A Herdeira do Gelo - Capítulo 9
Enquanto seguiam as pistas para encontrar o cavaleiro perdido, Yara surpreendeu a todos, se mostrando muito mais útil do que esperavam, e em meio a uma forte e intensa nevasca, três grandes orcs se revelaram diante deles, usando armaduras e armas de guerra, aparentemente com uma proposta em mente.
— Espere!… Você entendeu o que ele disse? — perguntou Lynn a Yara.
— Mas… Como?… Como você consegue se comunicar com eles? Isso deveria ser impossível! — Kanan pareceu não compreender.
— Eu não sei como, mas na minha cabeça tudo me parece claro — respondeu, também não compreendendo como entendia aquela linguagem.
Canções de eras passadas contavam sobre deuses que nasciam com o poder de se comunicar com quaisquer seres vivos, independente de raça e idioma, tal poder foi nomeado como a “Linguagem dos deuses”, mas com o tempo, se tornou apenas um mito, pois os deuses começaram a desaparecer e qualquer pessoa que dissesse ter se encontrado com um, era taxado como louco.
— A linguagem dos deuses… Será que… Yara é uma DEUSA?! — deduziu Kanan, assim que ligou os pontos.
— Alguém que nasce com a capacidade de se comunicar com qualquer ser vivo… Eu achava que os deuses ainda estarem entre a gente era apenas um mito, mas eu já não tenho tanta certeza — disse Orlen.
— As histórias que ouvia quando criança… — Lynn se recordou de sua infância. — Yara… Como eu poderia saber?
Ao direcionar seu olhar para aquela criatura medonha e ao mesmo tempo aterrorizante, Yara engoliu em seco, porém não demonstrou estar com medo.
“Não importa qual seja o tamanho do seu inimigo ou quão intimidante ele seja, não se deixe ser intimidada, não demonstre fraqueza perante seus inimigos, se não se aproveitaram disso.” — falara sua avó quando pequena.
— Aproxime-se e me diga o que quer! — A garota gritou ao Orc, em uma linguagem incompreensível.
Em resposta à isso o Orc levantou seu braço por alguns segundos, em sinal de algo, e momentos depois o abaixou, se aproximando de Yara então ele disse:
— Seus verdadeiros inimigos não somos nós, não estamos aqui para derramar mais sangue, apenas queremos que se aliem a nós contra esse mal maior.
— E quem seria esse mal maior? — perguntou ela.
— Sobre o que eles estão conversando? — sussurrou Orlen, curioso sobre o que estava acontecendo.
— Eu não faço a menor ideia! — retrucou Kanan, nervoso.
— Talvez eles estejam querendo formar uma aliança… — comentou Lynn, pensativa.
— O humano encapuzado. Ele é quem está por trás de tudo isso, ele controla os mortos e pode criar um exército inteiro deles, nós tentamos enfrentá-lo antes, mas perdemos metade de nossos soldados — contou o Orc. — Se juntem a nós, essa é a única forma de vencermos esse inimigo.
— Um momento, preciso discutir isso com meus companheiros.
O Orc assentiu, dando-lhe o devido tempo que precisava.
Retornando até seus companheiros, todos se encontravam desconfiados sobre a situação de que se encontravam, dado os conhecimentos que tinham sobre orcs serem egoístas e muito orgulhosos, dificilmente recorreriam a uma aliança.
— Me diga, o que eles querem, Yara? — perguntou Kanan.
— Eles querem formar uma aliança — respondeu ela.
— Eu sabia! — exclamou Lynn, alto o bastante para que os orcs a ouvissem. — Uma aliança entre humanos e orcs, isso é mesmo possível?…
— Como podemos ter a certeza de que estão dizendo a verdade? — indagou Orlen.
— Eles não estão — revelou Yara, afirmando com total certeza.
— O que? Como você sabe? — Kanan ficou impressionado. Sabia que se fosse ele, não notaria que estavam realmente mentindo, mesmo que suspeitasse se era mesmo verdade.
Desde quando apareceram, Yara sabia que havia algo de errado, momentos antes dos orcs aparecerem a garota pode sentir um forte e imenso desejo de matança emanando dos mesmos, porém, quando se revelaram esse desejo cessou. Eles estavam prontos para atacar, mas algo mudou, algo que não estava em seus planos, um único detalhe, que havia passado despercebido por Yara.
— Pude sentir uma hostilidade emanando deles, é como se eu pudesse sentir seu desejo de matança transbordando. Eles estavam prestes a nos atacar, mas quando nos viram baixaram sua guarda no mesmo instante — falou Yara, virando o seu olhar para onde estavam os orcs.
— Certo então… Não sei se entendi, mas acho que por agora devo confiar na sua palavra — disse Kanan.
