A Herdeira do Gelo - Capítulo 7
Agora que provou o seu valor, estava mais do que preparada para a missão. Ela aprendeu que, mesmo com a perda, nem tudo está perdido. Decidiu que viveria pelo seu povo e pela sua avó, buscando um futuro melhor onde ninguém mais precisasse lidar com a perda.
Cada dia um aprendizado, cada dia uma lição, até quando achamos que já aprendemos de tudo, ainda descobrimos algo. O aprendizado faz parte de nossas vidas, todos os dias aprendemos algo novo, e é subindo um passo de cada vez que alcançamos nossos maiores objetivos.
— Pelo jeito o teste foi um sucesso — comentou Orlen enquanto a aplaudia, saindo de trás de uma árvore próxima.
— Você! A quanto tempo estava aí?
— Tempo o bastante para saber do que você é capaz, garota. Obrigado por nos provar o seu valor — Ele colocou sua mão sobre o ombro de Yara.
— Será um prazer trabalhar com você, senhor — respondera com um sorriso no rosto, curvando-se diante o cavaleiro.
Olhar para ele era quase como olhar para uma grande muralha, não só era mais alto do que Kanan como também havia músculos enormes, tão firmes como uma parede de tijolos.
— Ei! Deixe de ser enxerido Orlen! Quem foi que te chamou aqui? Que eu saiba ninguém o chamou — Christa o repreendeu com um tabefe, tendo que ficar na ponta dos pés para alcançá-lo.
— Hahaha! — gargalhou-se o grandalhão. — Acho que eu tenho o direito de ao menos saber quem estará lutando ao meu lado. Por sinal, como se sente sendo derrotada por uma guerreira inexperiente? — perguntou ele na tentativa de a provocar.
— Droga, não enche gorila. Eu não sou frouxa, teria acabado com ela se quisesse — A cavaleira cruzou-se os braços e revirou o olhar.
Era evidente que na presença de Orlen, a cavaleira Christa perdia totalmente a postura que tinha. O que será que ela sente por ele?
— Com certeza teria. Uma mulher forte e independente…
— Que tal mostrar a cidade a Yara? — Ela mudou de assunto rapidamente, suas bochechas ficando em tom avermelhado.
— Claro madame. Seu pedido é uma ordem.
Com tamanha delicadeza ele segurou sua mão e a beijou. Um tratamento muito usado entre rainhas e princesas dentro da realeza.
Assim que pisou do lado de fora, se deu de cara com dois guardas de armadura, que logo abriram espaço e cumprimentaram Orlen dando contingência. Se tinha algo que era levado a sério por todos na cidade, era o respeito pelos cavaleiros; os viam como verdadeiros heróis.
— Vocês parecem ser tratados muito bem aqui.
— Todo mundo aqui se dá bem. Inclusive, espero nos darmos bem também mocinha — Ele soltou uma piscadela nada discreta.
Descendo por uma enorme escadaria, a garota se impressionou com tudo o que viu. Além das inúmeras casas e construções, guardas patrulhavam a cidade. A presença deles despertou a sua curiosidade, entretanto acabara de chegar à cidade e não sentia que havia o direito de perguntar.
No momento em que parou para observar com atenção, lembranças lhe vieram à cabeça. Mesmo nunca tendo estado lá, reconhecia cada pequeno canto, como se tivesse vivido lá durante toda sua vida. Uma memória que nunca vivenciou, mas por algum motivo, estava lá. Talvez aquelas memórias nem ao menos fossem dela, então, por quê as tinha?
— Qualquer um fica impressionado. Eu cresci aqui, então já estou acostumado — disse Orlen.
— A quanto tempo esse lugar existe?
— Os mais antigos registros apontam que essa cidade existe aproximadamente há 100 anos, eu não era nascido ainda, claro, mas as histórias dizem que a família Fritz foram os principais fundadores dela e até os dias de hoje ela ainda continua de pé.
— Woooow! Isso é mesmo grande! — falava Yara impressionada com o tamanho dos muros; facilmente passavam dos 10 metros de altura.
Seu tamanho era comparado com o de um gigante, que em sua maioria possuíam pouco mais de 5 metros de altura. Não aqueles que lutariam contra Odin na batalha do Ragnarok, segundo as profecias, mas os das histórias infantis que os pais contavam para seus filhos dormirem.
