu Kanan, aguardando por uma resposta.
A proposta parecia tentadora, e se eles realmente souberem algo sobre o paradeiro de sua mãe?
— Acha mesmo que envolver ela nisso vai melhorar como estão as coisas? — Lynn protestou, furiosa.
— Bem, ela sabe lutar, não sabe? Precisamos de aliados, não sabemos com o que estamos lidando lá fora, temos que estar preparados.
— Isso é verdade, mas deixe-a fora disso! Essa luta é nossa!
— E o que você quer que eu faça? — indagou a garota.
Yara parecia disposta a aceitar tal trato, se isso lhe concedesse qualquer informação sobre sua mãe. Estava desesperada, mas ele também estava.
Mesmo sendo imprudente de sua parte, teria que confiar em sua palavra.
Ele começou: — Muito bem, pessoas estão desaparecendo sem deixar rastros, algumas semanas atrás um dos nossos saiu numa patrulha com sua equipe e não voltou mais.
— Vocês não tentaram fazer uma busca?
— Mandamos cinco de nossos melhores guardas, porém, nenhum deles voltou até agora, todos estão desaparecidos. Eu diria que Lynn tivera muita sorte em sair sozinha numa patrulha e não ter sumido.
Sua intuição dizia que ele não estava mentindo, podia sentir verdade em cada uma de suas palavras.
— Se não fosse por mim, não teríamos uma pista agora — interrompeu ela, e então continuou: — Veja bem, quando fui em minha patrulha, em direção à oeste da cidade, acabei encontrando o capacete perdido de Eris; mas antes que pudesse investigar qualquer coisa, eu encontrei Yara.
— Hummm… A única pista que temos é que talvez eles possam ter sido levados para o oeste da montanha, onde está localizado o território dos orcs… — Kanan falava pensativo. — Amanhã, faremos um teste para ver se ela está apta ou não para a missão.