— Você pode fazer isso também? Impressionante… O que mais você pode fazer que ainda não nos contou? — perguntou Orlen, também impressionado.
— Ei! Não é hora pra isso Orlen! — Lynn o advertiu.
— Ah, você está certa. Me desculpe por perder o foco, senhorita Lynn.
— Naquele momento… Quando ele levantou o seu braço, então aquilo foi um sinal para que seus companheiros não atacassem? — Kanan começou a alisar o seu queixo enquanto pensativo. — Se isso estiver correto, em algum momento ele dará aquele sinal novamente, precisamos ficar atentos e achar o momento certo para agir! Um único erro e estamos todos mortos…
— Ei garota, sabe nos dizer se há mais deles escondidos por aqui? — perguntou Orlen no momento em que começou a olhar ao redor, na tentativa de que achasse algo a mais suspeito.
— Eram muitos… Não posso dizer quantos são, mas tenho certeza de que são mais de cinco, eles estão entre as árvores, na direita e na esquerda.
— Como não notamos isso? Era óbvio que os rastros eram uma armadilha para nos atrair para algum lugar! Isso é tudo culpa minha, eu os coloquei nessa cilada… — falou Kanan um tanto frustrado.
— Nós estamos juntos nessa e vamos sair dessa juntos, capitão! — Orlen colocou uma de suas mãos sobre o seu ombro a fim de confortá-lo. — Lembre-se, isso é pelo Eris!
— Tem razão… Você está certo Orlen, isso vai dar certo, nós já passamos por situações muito piores do que essa — disse Kanan, com uma postura calma e confiante. — Então… qual poderia ser o pior dos cenários da qual nos encontramos? — seu olhar se direcionou para Yara, esperando uma resposta.
— O pior dos cenários é que talvez já tenhamos caído na armadilha deles, como quando um inseto cai na teia da aranha, e não importa o esforço que faça, é impossível sobreviver quando já está na teia da aranha. Considerando tal possibilidade, é provável que já estejamos encurralados, mas por outro lado, existe também a possibilidade de ainda não termos caído em sua armadilha e o real objetivo deles é nos levar diretamente para ela.
— Vamos torcer para que não seja a primeira opção. Entretanto, só há um jeito de descobrir… — Orlen olhou para seus companheiros, o olhar cheio de preocupação.
— Qual é o plano dessa vez, capitão? — perguntou Lynn.
— Pensei em diversas possibilidades, porém em todas elas… Nós morremos. Com exceção de uma, devemos confiar tudo nos sentidos de Yara, tudo nessa missão depende dela, é a única forma de sairmos daqui vivos — explicou Kanan. — Se pudermos sentir quando vão atacar, teremos uma chance, esse é o plano.
— E qual será o sinal para atacarmos? — Orlen voltou a falar.
— Não se preocupem, quando chegar a hora, Yara saberá o que fazer — disse Lynn, confiante nas habilidades da garota.
Agora tudo faz sentido! Eu finalmente entendi a peça que estava faltando! Eu sou a chave para tudo isso, o detalhe que havia passado despercebido por mim era eu, eles não contavam com alguém desconhecido do qual nunca tiveram que lidar antes. Por estarem acostumados a sempre guerrear contra os cavaleiros, é mais fácil prever seus movimentos, mas quando uma nova peça entra em jogo, é impossível de prever o que vai acontecer.
— Então está decidido, seguiremos o joguinho idiota deles até que encontremos a oportunidade perfeita para atacar. Certo! Vamos! — Kanan tomou a frente, indo ao encontro dos orcs.
— Sim, capitão! — concordaram todos.
De frente aos orcs, o grupo estava decidido. Perceberam que a melhor das escolhas naquele momento era aceitar a proposta que os mesmos estavam a oferecer, e então logo Yara falou:
— Nós aceitamos a proposta, mas somente com uma condição.
— Uma condição? Qual condição? — O Orc quis saber.
— Vocês devem responder a todas as nossas perguntas — exigiu ela, imaginando que estivessem escondendo algo a mais.
— Mostraremos o caminho e então responderemos às suas perguntas, se é isso o que você quer.
Atentos de ambos os lados, todos se encontravam à espera do sinal de Yara, que parecia muito nervosa, e tal nervosismo poderia ser a ruína do plano. Ela tentou ao máximo se manter calma para que não estragasse o plano, porém o fato de saber que estavam caminhando diretamente para uma armadilha a deixava insegura o bastante para que não conseguisse se concentrar no plano.
A tensão parecia já ter se espalhado pelo ar e agora um clima tenso era o que se encontrava entre a garota e o Orc. Ambos já tinham algo preparado um para o outro, mas o que restava saber era qual dos dois conseguiria colocar seu plano em prática primeiro.
— Como sabiam que estaríamos aqui? — perguntou a garota, deixando o clima ainda mais tenso.