Mais a frente avistou algumas barracas com vendedores, vendiam os mais diversos tipos de produtos, e em uma delas, um chamou sua atenção mais do que os outros, este vendia flores congeladas.
Ela se lembrou que perto de sua casa havia um bosque de rosas congeladas, onde costumava brincar quando entediada.
— Reconheço que a senhorita é nova por aqui, não temos recebido tantos forasteiros. Seja bem-vinda, Não está interessada em comprar estas belas rosas? — disse ele com um sotaque engraçado.
Queria levá-las, mas não havia nem um mísero tostão no bolso.
— Puta merda, você tá brincando… É você mesmo garota?! Eu sabia que você viria para conhecer as grandiosas mercadorias de Travok! — berrou uma voz do outro lado. — Mudou de ideia, não foi?
Ela reconhecia aquela voz mais do que qualquer um, aquele era Travok.
— Travok! — gritou a garota no mesmo instante em que se virou, correndo em sua direção. Estava contente em o ver.
— Seu desgraçado, pare de roubar meus clientes! Eu tenho uma família para alimentar! — gritou o vendedor de flores do outro lado.
— Vá se foder você também! — retrucou o anão levantando a mão.
Ele mal havia chegado na cidade e já estava fazendo sucesso com suas mercadorias, atraindo todo tipo de cliente, entretanto seus concorrentes não pareciam contentes em ter sua clientela roubada por alguém que acabara de chegar na cidade.
Apesar de mal humorado, quando o assunto se tratava de negócios, sua empolgação era outra, de modo que parecesse até outra pessoa.
— E aí menina, o que aconteceu com a sua lança? Ela não está com você? Mas isso não é um problema, eu possuo as melhores armas de todos os sete reinos! E então, vai querer algo ou não?
— Acho que quero uma lança.
— Ótima escolha! Para sua felicidade, a primeira vez é de graça! — Ele puxou uma lança feita de beskar, um dos metais mais raros e resistentes que se pode encontrar, capaz de perfurar qualquer coisa, ou quase.
Os gigantes utilizavam armas feitas de beskar, que podiam repelir até mesmo ataques mágicos. Durante a grande guerra, os gigantes conseguiram bater de frente com os Deuses e quase os venceram.
— Obrigada, isso era tudo.
— Garanto a você que essa lança pode ter um impacto ainda maior do que a que usava anteriormente, faça bom uso dela.
— Pode deixar que farei! — Ela se despediu com um sorriso.
Assim que deu as costas, Travok falou: — Você não vai nem ao menos dar um oi para Myla? Ou já se esqueceu dela?
Saindo de trás da barraca se revelou Myla, fazendo o mesmo som que fazia quando estava feliz.
— Então decidiu usar o nome?
— Quando me refiro a essa coisa de qualquer outro jeito, ela se recusa a fazer o que mando. A danadinha é bem exigente, mas se quer saber, eu ainda acho que é um péssimo nome.
— Pelo jeito vocês estão começando a se entender então, já estão até virando amigos — disse Yara em voz baixa, momentos depois acariciando Myla, que parecia contente pela sua presença.
— Amigos? Eu não preciso disso porra, minhas mercadorias são tudo o que eu preci- — Antes que pudesse terminar sua frase, Myla cuspiu em sua cara.
— Tá bom, tá bom, somos amigos, era isso que você queria ouvir?
A criatura pareceu convencida pelo que acabou de ouvir e Yara deixou soltar um riso baixinho. Algumas coisas nunca mudam…
Se despedindo de Travok e Myla, ela procurou por Orlen, mas quando se deu conta percebeu que havia perdido-o de vista.
Caminhando um pouco, avistou um bar lotado, a música tocava do lado de dentro, o que chamou sua atenção, então ela decide dar uma olhada. Próxima à entrada um cartaz era colocado com um aviso por um guarda, o cartaz dizia que novas regras seriam implementadas na cidade e que um toque de recolher seria usado vigorosamente.
Enquanto lia o cartaz, um homem saiu pela porta, andando de maneira torta e cambaleando, com uma garrafa de algo em mãos, e mais a frente vomitou na calçada.
— Ei, você está bem? — perguntou ela, preocupada com o homem.
