A Ordem Espiritual - 8
Caminhos Opostos
Com passos decididos, Gabriel avança até a oitava porta do estreito corredor, onde portas brancas e o piso vinílico de tom suave criam uma sensação de purismo, imbuindo o ambiente com uma aura de tranquilidade e serenidade enquanto ele prossegue em sua jornada.
Essa atmosfera perpétua, evocando a mesma sensação que o exorcista causa, como se aquele cenário materializasse o que está nas profundezas de seu coração.
Toc Toc!
Ele bate duas vezes, após um suspiro profundo, e o som reverbera de forma sinfônica, quebrando o silêncio puro que permeia o ambiente.
— Entre! — a voz abafada e grave ecoa de trás da porta, preenchendo o ambiente com fluidez. E com um tom brincalhão, acrescenta: — Demorou, hein… Esse trabalho como representante está realmente te consumindo!
Enquanto as palavras fluem, Gabriel adentra sem hesitar, encontrando Romero relaxado na cama, vestindo seu sobretudo e coturnos, manchando os lençóis brancos como neve. Enquanto lê um livro peculiar, com uma capa e título igualmente intrigantes.
O título, gravado em dourado e cercado por linhas que se entrelaçam em uma espiral, é:
“Simulacro em Espiral: Uma Jornada pela Realidade Alternativa”
Escrito pelo filósofo idealista Klaus Schattenstein, conhecido por sua infâmia e vileza. Nascido nas terras cruéis de Regnum, nas montanhas da Germândia.
— Ah, sim, problemas não me abandonam. Cada vez que me deparo com um formigueiro, é irresistível cutucar — ele responde.
A cena à sua frente é notável: o quarto está praticamente vazio, com o guarda-roupa entreaberto, sem roupas, e a bancada de livros desprovida de volumes, enquanto dezenas de caixas de papelão lacradas jazem pelo chão.
— Além disso, quem foi o gênio que decidiu colocar um pacifista para cuidar do policiamento desse caos? — Romero comenta com ironia, fechando finalmente o livro e dirigindo seu olhar para Gabriel, seu amigo, que não via há dias, — Ainda bem que você não tem mais cabelos para perder… — brinca.
Gabriel ri, percebendo que falta o crucifixo em seu pescoço.
— Temos que tentar mudar, não é mesmo? — ele diz, sentando-se à beira da cama e relaxando os ombros — mas e você, o que anda aprontando? Ouvi dizer que não tem aceitado trabalhos ultimamente. Já está rico, é?
Sua pergunta paira no ar, mas as palavras não se dissipam; gélidas, ecoam na mente de Romero até que um gatilho é disparado.
— Isso nunca muda… não desse jeito… — ele diz e, então, em um sorriso meio forçado, fita Gabriel como uma fera, — Bem, sobre as missões… me desvinculei da ordem, não sou mais um exorcista. Servus Semper, nunca mais! — indaga, há tanta verdade em seu olhar que Gabriel se surpreende.
— Sério? — ele pergunta, incrédulo — nunca achei que algo fosse me surpreender, mas você, saindo da ordem, não era sua verdade?
— Era, mas não vejo mais sentido nisso. Qual é, não é difícil ver. A ordem, no final, são paredes de concreto, onde matamos os demônios dos outros, mas nunca acaba! — ele profere, despejando sua insatisfação em cada palavra — pensei que, ao me tornar exorcista, poderia mudar o mundo, mas o mundo, as pessoas, em sua maioria, não querem mudar!
— E nunca vão querer, assim, é a humanidade… ideais como os nossos, são como peixes deslocados em um grande oceano… — ele responde, interrompendo suas palavras. E depois de um suspiro exausto, ele continua: — Mas, saindo da ordem, o que quer fazer? Vai jogar a toalha? Se isolar nas colinas? Não estava com um grande plano para mudar tudo?
Diante da pergunta, a inquietude de Romero representa uma sinfonia de pensamentos, ecoando de seus lábios mesmo que não diga nada. Então, o homem se ergue em um pulo, empurrando as caixas sob seus pés.
— Continuo! Mas nenhum líder irá me apoiar. Eles estão de bundas sobre o ouro, suas panças gordas cheias de fartura. Não há sofrimento para um nobre, meu amigo… — ele diz, e então guarda o livro instantaneamente, sobre a prateleira vazia — você discorda?