— Sabemos quando estamos sendo perseguidos.
— E o que fizeram com o cavaleiro? — continuou ela, com seus olhos vidrados no Orc.
— Cavaleiro? Não encontramos nenhum outro além de vocês.
— Não é o que o seu olhar me diz — Yara forçou um olhar intimidador, esperando que aquilo fosse o suficiente para o deixar intimidado, o que não deu certo.
Dessa forma será difícil o pressionar para que seja obrigado a dar seu sinal, preciso pensar em algo que o deixe intimidado o bastante para que o plano possa dar certo.
— No que essa garota está pensando? Se ela falar demais eles ficaram desconfiados e consequentemente perceberam que estamos planejando algo contra eles! — sussurrou Kanan.
— Você ainda não entendeu, capitão? Esse é o seu plano, Yara acha que se pressioná-lo o suficiente, ele será obrigado a dar seu sinal o quanto antes, e então será a oportunidade perfeita para atacarmos — respondeu Lynn em voz baixa, quase que sussurrando.
Yara continuou:
— Foi por causa do tal “Humano encapuzado” que vocês não atacaram mais a cidade de Valravam? Ou teve outro motivo?
— Correto — respondeu, seco e direto.
— E o que estão fazendo aqui? — retrucou ela.
— Estávamos indo em direção ao inimigo, entretanto tivemos um imprevisto no caminho.
— Por que estão indo em direção ao inimigo se você acabou de me dizer que não tinham chances contra eles? Você disse que já enfrentaram eles antes e perderam metade de seu exército. Esse não é o seu verdadeiro objetivo, estou correta? O que vocês realmente querem?
— Argh… Não temos motivos para compartilhar nossos objetivos com você, criatura imunda — disse o orc, demonstrando arrogância e certo desconforto.
— Por último… Em quantos vocês estão? — indagou Yara, por fim.
— É o que seus olhos veem — respondeu ele, parecendo não entender aonde ela queria chegar.
— E seus amigos escondidos nas árvores? Isso por acaso era pra ser uma armadilha? Para onde estão nos levando? Quantos são? Seis? Sete? Oito?
O orc se manteve em silêncio por alguns instantes, e então… Se virou com um olhar de desprezo e puro ódio emanando de sua aura, até que com um movimento discreto puxou a sua arma lentamente.
— Mentiroso — disse Yara, ficando sua lança no peito do Orc, não dando nem tempo para o mesmo reagir.
Simultaneamente, Lynn entendeu o sinal e decepou a cabeça de um dos orcs com sua espada, enquanto Orlen esmagou a cabeça de outro com seu martelo, e por fim, eles entraram em posição de combate, fazendo um círculo, cobrindo as costas uns dos outros.
— Cavaleiros da avalanche! Em posição! A batalha começa agora! — exclamou Kanan, dando início a batalha entre os cavaleiros e os orcs.
Ao seu sinal, todos entraram em posição, e tal formação parecia inquebrável, não havia brecha alguma para que os orcs pudessem explorar, eles já haviam perdido a batalha antes mesmo dela começar.
— Eles parecem confusos e desorientados, acredito que aquele morto por Yara era o líder deles, e sem um líder presente, eles ficaram desesperados — falou Lynn, atenta aos orcs.
— Muito bem, eu sabia que podíamos confiar em você, Yara! — disse Orlen, aliviado pelo plano ter sido um sucesso.
— VROUE, JY SAL STERF! — declarou um dos orcs, levantando seu machado e dando sinal para que os outros orcs se revelassem.
Outros dois orcs se aproximaram, um pela direita e outro pela esquerda, o primeiro teve o seu ataque bloqueado pelo escudo de Kanan, que contra-atacou enfiando sua espada em seu coração, e o segundo foi aparado por Lynn, que usando sua espada, decepou o seu braço com um corte quase perfeito.
Mais orcs começaram a aparecer de todas as direções, três da esquerda e mais dois da direita, atacando todos ao mesmo tempo. Logo suas armas se chocaram e estavam disputando forças contra os orcs.
A intensa batalha durou muito mais do que o esperado, o que não contavam é que os orcs que enfrentavam eram experientes, mostrando-se serem altamente resistentes. Passaram-se alguns minutos desde o início da batalha, ao norte da trilha, algo se aproximava deixando todos aterrorizados.
— Ei, olhem! O que é aquilo?! — apontou Orlen, em direção a uma horda de monstros.
— Eles estão vindo em nossa direção, o que significa… — disse Kanan preocupado.
Interrompendo a batalha, um exército inteiro de mortos vivos caminhavam em direção aos mesmos, centenas, talvez até milhares deles. Era notável que aquelas coisas já não estavam mais vivas, e ainda assim emanava uma aura assustadora.
— Eles estão… A caminho de Valravam! — exclamou Lynn, amedrontada.