— Sai daqui sua piranha, eu não pedi sua ajuda! — respondeu o homem, completamente bêbado.
— Me desculpe, me desculpe! — constrangida com a situação, ela apenas contornou o homem e entrou no bar.
O Bar estava muito movimentado e barulhento, com pessoas bebendo, conversando e apostando coisas.
A garota andou até o balcão e se sentou na primeira cadeira que viu, enquanto muitas pessoas a encaravam com um olhar estranho. Um homem saiu de trás do balcão e olhou em seus olhos, se aproximou devagar e falou:
— É sua primeira vez aqui, não é?
— É sim. Mas o que é aquele aviso na entrada? — perguntará a garota.
— Eles chegaram aqui do nada, não são da cidade, vieram da capital a pedido do rei. Eu não sei o que eles estão fazendo aqui, mas coisa boa não deve ser…
Ao seu lado se encontrava um homem de mais idade, bebendo algo que ela não conhecia, até que o homem bateu com seu copo no balcão e disse:
— Manda mais uma!
— O que?! Essa é a quinta dose que você bebe, se continuar assim, você vai cair morto aqui mesmo! — exclamou.
— Eu não ligo — retrucou o homem.
— Bem, se você diz… — Ele assentiu, não deixando de aceitar o pedido do homem.
O balconista voltou para trás do balcão e passado-se alguns segundos retornou com um copo cheio. Colocando-o sob a mesa.
— O que é isso? — indagou Yara logo quando viu o copo.
— É melhor não saber, isto não é para garotinhas como você — falou o homem ao lado, pegando o copo e tomando mais um gole.
— Eu… Eu quero o mesmo que ele — A garota exigiu.
— O que disse garota?! Isso… Isso é suicídio! Você não aguentaria sequer beber um gole disso — respondeu o balconista. — Tem ao menos ideia do que está pedindo? Essa é uma bebida dos deuses, a bebida mais poderosa de todos os sete reinos.
— Você está dizendo que eu sou fraca? — tomou uma postura séria e em seguida passou a encarar o homem.
Todos a olharam, assustados, parando tudo o que faziam para prestar atenção à cena, o silêncio tomou conta do lugar.
— Hahaha! Você?! Uma garotinha como você? — zombou o homem que estava a beber ao seu lado. — Não venha com brincadeiras. Você, por acaso, está afim de morrer?
— Eu disse que quero o mesmo que ele — insistiu.
As pessoas que antes estavam assustadas mudam suas expressões, e agora, logo depois de ouvir isso, vão a gargalhada e começam a rir da garota.
— Isso é sério? Ela só pode estar louca! — comentou alguém.
— Talvez ela tenha batido a cabeça em algum lugar e então perdeu a noção do perigo Hahaha! — respondeu uma outra pessoa.
— Eu aposto 1000 moedas que você vai cair no primeiro gole. O que me diz? — O homem colocou um saco de moedas sobre o balcão.
— Se é assim, eu aposto a minha lança no contrário — disse Yara confiante, colocando sua lança a sua frente.
— Ei Eitan! Traga uma pra ela também, essa fica por minha conta! — gritou o homem.
— T-tudo bem, é pra já senhor Zodak! — respondeu o balconista, nervoso, correndo para atender ao seu pedido.
— Ela está mesmo falando sério! Alguém precisa parar essa garotinha ou ela irá morrer assim que sentir o cheiro da bebida Hahaha! — ecoou uma voz.
— Tem razão, olhe só pra ela, ela nem ao menos parece uma garota durona, acho que ela ainda não entendeu que esse lugar não é para crianças! — murmurou uma outra voz.
— Eu aumento minha aposta. Eu aposto 3000 moedas — declarou, colocando mais dois sacos de moedas sobre o balcão.
— Se eu fosse você, eu não me subestimaria.
Alguns segundos depois, o balconista voltou com dois copos cheios até a boca em mãos e os colocou no balcão, a garota encarou o copo por um tempo e depois o pegou, o virando em um instante, aparentemente não acontecendo nada.
— Merda! — O homem quebrou o copo em sua mão, transbordando-se de raiva.
Todos os presentes ficaram chocados com o feito de Yara, alguns até mesmo pularam de suas cadeiras e começaram a gritar empolgados torcendo pela garota:
— Mais uma! Vira outra! Vira outra!