— Não, mas, de qualquer forma, você sabe que aqui ou não, não muda o fato de ser algo irreal… — argumenta, buscando trazer um pouco mais de lucidez à conversa — quero dizer, sua luta será um atentado à própria vida, irá nadar contra a correnteza!
— Não muda? Não consigo ver isso agora… Mas enfim, não é aqui, limpando casas e a sujeira dos outros, que irei compreender como fazer isso melhor — ele responde. Naquele momento, Gabriel percebe um traço de Romero, que pensou que se dissipou com o tempo, sua determinação — estou contemplando o simulacro perfeito que mencionei, transformar tudo como o vazio se transformou neste mundo, restaurar Crea como um lugar puro novamente…
— Watanabe, sentiria orgulho… — murmura ele, com um tom irônico, levantando-se, exausto do assunto. O homem o encara, encurralando-o — mas, independentemente do que eu pense, sinto muito por não poder compartilhar deste fardo contigo, como prometemos!
Seus olhares se encontram, ainda, permeados pela cumplicidade que só existe entre irmãos.
— Arrependimento não é para os sonhadores, Gabriel. Este é o meu fardo, que deveria ter assumido desde que renasci no árido deserto de Shamum… — ele responde, deslizando as mãos nos bolsos. Um som metálico ecoa quando ele lhe entrega o seu crucifixo — guarda para mim? Quero, ao menos, deixar uma marca de nossa amizade, meu irmão… — sussurra.
— Irei guardar… Diego Romero, meu irmão…
As últimas palavras proferidas naquele quarto ecoam com uma dramaticidade envolvente, em perfeita sintonia com a música que preenche o ambiente subsequente, enquanto Gabriel se encontra novamente no elevador.
Ao ouvir o característico “ding”, ele emerge no imponente salão do primeiro andar, contemplando o vasto e movimentado térreo, que se estende como uma ala de espera de proporções de um aeroporto.
Entre exorcistas e outros transeuntes que percorrem o piso, uma pintura inestimável, obra do ilustrador Leonardo Vincio, o Artífice Cosmológico, está fincada desde a construção do edifício.
Na representação de Elum, o criador, destacam-se sete braços, cada um atribuído aos contos míticos da entidade: três seguram objetos distintos. Na mão esquerda superior, entre as demais, repousa uma adaga, a Gladius Divinus Astra, forjadora do mundo. Entre as duas mãos à esquerda, a do meio segura uma taça que contém as chamas da criação, Ignis. Enquanto, abaixo dos quatro braços restantes, à direita, ele sustenta o mundo entre os dedos, ainda em sua forma primordial, concebido a partir de seu vasto e eterno Imaginário.
Como estrelas cintilantes, os brilhos da alma envolvem seu corpo, enquanto um negro profundo preenche o vazio absoluto dentro dele. Entre os homens modernos e os prédios gigantescos, ele caminha, vestindo panos divinos, enquanto as nuvens se curvam aos céus. Em suas costas, ao redor de sua coroa e cabelos longos, irradia a derradeira luz.
Essa pintura, situada no centro, divide o espaço quadrangular, separando a saída à frente, ladeada por janelas vidradas. À esquerda, o restaurante reservado aos membros da ordem, e à direita, uma recepção que evoca a elegância de um hotel de luxo.
Gabriel encara tudo aquilo, sem saber o que fará, até que, de repente, um assobio ecoa à sua direita. E lá está Masaru, aguardando por ele, encostado nas paredes que separam os dois elevadores.
— E aí? Chorou muito? — pergunta Masaru, com um sorriso travesso.
Ele parece em profunda reflexão, seus olhos perdidos, mas mesmo assim, um sorriso leve se forma diante do gracejo do garoto.
— Você sempre será assim, né? — ele comenta, com um sorriso de canto.
— Graças a Elum, sim! — ele responde, esticando-se ali mesmo — e você?
— Claro… já estou velho demais para mudar… — diz Gabriel, com um tom fúnebre que indica algo perdido, no fundo, de seu coração.
— Mas que tal uma missão comigo? Um rolê aleatório… algo que quebre esse enterro…
Ele reflete antes de dizer qualquer coisa, cerrando os punhos e então encarando-o de lado, seus ombros se levantam.
— Um rolê? Não… mas, acho que cabe uma distração. Enfim, o que acha de irmos até o distrito fantasma?
— Wow, agora ouvi uma boa ideia! — ele diz, entusiasmado. Então, o garoto fita a saída com tanta energia que parece prestes a disparar para frente como um míssil, — É bom que você veja como um exorcista luta… — conclui, convencido.
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