A Ordem Espiritual - 6
Princípio
“A morte não marca o fim, pois para aqueles que se entregam a um profundo sentimento, é apenas o momento de renascer.”
Na manhã do dia 29, o céu exibia nuvens acinzentadas, ditando o clima sem chuva, mas com um frio suficiente para causar tremores.
Ventos fortes invadiam as ruas e becos, balançando telhados e janelas, carregando consigo tudo o que podiam alcançar.
Pequenos entulhos de lixo voavam como folhas aos céus, impulsionados pela força do vento.
No distrito Gou, o quinto, conhecido pelos seus enormes prédios comerciais, as nuvens pairavam sobre o topo do exuberante Domus-Dei, o enigmático e milenar prédio sede da ordem dos exorcistas. Este edifício, totalmente vidrado e inabalável, cortava a ventania com uma imponência que desafiava até o mais poderoso evento da natureza.
Enquanto os ventos caóticos reinam sob as nuvens lá fora, de dentro do edifício se tem uma vista perfeita de Aurora emitindo sua luz sobre toda a cidade.
O céu sobre as nuvens está amarelado, como se tivesse sido tingido de ouro. Além disso, um mar de arranha-céus, dos mais variados tamanhos, também pode ser avistado.
Essa é a paisagem que enfeita a vista de um homem magnata, trajado em um terno negro, com o seu crucifixo de prata sobrenatural em seu pulso, refletindo a luz enquanto degusta seu pomposo vinho, caríssimo, 325 mil ienes por garrafa, em uma taça adornada com diamantes.
Diante da grande vidraça que separa o interior do prédio do exterior, filtrando a luz intensa que poderia causar cegueira aos olhos mais sensíveis.
Ele está no 78 andar, onde ficam os luxuosos quartos dos líderes da ordem, os nove homens mais importantes do mundo, que detêm o controle do exército mais poderoso do mundo em suas mãos.
Enquanto seu olhar exibe uma frieza sem igual, através da vidraça é visível que às suas costas alguém aguarda por suas palavras, sentado no sofá, pegando uma taça da mesa de centro.
— Souza, tem certeza de que ouviu essas palavras da boca de Romero? — ele pergunta, soltando um suspiro profundo enquanto o fita de lado.
O homem está sentado no sofá de couro, posicionado atrás da mesa, com a garrafa do caríssimo Roi des Rois à sua frente. Traja seu sobretudo com a elegância de um homem mais velho que o comum, adornado com um crucifixo de ouro reluzente, e sua calvície contrasta com a imponência de sua presença.
Apesar de cego de um dos olhos e com uma face feroz, seu olhar irradia uma paz inigualável.
— Ouvi — ele responde — infelizmente, eu o conheço o suficiente para dizer a verdade que está em seus olhos! Mas me diz, acredita ou não em mim?
— Eu sei, enfim, vocês, homens filósofos e sonhadores, têm uma ligação, diferentes de nós, os poderosos e vulgares… — o homem dramatiza, e então, afia seu olhar, — Quem sou eu para duvidar? Aliás, você já me deu motivos suficientes para confiar em você — dando alguns passos para frente e bebendo todo o vinho restante de uma vez, segurando-se nos apoios do sofá.
— Ótimo…
— Bem, eu irei alertar o conselho. Entendo você, sou o único maluco capaz de dizer isso com determinação. Você me considera louco, não é?
— Um suicida social… — ele admite, sua calmaria é como a de um monge budista — mas os Regnianos são assim, não é?
— São! Nascer em Regnum, as terras gélidas, é um atestado para a loucura! — ele brinca, balançando a taça vazia antes de colocá-la sobre a mesa.
O homem ri diante do gracejo e, então, engole a seco, colocando a mão à frente dos lábios antes de continuar:
— Um suicida social… É, até que gostei disso… Mas você sabe das consequências disso, não é? Se Romero quiser mesmo mudar o mundo, terá que agir como um tirano autoritário. Ele terá sangue em suas mãos. O que você acha que o fará chegar a esse ponto? Vocês dois são pacifistas, não é? Homens de fé, sem ofensas, é claro!
— Ele mudou, desde o ocorrido com o Rasen, sua percepção sobre o mundo não é mais a mesma que a minha.
— E a dele está errada? Quer dizer, não que eu esteja tentando concordar…
— Não sei, não me importo. Se ele buscar a matança, estarei na oposição, é isso! — ele afirma com determinação.
— Entendi, e o Rasen? Ou os demais alunos de Romero… sabe se mais alguém compartilha da mesma visão?
— Bem, não sei, eu só sei que esse Romero não se importaria de sacrificar a si pelo que acredita. Vi isso em seus olhos, senhor Moreau… — Ele profere, então se ergue do sofá e o fita com tamanha seriedade em seu rosto — por favor, faça isso valer a pena!
— Entendido, senhor Gabriel Souza, pode contar com boas notícias em breve — responde, confiante, acompanhando Gabriel até a saída e erguendo a taça ao olhá-lo uma última vez — um brinde a nós!
Os olhos de Hugo percorrem discretamente o corpo do exorcista, dos pés à cabeça, enquanto ele observa o corredor após abrir a porta.
— Obrigado, senhor Hugo Moreau…
Ele saiu apenas para se deparar com quem menos esperava naquele dia. À sua frente está o maior prodígio da história, o exorcista mais jovem a se formar na academia, apoiado nas paredes do apartamento do líder, encarando-o com um ar de descaramento.
Seus cabelos, como de costume, estão bagunçados e suas vestes sujas, já que acabou de retornar de uma missão. No entanto, há uma chama incandescente em seu olhar.
— E aí, como foi lá, cabeça de aço? — ele diz, cheio de sarcasmo.
— Ah, Masaru Jigoku… — ele murmura ao vê-lo, — Cabeça de aço? — Gabriel pergunta, confuso.
— Sim, exatamente, o que aquele charlatão te disse?
— Bem, sobre isso, ele vai fazer algo… mas não deu muitos detalhes, só fez perguntas. E você, não tinha uma missão?
— Eu? Ah, eu já concluí minha missão…
Gabriel se surpreende e então sorri de lado diante das palavras do “garoto”.
— Já? Você realmente é um prodígio, pena que tem essa mentalidade…
— Meh, eu sou um prodígio, um exorcista perfeito. Não vem baixar minha bola, oh, vovô! — ele responde, e então coloca seus braços para trás do pescoço, encarando o fim do imenso corredor — um dia vou ser um exorcista grau celestial, como você. Então, você terá que aguentar!
— Nem parece ter 21 anos… — murmura, segurando seus ombros e o surpreendendo, enquanto uma sensação de paz emana de seu ser — mas mal posso esperar por isso!
— Cara, você é tão maneiro que nem parece careca… — tenta provocá-lo, mas só consegue arrancar uma risada forçada dos lábios de Gabriel — você nunca fica irritado, né?
Sua indiferença é notável.
— Me irritar? Acha que eu nunca lidei com pirralhos chatos? — ele diz, soltando-o e avançando pelo piso vinílico.
— Aff… Tá bom, mas uma hora você perde essa pose toda… — responde, seguindo-o.
Gabriel suspira tão profundamente ao perceber que apenas aceita esse fato, Masaru Jigoku era como um carrapato.
Mas isso é apenas o começo de um longo dia…
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