— Que tal uma proposta melhor? Admito que talvez eu tenha te subestimado, você não é tão mole quanto eu achava — admitiu ele.
— Qual a proposta então? — perguntou, interessada em saber mais.
— Quem cair primeiro perde. Entretanto, desta vez, eu aposto tudo o que tenho, 10.000 moedas. Veremos qual é o seu limite HAHAHA! — disse, em seguida se abaixando para levantar um enorme saco de moedas da qual o colocara sobre a mesa.
— Fechado — concordou a garota.
— Primeiro as damas, vá com tudo.
Ela virou o segundo copo, mas nada aconteceu novamente, o homem fez o mesmo, e nada aconteceu.
— Você é bem resistente para uma garotinha — comentou de maneira arrogante. — Finalmente encontrei um oponente digno de me enfrentar…
— Cale a boca, eu não sou uma garotinha — retrucou Yara.
Ela bebeu o terceiro copo, e assim que colocou o copo na mesa, uma sensação estranha lhe veio na cabeça, uma sensação de tontura.
— O que foi? Já está no seu limite? — provocou o homem.
— Mas não mesmo! — Ela respondeu, agora com dificuldades para falar.
Tomando o quarto copo, aquela sensação de tontura parece ficar ainda pior, tudo a sua volta começa a girar e as coisas começam a tomar uma forma desproporcional.
“Droga, o que é isso? Que tipo de magia é essa? Nunca senti essa sensação em toda minha vida, é como se algo estivesse tirando todo o sentido de equilíbrio que tenho.” — pensou, se esforçando para não deixar transparecer sua evidente fraqueza.
— Eu disse que isso não era pra você! — voltou a provocá-la, deixando com que risadas sarcásticas vazassem de sua garganta e em seguida tomando mais um copo, sem nenhum efeito ao que parece.
“Como? Como ele continua bem, mesmo depois de tantas rodadas? Ele está usando algum tipo de bruxaria? Isso não faz o menor sentido!” — se questionando sobre como aquele homem ainda estava consciente, a garota com grandes dificuldades se segurava para se manter ali enquanto suas mãos tremiam.
“O que farei agora? Eu estou no meu limite… Acho que tudo o que me resta, é aceitar minha derrota…” — Yara enfim aceitou sua derrota.
Prestes a desmaiar, Yara sentiu sua visão se desvanecendo, ela já havia aceitado sua derrota, porém, um grande estrondo foi ouvido e, em um susto repentino, ela acorda de repente. O homem estava caído no chão.
— Ha! Bebida dos deuses, é? Isso não é nada! Eu sou Yara, a fodona! — berrou para que todos a ouvissem, e logo depois jogou seu copo contra a parede, o fazendo se quebrar em vários pedaços.
Todos aplaudiram, impressionados, eles gritavam seu nome diversas vezes e faziam muito barulho.
Algumas pessoas se aproximaram do homem caído, para ver se ele estava bem, e ele não estava nada bem, sua pele estava roxa e seu corpo estava frio, provável que estivesse morto, mas a garota nem se importou, apenas pegou sua parte da aposta e se retirou do bar.
— Ei! Volte aqui menina! — gritou o balconista — Esse copo não vai sair de graça!
Assim que se retirou do bar, um homem misterioso e de capuz passou por ela, suspeitando de algo, a garota começou a segui-lo, mesmo estando bêbada e desorientada, até que alguém a segurou.
— Vamos Yara, precisamos ir, você já bebeu demais por hoje — disse Lynn a arrastando do bar.
— Me solta, eu tenho que seguir aquele cara! — falou, se debatendo, mas sem forças para se soltar.
— Do que está falando? Você está bêbada, Yara!
— Eu não estou bêbada, tá legal? Wowww, por que está tudo girando? É tão engraçado quando as coisas começam a girar, olha — apontou para uma direção qualquer.
— Você não está nada bem, irei te levar para o seu quarto! — respondeu.
— Nãoooo, eu não quero! — insistiu Yara.
Então Lynn a levou de volta para o seu quarto, e a mesma apagou depois de alguns segundos. Depois desse dia, de uma coisa ela tinha certeza, aquela foi a melhor coisa que ela bebeu em toda a sua vida.